Há um sobrenome que soa familiar para quem acompanha a música brasileira nas últimas duas décadas. Em 1997, Marcelo Camelo formava a banda carioca Los Hermanos. Ao longo desses 20 anos, mudou de vez a cena roqueira nacional, saiu em carreira solo, migrou para a MPB e viajou pela surf music com a Banda do Mar. Longe dos holofotes, o músico carioca escolheu manter uma vida serena em Portugal. Mas não deixou de lado a cena musical. Uma prova? Com intervalo de menos de um mês, chegaram ao mercado dois projetos com assinatura do artista.
O primeiro deles atende como Acalanto, um experimento multiartístico que pode ser definido como um álbum de família exposto ao público. O ponto central são as pinturas Na;f e poemas de Ana Camelo, mão do cantor. O tio, Luís Otávio, quem o ensinou a tocar acordes de violão, escolheu 12 desses escritos para musicar e cantar em ritmo de samba, de bossa e de baião, em um disco que vem como encarte. Marcelo dá uma canja em A noite. A mulher, Mallu Magalhães, vem serena em Atrante. Casada com Luís Otávio, a tia Thaís Howart interpreta Lamento. O prefácio, por sua vez, é de autoria de Thiago Camelo, irmão e talentoso escritor.
Finalizado em 2015, quando Ana Camelo completou 15 anos de carreira, Acalanto revela ao público uma troca de afetos entre uma família que, dotada de inúmeros talentos, se mostra igual a todas as outras. Apesar das distâncias, falam-se todos os dias. No almoço de domingo, reclamam do trânsito e do clima. ;E até do atendimento do moço da padaria;, brinca Ana Camelo.
Acalanto só torna público o que é comum na esfera particular dos Camelo. ;Queria fechar esse ciclo de carreira. Tudo registrado para os meus netos, para que eles vejam, lá para frente, quem foi a avó deles. E também para meus filhos. Gostaria que eles soubesse quem sou, o que penso;, conta. ;Não tenho expectativa nenhuma que esse livro me dê algum retorno financeiro, apenas, e unicamente, que me permita continuar sonhando. É o retorno que eu espero ter;, explica.
Geração
Mãe e avô do tipo coruja, Ana não se incomoda em ter emprestado o sobrenome a um dos mais importantes músicos dessa geração. ;Sempre tentei ter discrição, porque acho que o lugar dele é dele. É uma profissão que traz bastante exposição, mas o palco é o ofício. A mãe de um médico, por exemplo, não entra no consultório dizendo ;vim assistir a consulta do meu filho;. Além da grande admiração que sinto por ele, como artista, tenho orgulho do filho lindo que é. Vejo esse sucesso com imenso amor, mas o respeito;, conta.
No entanto, não se iluda com o perfil quieto. Matemática de formação, Ana Camelo pode até ser discreta, mas não faz a linha bela, recatada e do lar. Durante anos, trabalhou como diretora financeira de grandes empresas. Só aos 50 anos resolveu levar o hobby a sério. A partir daí, fez exposições no Museu Nacional de Belas Artes e no Museu de Arte Na;f, ambos no Rio de Janeiro, cidade onde vive.
Laços de família
Assim como a Ana, Marcelo Camelo se arrisca com os pincéis. Uma influência da mãe? Ela acredita que não. ;Acho que veio mais por parte da Mallu, que pinta lindamente. Ele tem um lance com fotografia bem legal. Aliás, Marcelo tem um olhar muito poético, algo que pode abraçar vários campos da arte. Pode ser que ele tenha visto pincéis, telas e tintas pela casa. Até estive com ele uma vez e dei algumas dicas enquanto pintava, no máximo isso;, diz, modesta, a mãe.
Ana Camelo não esquece do caçula e acredita que, dada a proximidade entre eles, todos se complementam. ;Thiago fez cinco músicas para o disco do cantor Momo. Você diria que o Marcelo o influenciou? De certa forma, sim. E ele influenciou o Marcelo a fazer letras mais bonitas? Também. Nas nossas conversas trocamos impressões sobre tudo. O ambiente que você vive acaba te moldando;, encerra.
Conexão lusitana
O projeto a qual Ana Camelo se refere é o disco Voá, o quinto do músico mineiro Momo (Marcelo Costa), radicado em Portugal. O álbum foi produzido por Marcelo Camelo e conta com letras de Thiago Camelo, como a de Esse mar, Meu menino e Pensando nele, escritas em parceria com Momo. O disco foi gravado em Lisboa e está sendo lançado pela Universal Music de Portugal.
Acalanto
Independente, 12 faixas. Preço: R$ 60 (kit com CD e livro)
Voá
Universal Music Portugal, 10 faixas. Preço: R$ 29,90