Diversão e Arte

Duas exposições em cartaz na cidade têm surpresa e diálogo como norte

Surpresa e diálogo pontuam 'Mundez' e 'À vista - Paisagem em contorno' , no Museu Nacional e na Galeria Fayga Ostrower (Funarte)

Nahima Maciel
postado em 23/04/2017 06:01
Uma das obras expostas em  'Mundez'
Do diálogo poético e visual podem surgir nas mais diversas interações, algumas surpreendentes, outras inusitadas. Com potencial de causar surpresa, Mundez, em cartaz no Museu Nacional da República, reúne grafiteiros e clássicos da coleção do museu.
Os artistas de rua foram convidados a interagir com o acervo da instituição e produziram obras pintadas nas paredes da galeria principal. Na Funarte, a vez é das meninas. Nove artistas da cidade estão em À vista ; Paisagem em contorno, projeto com curadoria de Marília Panitz, que tem como proposta refletir sobre a ideia de paisagem.
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Diretor do Museu Nacional e curador de Mundez, Wagner Barja uniu dois projetos em um ao convidar os grafiteiros para realizar uma intervenção no local. A ideia inicial era que os artistas pintassem os grafites na área externa do prédio, mas barreiras de orçamento e patrocínio tornariam a empreitada muito cara.
O curador inverteu a lógica e resolveu levar os artistas para dentro das galerias. ;Eles visitaram o acervo e escolheram as obras. Aí, a gente montou esse diálogo. A gente foi orientando e eles foram se identificando;, explica Barja.

Nomes de peso do modernismo e do concretismo brasileiro integram o acervo do museu e era justamente esse time que Barja queria colocar em evidência.
Assim, obras de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Tarsila do Amaral, Cícero Dias, Volpi e Rubem Valentim, entre outros, aparecem ao lado de intervenções de nomes conhecidos no grafite da cidade, como Flávio Soneka, Guga Baygon, Daniel Toys, Brixx Furtado, João Sowtto, Rafael Odrus e Mikael Omik.
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;Eles pesquisaram os artistas com os quais estavam trabalhando e o resultado é além do que eu esperava. Vários conceitos atravessam a exposição: antropofagia, mestiçagem, construção histórica do Brasil;, avisa o curador.

A sofisticação é uma das marcas dos trabalhos dos grafiteiros. Sem perder a identidade, eles tratam da abordar questões ligadas à história da arte e da construção da identidade brasileira.
Intercaladas às obras estão frases de artistas e intelectuais brasileiros que ajudam a costurar o diálogo. Ariano Suassuna, Pagú, Tom Jobim, Mário de Andrade, Darcy Ribeiro, Hélio Oiticica e Milton Santos assinam as frases selecionadas pelo curador.

Paisagens

Exposição 'À vista - Paisagem em contorno'

Na Funarte, Bruna Neiva, Cecília Bona, Iris Helena, Karina Dias, Julia Milward, Luciana Paiva, Nina Orthof, Raquel Nava e Yana Tamayo criam paisagens inusitadas. À vista ; Paisagem em contorno reúne vídeos, objetos e instalações que propõem maneiras diferentes de apreciar e estar na paisagem.
Acostumadas a dialogar no grupo de pesquisa Vagamundo e no coletivo Nave, as artistas montaram juntas o projeto ao constatar o interesse em comum pelo olhar que busca a linha do horizonte.

As perspectivas são pessoais e subjetivas, mas a tensão exigida do olhar na busca da paisagem é a mesma. Para unir as reflexões, Marília Panitz buscou na história da arte a construção do conceito desse gênero presente na pintura há mais de cinco séculos.
;Comecei a trabalhar a partir da construção do conceito de paisagem ao longo da história e como isso se alarga de forma muito ampla no século 20, especialmente a partir da segunda metade do século. Para mim, era importante que houvesse essa ideia de paisagem que você claramente reconhece e a fragmentação daquela ideia original, quando a paisagem deixa de fazer fundo para os retratos, para as situações e passa a ser um gênero sozinho;, explica Marília.

Cada artista tem a sua concepção para o tema. Karina Dias subverte a ideia de horizontalidade: é vertical a maneira como apresenta suas paisagens.
Na leitura de Júlia Milward, nada de olhar para o infinito. Com fotografias de objetos encontrados nas ruas de metrópoles, ela puxa o olhar do espectador para o chão, enquanto Nina Orthof convida o visitante a mirar o céu.

No centro da galeria, a instalação de Cecília Bona exige olhares em todas as direções, um contraste com os bichos empalhados de Raquel Nava no fundo do espaço: eles atraem o olhar para perto e se abrem a uma investigação suscitada pela curiosidade.
São, como lembra Marília, um flerte com o surrealismo que acaba por intrigar e impor um contraste com o construtivismo das páginas de livro sobrepostas e emolduradas no trabalho de Luciana Paiva.

Há, ainda, as cartografias de Yana Tamayo e Íris Helena. A primeira, com fotografias, mapas impressos e serigrafias nas quais se apropria de dados do IBGE e imagens de cidades históricas.
Yana Tamayo
A segunda com uma série extremamente delicada de fachadas históricas impressas em cascas de pintura de parede. Para completar, a interação dos sons dos vídeos cria uma paisagem sonora inusitada graças ao barulho urbano do panorama da Karina, o tilintar das pedrinhas da Cecília Bona e o vaivém do mar da Nina Orthof.

Marília Panitz também foi buscar na psicanálise de Jacques Lacan elementos que ajudassem a pensar e a costurar a ideia de paisagem nas obras da exposição.
;Lacan fala de alguns trabalhos que dão campo para que o olhar se deposite neles e outros que sequestram o olhar;, diz a curadora. ;O que essas artistas fazem é tensionar essas duas ideias. Quando você trabalha com a ideia de paisagem nunca é o soco no estômago que muito da produção contemporânea é. A paisagem sempre tem algo desse espaço para depositar o olhar, mas, ao mesmo tempo, ela cria uma armadilha e sequestra.;

SERVIÇO


Mundez
Exposição que mistura o acervo com o trabalho dos grafiteiros Antônio Delei, Brixx Furtado, Flávio Soneka, Gilmar Gake, Gilmar Satão, Guga Baygon, João Sowtto, Michelle Cunha, Mikael Omik, Rafael Odrus, Tiago Botelho e Toys Daniel. Visitação até 4 de junho, de terça a domingo, das 9h às 18h30, no Museu Nacional da República (Conjunto Cultural da República).

À vista ; Paisagem em contorno
Mostra coletiva com as artistas visuais Bruna Neiva, Cecília Bona, Iris Helena, Karina Dias, Julia Milward, Luciana Paiva, Nina Orthof, Raquel Nava e Yana Tamayo. Curadoria: Marília Panitz. Visitação até 4 de junho, de terça a domingo, das 10h às 21h, na Galeria Fayga Ostrower (Complexo Cultural Funarte ; Eixo Monumental, Setor de Divulgação Cultural).

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