Diversão e Arte

João Almino fala ao Correio sobre ABL e a literatura brasiliense

Potiguar radicado em Brasília, o escritor foi eleito para a Academia Brasileira de Letras (ABL) por unanimidade. O autor tem seis romances que se passam na capital

Nahima Maciel
postado em 26/03/2017 07:00

João Almino, escritor e novo membro da Academia Brasileira de Letras

João Almino nasceu em Mossoró (Rio Grande do Norte) há 67 anos, mas aceita de bom grado a definição de escritor brasiliense. Afinal, já passou tantos anos em Brasília quanto na cidade natal e foi no planalto central que nasceram seus romances ; seis no total, todos situados na capital. Em 2003, ganhou o prêmio Casa de las Américas por As cinco estações do amor e em 2011 ficou com o 7; Prêmio Passo Fundo Zaffari & Bourbon por Cidade livre, uma história que se passa no cerrado antes mesmo da existência de Brasília. Agora, Almino chegou à Academia Brasileira de Letras (ABL). Foi eleito este mês para a cadeira 22, que pertencia a Ivo Pitanguy. A votação foi considerada unânime, com 30 dos 33 votos dos membros da academia e aconteceu alguns meses depois de o poeta Antônio Cícero não ter obtido votos suficientes para integrar a casa. Diplomata, formado em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB) e ex-aluno do filósofo francês Claude Leffort, com quem trabalhou, Almino, atualmente diretor da Agência Brasileira de Coperação (ABC), também é autor de livros de filosofia, política e sociologia ; escreveu, a pedido do editor Caio Graco Prado, o livro Era uma vez uma constituinte, publicado em 1985 ; e deu aulas de literatura brasileira e latino-americana nas universidades de Stanford e Berkeley, nos Estados Unidos. Abaixo, ele fala sobre a ABL e sobre a literatura brasileira e brasiliense, impossíveis de classificar mas fáceis de reconhecer.


Em novembro de 2016, após quatro escrutínios, os membros da ABL não chegaram a eleger ninguém para as duas cadeiras vagas. Sua eleição foi unânime. Foi uma surpresa?
É necessário que apresente a candidatura, então não é uma surpresa que alguém seja candidato. Foi a primeira vez que, formalmente, apresentei. Agora, é importante para quem apresenta saber se, de fato, é um bom momento para apresentar a candidatura. E senti que era um bom momento a partir da sinalização de alguns acadêmicos. Mas você nunca sabe. Há um ditado entre os acadêmicos de que as eleições são como nuvens que passam, um dia está de um jeito, no outro está de outro jeito.

Era uma coisa que você queria há muito tempo?
E pensei na academia há algum tempo, por volta de 2013, e agora achei que havia uma oportunidade. Para mim, não muda do ponto de vista do meu trabalho, mas não deixa de ser um estímulo e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade adicional em relação ao meu próprio trabalho e a uma instituição que, este ano, completa 120 anos. É uma instituição que tem uma longa história e um papel importante a desempenhar.

Como é a questão do lobby para a eleição? Ele funciona? Os candidatos fazem?
Não se deve fazer lobbies fora da academia. É um grupo muito pequeno e pouco sensível a pressões que vêm de fora, não adianta fazer uma campanha fora. Por isso não dei entrevistas entre o lançamento da candidatura e a eleição. Para mim, foi muito importante que não tenha havido oposição. As razões são as das circunstâncias. Havia seis candidatos, mas tive um apoio grande ali dentro. Havia outro candidato forte (Antonio C;cero, que perdeu para o historiador Arno Wehling), mas, como havia duas vagas, ele preferiu concorrer à outra vaga.

Qual o papel da ABL hoje na cultura brasileira?
Ela tem a vantagem de ser uma instituição completamente independente, por essa razão passa por governos sendo intocada e se mantém sozinha. É uma vantagem grande que dá muita liberdade para a instituição. Por outro lado, ela também não impõe nenhuma linha estética e política. E isso faz que, ao longo da história, tenha sido uma instituição muito diversificada, com tendências muito distintas dentro dela mesma. Quanto à contribuição para a cultura brasileira, depende de seus próprios membros. Cada um, com seu peso próprio, estará dando sua contribuição e a academia é um canal adicional para isso. Os acadêmicos se reúnem com frequência, as atas recolhem discussões internas ao longo de décadas, existem ciclos de conferência com um público fiel, organizados pelos próprios acadêmicos, com eles e convidados. Há um trabalho na área editorial e também de arquivo que é muito importante, porque a academia tem arquivos históricos que são de grande utilidade para historiadores da cultura e da literatura brasileiras.

As instituições brasileiras, especialmente na área da cultura e da política, andam fracas?
Não tenho certeza se as instituições estão mais fracas do que estavam no passado. O país passa por uma crise, como outras que tivemos no passado, e as instituições também passam pelas crises. Na medida em que sobrevivem às crises, elas mostram que têm um papel a cumprir. Claro, nas crises não há consenso do que devem ser e até do que essas instituições representam. Mas acho que a gente tem que ver os testes da própria história. Houve momentos de rupturas institucionais do país, mas também tivemos a oportunidade de reconstituir instituições e reconsolidá-las e aprimorá-las. O mais importante é pensar como as instituições devem ser fortalecidas e aprimoradas em cada momento.

E na cultura?
Na cultura também. Não sei bem como pensar a questão de instituições que pensem a cultura de maneira homogênea porque é uma área em que, de um lado, se pode criar consensos mais facilmente do que na área da política estritamente falando, em que há partidos que devem se opor uns aos outros. Mas, por outro lado, a cultura deve ser aberta para refletir o país em suas diversas necessidades. Eu diria que nem é recomendável pensar instituições na área da cultura que sejam representativas de um todo ou de uma homogeneidade cultural.

João Almino

O Brasil acabou de passar por um momento em que sua maior instituição cultural, o Ministério da Cultura, foi extinta. O que isso diz sobre o país?
Acho que isso não significa enfraquecimento da cultura do país. Outros países passaram por processos semelhantes sem que suas instituições culturais enfraquecessem. Há países que nem têm (ministério). Os Estados Unidos não têm um ministério da cultura. E talvez seja o país do mundo com maior expressão cultural. A Espanha teve um ministério da cultura que depois virou uma secretaria. Nem por isso se pode dizer que a expressão cultural espanhola enfraqueceu por essa razão. No campo da cultura, o mais importante mesmo é a própria produção cultural nas suas mais diversas expressões.

Mas você citou exemplos de países realmente alfabetizados, com um bom nível de educação, sem analfabetismo funcional e com muito mais acesso às expressões culturais...
Nossos desafios na área de educação são imensos. Mas expressão cultural pode haver mesmo entre analfabetos.

Quando Trump foi eleito, muitas personalidades da classe artística americana encararam o descontentamento em relação à política como sinal de um futuro intelectualmente produtivo para a cultura. Acha que isso é possível no Brasil?
A cultura sempre dá respostas a expressões do momento e ela vive, na verdade, de resistência. A ficção mesmo é uma expressão de um descontentamento com a realidade. As crises alimentam, de maneira geral, a arte, a cultura.

No caso da literatura você acha que essa resposta, no Brasil, é rápida?
No meu caso, minha literatura não dialoga de maneira tão clara com tendências políticas do momento. Acho que a boa literatura tem que ter uma visão e uma perspectiva muito ampla do que é o país. E, desse ponto de vista, ela não deve ser uma literatura panfletária. Por outro lado, do ponto de vista de opiniões, eu pelo menos procuro ter mais cuidado.

A tua literatura não reflete tendência política, mas reflete um país e um momento do país;
Acho que a literatura deve refletir, sobretudo, as emoções dos personagens e abrir o leque ao momento presente quando é o presente que está sendo tratado. O escritor tem uma responsabilidade com a própria escrita e a própria linguagem para que aquilo possa ser lido com o tempo, para que não fique datado. Não que eu ache ser menos importante usar outros registros, mas eu, pessoalmente, acho, e já fiz isso, que quando há uma opinião a ser dada é melhor que seja dada de outra forma. Às vezes, um artigo de jornal é muito mais eficaz. Não é esse o papel da ficção, segundo o que penso. Assim como a ficção não deve servir ao propósito de demonstrar uma tese.

E como organizar isso? Como estar ciente disso enquanto autor?
Quando você está escrevendo ficção é porque você já esgotou aqueles outros campos em que tinha clareza absoluta de tudo. Você vai para o campo da ficção quando o que você está retratando é mais complexo. Tem a ver com natureza humana, os conflitos entre pessoas, as situações em que elas estão. E o que você está querendo não é provar nada nem fazer com que o leitor passe a concordar com você. O que você está querendo é que ele se aproxime mais de uma reflexão própria, que ele possa se engajar mais sobre as questões, que possa ter uma familiaridade maior com a complexidade das questões. Acho que esse é um pouco o papel da ficção. E como escritor, eu pessoalmente prefiro ter um cuidado de me situar nesse campo mais geral e assim dou uma atenção muito grande à linguagem. A linguagem pode ser inovadora, revolucionária, pode levantar questões profundas que permanecem e podem ser entendidas tanto pelo leitor contemporâneo quanto pelo que venha depois.

Voltando à realidade brasileira, isso pode ser um pouco frustrante num país onde se lê quatro livros, no máximo, por ano?
Claro que, quando você escreve, você tem a expectativa de ser lido. Mas confesso que, no momento mesmo de escrever, o mais importante para mim é exprimir algo que preciso exprimir e que julgo ser absolutamente necessário. Claro que, se ao fazer isso, souber que não serei lido por ninguém é muito frustrante. Mas, se eu acho que aquilo vai ter algum eco, fico sempre com esperança de que o texto fique por algum tempo, pelo menos. Não tenho a ilusão de que possa ficar para sempre. A palavra escrita tem essa capacidade de dialogar ao longo de um tempo que não se esgota, de dialogar, às vezes, com gerações diferentes.

Você acha que teus romances podem dialogar com as futuras gerações brasilienses?
Cada um dos livros pode ser lido de maneira completamente independente. Eu espero que eles tenham essa ideia de dialogar sempre. O mais antigo, Ideias para onde passar o fim do mundo, está completando 30 anos. às vezes me pergunto se ele tem capacidade ainda de dialogar. Quando escrevia, achava que sim, mas fico sempre curioso.

Dos anos 1990 para cá, houve uma mudança muito grande na produção literária de Brasília, a qualidade melhorou muito, tanto do conteúdo quanto da apresentação. Você nota isso? A literatura brasiliense amadureceu?
Brasília é, das cidades brasileiras, a que tem maior índice de leitura. Na tradição brasileira, nossos centros políticos se tornaram centros culturais. E seria inevitável que em torno desses centros se desenvolvesse também um centro cultural. A cidade começou estritamente como centro administrativo, mas com o tempo foi sendo um centro comercial e cultural. A literatura tem um tempo mais lento, ela exige mais. Acho que isso explica o fato de que tenha chegado um pouco mais tarde. Mas concordo, cada vez mais a cidade vai ser um centro importante desse ponto de vista.

Você se considera um escritor brasiliense?
Sempre digo que hoje em dia já existe uma geração de pessoas que nasceram e se criaram aqui e eles, com mais razão, são os escritores brasilienses. Mas, ao longo do tempo, isso foi dito várias vezes: ;João Almino, escritor brasiliense;. E eu publiquei vários romances cujas histórias se passam em Brasília, morei em Brasília durante um período de tempo que hoje é igual ao período de tempo em que morei na cidade onde nasci então aceito de muito bom grado quando dizem que sou escritor brasiliense porque tenho uma ligação muito forte com a cidade.

Você acha que a literatura brasileira tem uma cara?
Acho que não, hoje em dia. Eu gosto de pensar que a literatura cria afinidades que não são necessariamente nacionais, que existem afinidades estéticas, de sensibilidades que ultrapassam as fronteiras nacionais. Agora, houve momentos em que houve uma cara da literatura latino-americana e da literatura brasileira. Pode ser dito que a literatura brasileira, no período da ditadura militar, teve uma cara porque teve que ser feita como uma literatura de denúncia. Em alguns casos, mais explícitos, em outros nem tanto.Quando se inicia o período de democratização, a partir, sobretudo, de 1985, a literatura precisa trabalhar muito através de sua forma e passa a se diversificar mais. Hoje não se pode dizer que existe uma cara.

Mas há tendências?
Tem várias tendências. Há autores que têm uma grande preocupação com a construção do livro, que trabalham com uma tradição literária que ao mesmo tempo vai às origens do romance ocidental mas atualizando isso com a forma, trabalhando muito a construção, a arquitetura do livro, os personagens e com uma preocupação formal. Há autores que fazem autoficção e isso pode ser feito com grande propriedade literária e, em outros casos, pode ser feito sem qualidade. O grande erro é achar que aquilo que, para você, é fundamental, aquilo que você viveu de maneira profunda, vai ser sentido da mesma forma pelo outro. Isso não acontece necessariamente. E o contrário pode ser verdadeiro.

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