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Em alta, diretor de 'Fragmentado' revela bastidores do filme ao Correio

Cineasta conversou com o Correio sobre sobre a fama de visionário e revela detalhes sobre a continuação de 'Fragmentado', um estrondoso sucesso de bilheteria

Ricardo Daehn - Enviado especial
postado em 29/03/2017 06:00

M. Night Shyamalan, diretor do filme 'Fragmentado'

À frente do sucesso internacional Fragmentado, o diretor M. Night Shyamalan não transparece falsa modéstna. Sabe, por exemplo, que, em filmes como este, estrelado por James McAvoy, ou mesmo no estrondoso O sexto sentido, destilou vanguarda. ;Criei as situações de Fragmentado há tanto tempo, a ponto de saber precisar tudo desde a origem da ideia. Mesmo a trama, com três garotas, abduzidas e jogadas à sorte, era vista como ousada, há 17 anos. Era renovador apostar neste conceito;, sublinha.

[SAIBAMAIS]
Além de agente de inovação, Shyamalan confirma ao Correio a fama de visionário e incansável. O primeiro corte de Fragmentado havia rendido três horas. Mas ele ainda não se mostrava satisfeito e adianta que ; numa mescla entre Corpo fechado e Fragmentado ; terá o fechamento de trilogia. ;O último filme vai unir dois grupos de filmes. É muito diferente apostar em personagens que já conheço. É algo diferente;, observa.

A premissa de ter alguém com o transtorno dissociativo de personalidade como protagonista de Fragmentado é vista como o tchan! do filme. ;As garotas presas, de repente, percebem uma mulher, atrás da porta, no quarto em que estão jogadas, e projetam uma salvadora; quando, na verdade, ela não passa de uma das personalidades de Kevin (James McAvoy);, diverte-se. Na passagem pelo Brasil, com um público sempre fiel ao mestre contemporâneo, o diretor se derrete pelo talento de seu ator central, neste novo filme: ;Os deuses do cinema estavam vigilantes e deixaram que escalasse James McAvoy;. Leia, a seguir, as ideias pulsantes do inquieto cineasta, nascido na Índia e criado nos Estados Unidos.

Entrevista M. Night Shyamalan

É esperado que você reverta o enredo nos seus filmes, com grandes surpresas, ao final? Você acata isso?
Não concordo com este rótulo para o final do meu filme, no caso do Fragmentado. Não é uma coisa do tipo: ;Ah! A propósito, você estava assistindo a um filme completamente diferente do esperado, o tempo todo...;. Não é isso. Não me obrigo a ter grandes viradas de mesa neste filme. Recomendo, aliás, aos repórteres, no máximo, a ofertarem aos leitores apenas o indicativo da reviravolta, ao final do longa. Sem detalhar, por favor!

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Emplacar elementos sobrenaturais em Fragmentado foi custoso?
Percebo o relativo esforço das pessoas em entenderem o teor sobrenatural da última cena. Mas ele está presente, muito, muito perto do fim do filme, recolocando a fita noutro nível de gênero de cinema. Sem perceber o encaminhamento natural no roteiro de Fragmentado, você tenderia a dizer: ;Trocaram de gênero ; é um filme associado ao sobrenatural!”. Existe toda uma preparação para entrarmos na continuação, mesclada a outro filme meu (já em fase de pré-produção, e relacionado a Corpo fechado).

O fato de ter pais médicos modifica a sua visão, de modo geral, quando falamos da sua filmografia?
Sim: tenho tios, tias e pais médicos, na realidade. Sabe, sou um grande fã de Michael Crichton (reconhecido pelo uso de ficção médica e tecnologias, em filmes como Westworld, de 1973, e adaptado para as telas, com Jurassic Park e Esfera). Ele era um doutor que sabia contar histórias. De 10 elementos da literatura dele, nove se atinham à real possibilidade, mas, na décima parte, ele introduzia uma gigantesca mentira (risos). É quando ele coloca dinossauros habitando uma ilha (caso de Jurassic Park). Ele tirou proveito do suporte científico e revirou a lógica, deixando a gente naquele impasse, do tipo: ;;Mas, isso é possível?;. Minha família é assim: tenho uma tia psiquiatra, minha mulher é psicóloga... É inevitável que o que seja acadêmico me interesse. Se eu não fosse um realizador de filmes, talvez, me aprofundasse neste meio. Percebo excitação nos temas científicos.

Você cita, ocasionalmente, David Lynch. Ele é um modelo de inspiração?
Ele é um exemplo nisso de ;não se preocupar com a aceitação (risos);. Ele não se questiona, no esquema ;qual a bilheteria de Cidade dos sonhos fará?;. Lynch não está nem aí para isso. E os filmes se tornam clássicos, como Veludo azul (1986). Ele esteve à frente de todo mundo, empregando humor negro, te deixando transtornado. Adoro isso que é muito esquisito ; como espectador, estar assustado, mas rindo e se divertindo, ao mesmo tempo. Enquanto escrevia Fragmentado, estava com o blu-ray de Cidade dos sonhos em cima do computador, para ver se algo seria transmitido (por osmose) ; (risos).

Há cobrança exacerbada pelo novo, a cada filme seu. Há o peso nos questionamentos da linha ; ;Pô, cadê, seu novo filme, ele está à altura do hit Corpo fechado?;
Como eu mesmo escrevo meus roteiros, cuido ao máximo para me manter próximo de quem sou. Ninguém viu dois dos meus filmes iniciais, que eram filmes de família (Praying with anger e Olhos abertos). Na ascensão, houve estrondo com A vila, Corpo fechado e Sinais. De repente, me inclinei ; ao ter filhos ; para os longas destinados à família. Com quatro filmes, naquele período, me percebi mais sentimental e emotivo. Não posso mentir acerca de mim, sendo escritor. Naturalmente, com meus filhos já na idade da adolescência, é natural que as coisas se tornem mais obscuras. Com crianças em casa, você chega a chorar assistindo a comerciais enternecedores (risos). Com minhas filhas, eu cantava musiquinhas de princesas. Você quer contar histórias para aqueles que ama. É bom ter a qualidade de ser honesto consigo mesmo. O público não te abandona, quando você age assim. Mesmo que eles não queiram aquelas tramas exatamente, eles sentem a sinalização de integridade. É gratificante perceber a conexão real com o público.

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Você acompanha as críticas, os comentários sobre seus filmes?
Uma pessoa que seja artista não pode se deixar levar por estímulos, a ponto de olhar de modo estranho para si mesma. Aposto em mim como um ser humano normal, natural. Não corro atrás de ler a crítica da revista Time (risos). Vejo muitos dos textos com visões generalistas. Adoto a filosofia grega de Epiteto: ;O universo quer que você deposite energia naquelas coisas ao seu controle. Se você invadir a alçada do que seja do universo, ele vai retribuir, te esmagando;. Se você é um cantor, não busque se ajustar ao que se conecte com as pessoas. Aposte em você. Foi no que apostei, por exemplo, com Corpo fechado, há 17 anos. Quis, na época, fundir o cinema independente, a visão dada pelo segmento, mas, inserir este conceito em um filme de estrutura mainstream. Pouca gente entendeu aquilo. O universo dá voltas, e lá pelas tantas, ele te oferece a oportunidade de retrabalhar elementos. É o conselho que posso dar.

James McAvoy dá um show de interpretação no Fragmentado. Vocês chegaram a criar junto cada uma das 23 personalidades citadas na sinopse do filme?
Das 24 personalidades do protagonista de Fragmentado, eu desenvolvi as mostradas no filme, que são oito; mas tenho trabalhado em outras seis (para o futuro projeto). No filme, nos atínhamos ao roteiro. James nos apresentou os sotaques, os movimentos físicos. Ele é excepcional com o jogo de sotaques. Passei muito do tempo crendo que ele era britânico! E, de repente, me dizem que ele era escocês! (risos).

No filme Fragmentado, há porcentagem alta de pessoas más e tipos fanáticos que creem em um messias violento...
Por um segundo, achei que você estava descrevendo os Estados Unidos de hoje em dia (risos). Há um equilíbrio nas representações dos personagens. Mas, quando você escreve, não deve privilegiar situações, de modo consciente. Você não pode ficar: ;Será que estou relatando um A Bela e a Fera diferentão, moderno e obscuro?;. Você não pode saber de onde aquilo está vindo para a sua cabeça. Você se atém à escrita. O zênite até mesmo dos novos personagens que tenho escrito (para a continuação de Fragmentado), acredito, está atrelado a algo de vanguarda.

Você já frequentou terapia antes ou depois de lidar com um filme tão complexo?
Eu deveria ir, de verdade (risos). Como minha esposa é psicóloga, acho que estou imerso numa terapia constante e sistemática (risos). Na verdade, já fiz consulta de análise. Regularmente, escrevo um diário. Aponto falhas, motivos que levaram à dissolução de uma oportunidade de trabalho, acolho críticas, observo como me comporto como cúmplice para determinadas situações. Mantenho distância, quanto à vitimização de mim mesmo. Não curto. Creio muito nisso de que todo mundo é extremamente poderoso. Pesadelos nem tenho tantos, mas me pego muitas vezes ansioso. Não sei se tem a ver com o envelhecimento. Quando as coisas, por exemplo, estão dando muito certas, de pronto, espero pelo que virá de errado (risos). Quando as coisas vão mal, eu durmo muito bem, até por ver quanto é bom dormir (risos).

Fragmentado é realmente o mais complexo filme que produziu?
Foi um desafio equiparável apenas ao Corpo fechado. Com o orçamento limitado de Fragmentado, cada cena, a cada dia, parecia o clímax. Sempre me vinha a impressão de duelar com uma situação impossível. Foi tudo muito difícil e ambicioso: corria demais, e o filme exigia, dia a dia, uma icônica performance de James McAvoy. Filmar foi uma escalada intensa, como se a cada dia, tivesse que dispender a cartada final. Eu estava exausto. Foi difícil equilibrar suspense, humor, thriller e mistério. Adequar essa tonalidade me tomou muito tempo.

O repórter viajou a convite da Universal

;Adoto a filosofia grega de Epiteto: ;O universo quer que você deposite energia naquelas coisas ao seu controle. Se você invadir a alçada do que seja do universo, ele vai retribuir, te esmagando;. Se você é um cantor, não busque se ajustar ao que se conecte com as pessoas. Aposte em você;
M. Night Shyamalan. cineasta

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