Diversão e Arte

João Almino fala da conexão com a capital modernista

Escritor potiguar é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura, com Enigmas da primavera

Severino Francisco
postado em 08/10/2016 07:36

Escritor potiguar é finalista do Prêmio São Paulo de Literatura,  com Enigmas da primavera

Embora a vida de diplomata o empurre para destinos erráticos, Brasília é uma presença constante na ficção de João Almino, desde o primeiro livro, Cidade Livre, até o último, Enigmas da primavera, protagonizado por um jovem conectado com as redes sociais, com nostalgia dos tempos rebeldes vividos pelos avós. De Brasília, ele parte rumo a Espanha para viver aventuras e desventuras. Enigmas da primaveras é um dos 10 finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura, finalista do Prêmio Rio e semifinalista do Prêmio Oceanos. Almino viveu em 14 cidades. Mossoró, no Rio Grande do Norte, onde nasceu, e Brasília, são as cidades onde morou mais tempo. Mas é o caráter experimental, a dimensão mitológica, as contradições sociais e a riqueza humana que provocaram Almino a projetar as suas ficções no cenário modernista de Brasília. Almino está morando em Brasília desde o ano passado e um dos seus prazeres, na cidade de céu aberto, é fotografar o chão: ;É algo lúdico e despretensioso, mas permite a descoberta e a reflexão;, enfatiza o escritor. Nesta entrevista, Almino fala sobre a ligação com Brasília, a conexão com as questões universais e contemporâneas, os enigmas da primavera árabe e as inquietações de ficcionista.


Entrevista João Almino
Como é a sua relação com Brasília e por que ela está tão presente em sua ficção?
Na verdade, a cidade está presente em todos os meus romances, inclusive no mais recente, Enigmas da primavera, mais da metade se passa em Brasília. Primeiro, é a cidade onde vivi por mais tempo, depois da cidade natal de Mossoró, onde morei durante 12 anos. Estou completando também 12 de Brasília. Fora essas duas, vivi sempre por tempos menores as 14 outras cidades em que residi.

Mas, além do tempo, que outras razões pesam na escolha por Brasília para a ficção?
Eu achava que situando as histórias em Brasília não perderia nada e ganharia algumas coisas. Poderia situar no Nordeste, onde aproveitaria meu conhecimento de lá. Mas em Brasília, não perco nada disso, pois a cidade é o encontro de culturas brasileiras, eu posso trabalhar com o encontro dos vários brasis.

[SAIBAMAIS]

Como lida com o fato da cidade estar envolvida pela aura modernista?
É outro aspecto de Brasília que sempre me atraiu. A cidade tem uma dimensão simbólica muito forte e eu posso contrastar com a que vai surgindo espontaneamente. Brasília é um projeto moderno que precede a Independência do Brasil e continua vivo. É uma ideia de utopia e, por isso, é tão interesse o contraponto com a Brasília que surge dos arredores. É um plano quase que matemático, mas que se mistura com o que desponta nas bordas.

Como surgiu a ideia de representar Brasília em sua ficção?
Na época em que comecei a escrever ficção achava que a literatura precisava se renovar. Nos anos de chumbo do regime militar, havia uma literatura da urgência, que, muitas vezes, substituía os jornais censurados. Na redemocratização, eu tinha de partir para algo que não sabia qual seria o destino, não sabia onde daria. Situar a minha ficção em Brasília me daria mais liberdade para experimentar. Se eu a situasse no Nordeste, haveria o risco de me encaixar em uma tradição literária muito forte, que admiro. Fui leitor de Graciliano Ramos muito jovem. Poderia também situar no Rio ou em São Paulo. Mas eu precisava escapar dessas armadilhas. Brasília, obviamente, já tinha alguma produção, mas era uma cidade nova.

O que move a sua ficção?
Não é só teatro ou o espaço, mas principalmente os personagens. Brasília tem esse lado simbólico, no entanto, ao mesmo tempo, é uma cidade como outra qualquer. O interessante de Brasília é que ela é singular como nenhuma outra e semelhante a qualquer outra. Traz em si os dramas humanos, amores e alegrias comuns a qualquer outra cidade. Eu diria que o mais importante é a construção dos personagens, suas emoções, seus conflitos. Independentemente de onde se situam, o importante é criar histórias que coloquem as pessoas em confronto umas com as outras. Neste sentido, não existe uma literatura de Brasília, de São Paulo ou do Rio de Janeiro. É possível haver literaturas semelhantes em Brasília e em Nova York.

E, neste contexto, como situar Enigmas da primavera?
O livro começou sendo construído em torno de um personagem jovem de 20 anos, um pouco perdido em um mundo de incertezas, ligado às redes sociais. Vem de uma família disfuncional. É uma pessoa antissocial, mas, curiosamente, muito ligado nas redes, sempre com um iphone ou Ipad. Foi criado por um avô paterno, em Brasília. O pai morreu por overdose. O avô é ateu, engajado na luta contra a ditadura. O avô foi jornalista, cobriu a guerra do Líbano e, naquela altura, conheceu a avó dele, libanesa e muçulmana. Há um momento em que se sente muito incomodado com a passividade dos jovens e com a própria passividade. Tem nostalgia de um tempo que não viveu. A avó tem visão das revoltas de maio de 1968. Além do mais, não consegue se engajar em nada que seja importante. Uma parte da trama é amorosa, baseada em uma lenda árabe, que eu recrio livremente, para inventar uma história de amor impossível entre ele e uma mulher casada mais velha em Brasília. O jovem é acusado de assassinar o marido.

Mas a trama tem uma dimensão transnacional, pois de Brasília se desloca para a Espanha e para o Islã...
A história do jovem permite trazer para o livro essas questões e resgar uma história da Espanha, centrada na ocupação da península ibérica, feita pelos árabes. O jovem sai do Brasil com destino a Espanha, com duas amigas, uma delas muito católica, para participar em Madrid da Jornada da Juventude. Porque a Espanha acrescenta algo ao romance. Mas ele está sobretudo interessado em outras coisas. Ocorrem as manifestações dos indignados. E, neste período que o romance vai cobrir, explodem rebeliões na Espanha, no Chile e na Turquia. É tempo das primaveras árabes. Apesar de ser criado sem religião, quer ter alguma experiência religiosa e se interessa muito pelo Islã. Quer pesquisar a tradição da tolerância no século 8. Uma das preocupações principais deveríamos ter é com o surgimento de uma ideologia totalitária dentro dos grupos do Islã. O nazismo no século 20 não é algo que interessa apenas à Alemanha; essa ideologia totalitária deve interessar ao mundo todo.

Qual a conexão com as ideologias dos movimentos radicais fundamentados na cultura islâmica?
Os movimentos radicais fazem uma leitura equivocada dos livros do Islã, fora da tradição, como se estivesse voltando às raízes. Só poderá ser vencido quando no âmbito do próprio Islã ele perca a força de ideologia. Não será no plano das armas ou da política. O que não é impossível, pois essa interpretação conflita com a tradição de tolerância do Islã e com a leitura do Corão. O Corão se referem quatro vezes a Jirah. E nenhuma das vezes está associada à guerra santa, mas sim à luta espiritual.

A matéria completa está disponível aqui para assinantes. Para assinar, clique aqui

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação