Diversão e Arte

Livro desvenda os processos de Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido

O fazer artístico é o tema da publicação de Antonio Luis Quadro Altieri

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 29/06/2016 07:30

Augusto Boal em documentário de Zelito Viana

Inspirado na criação e nas técnicas desenvolvidas pelo fundador do Teatro do Oprimido o escritor Antonio Luis Quadros Altieri lança o livro Cultura de Augusto Boal, em que o leitor poderá se sentir imerso no fazer artístico a partir do teatro fórum e nas transformações que ele possibilita. Em seu percurso, Boal exerceu a função de artista e intelectual, tratando o teatro como arte revolucionária e instrumento de mudança. Os leitores serão levados a um mergulho intenso nos processos criados por Boal e sua importância para a construção e prática do teatro brasileiro. O teatro criado pelo dramaturgo pode ser utilizado como ferramenta de trabalho político, social, ético e contribuindo de maneira essencial para a transformação da sociedade.

Além de escritor, Antonio Altieri é ator, professor e coringa ; termo utilizado para os replicadores do teatro do oprimido. Suas primeiras experiências com as técnicas criadas por Boal aconteceram quando foi orientador de grupos de jovens e adolescentes no presídio do Carandiru e ainda junto a presidiárias em grupos na periferia de São Paulo. Lá o escritor vivenciou um tempo de aprendizado e realizações que, segundo ele, trazem conexões com as origens do teatro do oprimido.

A experiência p rática veio com o próprio Augusto Boal, na década de 1980. Empenhado em estudar mais a fundo as técnicas Altieri voltou seus estudos e sua tese de mestrado para o teatro do oprimido. ;Imerso na pesquisa, meu interesse por Augusto Boal só cresceu. Encontrei com esse sujeito a história de tanta gente, sem ter podido conversar com ele pessoalmente. O universo que se abriu foi revelador de um homem de ação interessado e de um descobridor. Era assim que ele se considerava: um descobridor do teatro, do mundo, da política, da ética e da estética;, afirma.

Silvia Paes é atualmente diretora na faculdade Dulcina de Moraes e uma das mais importantes coringas brasilienses e conheceu Augusto Boal quando ainda era estudante de artes cênica na UnB, em 1997. Anos depois, a professora teve a oportunidade de participar de um projeto com o criador do Teatro do Oprimido em que o objetivo principal era expandir o trabalho e as novas técnicas de Boal, formando multiplicadores em vários estados. ;O objetivo do projeto era que em todos os estados do Brasil fosse multiplicado essa técnica do teatro do oprimido. Então ele trabalhava com 13 coringas lá no centro do teatro do oprimido, que funciona na Lapa, no Rio de Janeira e esse grupo se dividiu em duplas e percorreu todos os estados brasileiros fazendo esse trabalho de multiplicação;, afirma.

Augusto Boal sob os olhos de Antônio Luís Altieri

O livro é dividido em capítulos denominados pelo escritor como estruturas de sentimento. Os termos estruturas de sentimento são emprestados de Raymond Williams e de acordo com Altieri são significados e valores tal como são sentidos e vividos ativamente. ;Para que esse percurso seja oferecido ao leitor, busco dialogar com a autobiografia de Boal, entrevisto alguns dos coringas formados em contato com ele, esboço a apresentação da extensão do trabalho de um desses coringas com um grupo de jovens, por meio de um estudo de caso e me debruço sobre o movimento que ocorreu de lá para cá: do princípio no bairro da Penha, no Rio de Janeiro, passando pelo Teatro de Arena em São Paulo, entrando na cela da prisão política, viajando pelos países do exílio, retornando até o Centro do Teatro do Oprimido nos arcos da Lapa e desembocando na zona Oeste de São Paulo, no Jardim Educandário;, afirma.

Ainda de acordo com as ideias do escritor, Augusto Boal caminhava para algo diferente do que se refere apenas à inclusão. O signo escolhido por Boal seria o da opressão, o da arte como algo que pode levar grupos e indivíduos à desopressão e resolução de problemas. A arte, assim, poderia proporcionar tanto o fazer, quanto o aprender a fazer. Ou seja, passando pela experiência artística, é possível adquirir os meios necessários para a mudança e tomar posse dessas transformações. Boal desejava que os participantes de seus processos tomassem posse dos meios de produção. Tinha uma perspectiva revolucionária. É disso que se trata Augusto Boal e é isso que ele tenta, insistentemente, propiciar.

O escritor responde

Após aprofundar seus estudos sobre Augusto Boal, Antônio Luis Altieri sentiu-se cada vez mais conectado às vivências e vivências que surgem a partir da multiplicação de seu teatro. Juntando experiências sensoriais, intelectuais, estudantis, professorais e como mediador de aprendizado, o teatro fórum teria significado uma importante ruptura e o surgimento de uma nova conexão entre palco e plateia.

Acredita que o Teatro do Oprimido pode promover mudanças sociais e comportamentais?

;Acredito. Tive a possibilidade de acompanhar as mudanças que ele causou em, pelo menos, quatro coringas que entrevistei a fim de elaborar histórias de vida como parte de minha pesquisa. Esses quatro ele modificou. Além disso, pude também acompanhar um grupo de jovens e adolescentes do Ponto Educandário de Cultura, no Jardim Educandário, região periférica da zona oeste da cidade de São Paulo e as mudanças que foram ocorrendo durante o desenvolvimento de todo um trabalho com o Teatro do Oprimido. Creio que modificou os outros tantos coringas com os quais trabalhou e que estão espalhados pelo Brasil e pelo mundo praticando Teatro do Oprimido. Veja bem, trata-se de gente de lugares os mais diversos e de diferentes e por vezes conflituosas culturas. Falo de Israel e do Líbano, da Índia e do Paquistão, da Venezuela e dos Estados Unidos, e também de Portugal, da Itália, da Suécia. Agora mesmo, nesses dias, há um grupo indiano que se instalou no CTO do Rio de Janeiro para realizar apresentações de Teatro Fórum e trocar experiências.

Veja-se que na Índia o T. O. foi usado para promover a mudança comportamental dos participantes populares com relação a AIDS. Há também o trabalho desenvolvido nos presídios, inclusive pela pastoral carcerária, tratando de alterar as relações ou, pelo menos, interferir nos tratos entre carcereiros e presos, e entre presos e presos. Um dos xodós do Augusto Boal foi o trabalho desenvolvido junto ao MST.

A isso tudo deve se agregar o importante trabalho realizado junto aos centros de atendimento às pessoas com algum tipo de necessidade especial, os CAPS, como o de Guarulhos, em São Paulo, por exemplo. Trabalhos relacionados à mente ou ao trato psiquiátrico. Trabalhos que buscam renovar as relações entre atendentes, enfermeiros, médicos e pacientes. Há ainda outra perspectiva que merece ser analisada: as técnicas do T. O. se incorporaram aos movimentos e manifestações sociais. Reitero, sem trocadilhos, sinceramente e também pautado em evidências creio que sim; o nosso teatro de Augusto Boal pode promover mudanças sociais e comportamentais sinceras;.

Confira entrevistas:

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