Diversão e Arte

Festival Cena Contemporânea movimenta Brasília com espetáculos cênicos

Espetáculos expandem as fronteiras entre teatro, artes visuais e cinema, um terreno fértil de possibilidades

Adriana Izel, Rebeca Oliveira, Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 24/08/2016 07:20

Os movimentos da dança contemporânea dão o tom da peça Buraco, de Elisabete Finger

Expandir as possibilidades de criação e acrescentar novas conexões ao fazer teatral. Esse é um dos objetivos de grande parte das companhias que, este ano, compõem a programação do Cena Contemporânea, maior festival de teatro brasiliense e um dos principais do país, que teve início ontem e ocupa salas e espaços de todo o Distrito Federal até 4 de setembro. Como elo, cada vez mais peças chegam ao público como diversificados espetáculos multimídia nos palcos.

É o caso de A floresta que anda, parte da trilogia produzida pela criativa diretora Christiane Jatahy, responsável pelo aclamado E se elas fossem para Moscou? e Julia. O espetáculo, com apresentação hoje no Museu Nacional da República, inspira-se no clássico Macbeth, de William Shakespeare, mostrando o quanto podem ser produtivos os encontros entre antigas dramaturgias e novos recursos tecnológicos. Jatahy leva ao palco uma junção de elementos das artes cênicas, performance e cinema, com temas de importante reflexão e debate, colocando em pauta o sistema político, econômico e social que permeia atualmente o Brasil e o mundo como um todo. A diretora acredita que trabalhos que aumentem as relações entre público e cena elevam as possibilidades de um público interessado, que não esteja passivo.

A principal finalidade é pensar a atualidade e levantar as questões que rodeiam e sustentam os sistemas de poder e de que maneira elas afetam o cotidiano de cada um. A mistura de realidade e ficção é contada aos espectadores entre o trabalho dos atores no palco, vídeo-instalação e cinema ao vivo. O espetáculo reforça a tendência do festival em mostrar trabalhos que instiguem o pensamento reflexivo e trabalhem a linguagem contemporânea do teatro por meio de linguagens diversificadas. Na obra atual, a diretora aprofunda suas investigações entre os limites que permeiam o teatro e o cinema. As histórias contadas e exibidas por meio dos vídeos são todas verdadeiras, com entrevistados reais e Jatahy conta que o trabalho fala também do atual momento político do país.

O espaço cênico funcionará como uma galeria de arte e os espectadores poderão assistir histórias de jovens que se viram atravessados pelo sistema político, econômico e social. Entre as principais questões levantadas por Jatahy está a desigualdade dos sistemas que favorecem alguns em detrimento de outros. ;Eu sou formada, de alguma forma, por essas duas expressões artísticas, teatro e cinema. Minha pesquisa é permeada em juntar diferentes territórios, entre teatro e cinema, realidade e ficção, ator e personagem, ator e público. Eu me interesso em pensar de que maneira podemos encontrar essas relações entre teatro e cinema em um mesmo espaço. Este projeto é bastante experimental e nele o público é muito importante, principalmente na construção das possibilidades da performance;, conta a diretora.

Tecnologia x natureza

Assim como acontece em A floresta que anda, recursos multimídias são essenciais à construção da narrativa de Deitar o sal, espetáculo concebido pelo coletivo Conexão Samambaia em residência com artistas do Brasil, Uruguai e Alemanha. Em cena, junto a dançarinos goianos, Fernando Velázquez e Francisco Lapetina (que compõem o coletivo FF) fundem elementos audiovisuais a recursos naturais. Ao público, fica evidente o debate da dualidade que pode permear as relações entre natureza e tecnologia.

[SAIBAMAIS]As projeções não se limitam a mappings, recurso usado, por exemplo, por VJs em várias festas da cidade. Elas transcendem. Conversam com materialidades simples e até desprezíveis, como troncos de madeira que seriam jogados no lixo mas ganham, no palco, contornos gigantescos diante de uma lente de aumento. ;A escolha desses materiais e a maneira como são manipulados transformam esse procedimento em uma produção de imagem e som altamente sofisticada. É um trabalho especial. Estamos contentes em ter a presença do Fernando e Francisco circulando junto a um time de bailarinos de Goiânia;, comenta o bailarino Kleber Damaso, que integra o elenco. Outro ponto alto são as coreografias da bailarina Sonia Mota, brasileira radicada na Alemanha conhecida por criar a proposta de dança Arte da Presença, onde o improviso é bem-vindo.

Movimento em forma de dramaturgia

A paranaense radicada em São Paulo Elisabete Finger é o nome por trás do espetáculo Buraco, que será a primeira atração de hoje do festival. A obra se trata de uma peça de dança contemporânea, com foco no público infantil (o que não impede a presença de adultos), feito com princípios coreográficos do corpo e do movimento para desenhar uma estrutura dramatúrgica. As possibilidades de movimento de um ;corpo-matéria; (carne, ossos, músculos, líquidos, tecidos, cabelos...) são exploradas no desenrolar do espetáculo.

Buraco é inspirado no solo O, apresentado pela coreógrafa em 2011 em Berlim. O espetáculo concebido para um público adulto tratava das inquietações da relação entre corpos e matérias. Mas, ao contar com uma criança de 6 anos na plateia, Elisabete decidiu se aventurar em um trabalho para o público infantil com ajuda de Cinira Macedo, Jamil Cardoso e Sandro Amaral, que fizeram parte da concepção e da performance. ;Quando acabou, a criança veio me contar o que tinha visto, e o que ela tinha percebido era exatamente o que me interessava naquele processo de pesquisa: a trajetória da matéria, seus caminhos, suas transformações, suas propriedades (cor, textura, peso, forma ou ausência de forma) e as sensações e as possibilidades imagéticas que podem ser geradas a partir da presença e do encontro destas matérias;, conta.

A partir daí, nasceu Buraco, que busca instigar as capacidades sensoriais e cognitivas das crianças. ;Convidamos as crianças a embarcar nesta aventura e sabemos que elas estão mais disponíveis e abertas a outras formas de olhar o mundo do que muitos adultos. Crianças podem sim ser público para a arte contemporânea de hoje e serão sem sombra de dúvidas o de amanhã;, completa.

SERVIÇO

Programação de hoje

Buraco (PR)

Às 16h, no Teatro Sesc Paulo Autran (CNB 12, AE 2/3, Taguatinga Norte; 3451-9103). Sinopse: Explora as possibilidades de ser e de mover um ;corpo-matéria; em contato/colisão com outras matérias. Buraco é entendido como relação entre dentro e fora do corpo, entre diferentes partes do corpo, diferentes materiais. Buracos como frestas, vazamento, passagens para outros lugares, portais para outros mundos. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Classificação indicativa livre.

A floresta que anda (RJ)
Às 18h30, às 20h e às 21h30, no mezanino do Museu Nacional da República (Esplanada dos Ministérios). Sinopse: O público é recebido para um vernissage numa galeria de arte e envolvido por testemunhos reais filmados de pessoas comuns comentando como suas vidas foram afetadas pelo sistema político e econômico atual do Brasil. Ao mesmo tempo, os espectadores são envolvidos por situações criadas por atores ao vivo. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 18 anos.

Espetáculos expandem as fronteiras entre teatro, artes visuais e cinema, um terreno fértil de possibilidades
Hysterica Passio (SP)
Às 19h, no Teatro Funarte Plínio Marcos (Eixo Monumental; 3322-2076). Sinopse: Hipólito, filho da esquálida enfermeira Thora e do pálido dentista Senderovich assume diversas figuras alegóricas em cena: a de um mestre de cerimônias, a de seu pai já morto e a dele mesmo na infância. Apresenta sua vida e a de seus pais, retomando ao passado para questionar, julgar e condenar a dor que sente, as feridas ainda não cicatrizadas. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.

Deitar o sal (GO)
Às 20h, no Teatro Sesc Newton Rocha (QNN 27, Área Especial Lote B, Ceilandia Norte; 3379-9586). Sinopse: O sal é um elemento transformador da matéria. Questionando essa premissa, criadores de dança contemporânea do Brasil, Alemanha e Uruguai se reuniram em residência promovida pelo coletivo Conexão Samambaia em performance multimídia. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Classificação indicativa livre.

La Wagner (AR)
Às 21h, no Teatro da Caixa Cultural (SBS, Qd. 4, Lt. 3/4; 3206-9448). Sinopse: Quatro mulheres, como quatro valquírias, se apropriam da música de Richard Wagner e assumem a árdua tarefa de desfazer estereótipos e revelar preconceitos relacionados à feminilidade, à violência, à sexualidade, ao erotismo e à pornografia. O resultado fascina por colocar em contato o sublime e a banalidade, o irreverente e o sagrado. Ingressos a R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.

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