Diversão e Arte

Grande Othelo é tema de mostra que tem início hoje no Cine Cultura

O ator foi pioneiro na luta pelos direitos dos negros no cinema brasileiro

Ricardo Daehn
postado em 24/05/2017 07:30

Breno Lira Gomes, curador da mostra

;Grande Othelo foi o primeiro artista negro a entrar pela porta da frente do Cassino da Urca, em meados dos anos 1930. Não aceitava o fato de ter que entrar pela porta dos fundos, enquanto colegas o faziam pela porta da frente. Brigou para ter contrato e salário igual ao dos seus companheiros de cena que eram brancos. Fez tudo isso e muito mais, usando principalmente seu carisma. Ele sabia que exercia um poder de atração com o público;, observa o pesquisador de cinema Breno Lira Gomes, um dos curadores da mostra Grande Othelo ; O Maior Ator do Brasil. Os ingressos custam R$ 10.

A partir de hoje, em Brasília, e por 12 dias de programação, quase 30 filmes de Othelo serão apresentados nas salas do Cine Cultura (Liberty Mall). Chanchadas, dramas e documentários dão conta da trajetória do artista nascido em Uberlândia (MG), em 1915. A capital do país foi palco, ao menos, para dois momentos fundamentais na vida de Othelo. O longa Um candango na Belacap (1960) integra um dos títulos de primeira linha, numa carreira que ultrapassou 50 anos e acumulou mais de 100 filmes. Naquele filme de Roberto Farias, artistas interagem e se apaixonam na capital de JK, antes de montarem uma boate carioca sujeita à enorme golpe no enredo da comédia.

Morto aos 78 anos, a caminho de Nantes (França), onde seria homenageado, Grande Othelo sofreu infarto, no aeroporto Charles de Gaulle (Paris). O fato ocorreu dias depois de Othelo ter sido celebrado, como convidado de honra, na 26; edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Com os primeiros passos artísticos dados aos oito anos, numa improvisação circense em que interpretava a mulher de um palhaço, Grande Othelo teve como impulsionadora da carreira a cantora lírica Abigail Gonçalves, capaz de introduzi-lo no circuito teatral de Campinas, local em que fez sucesso com aparições no Teatro Ringue, antes de integrar a Companhia Negra de Revista.

Depois da estreia em cinema, com Noites cariocas (1935), o êxito profissional foi exponencial, em particular dada a parceria firmada com o comediante Oscarito. Em nove anos de dedicação exclusiva à companhia Atlântida, que ele ajudou a fundar, obteve êxitos com títulos como Não adianta chorar (1945) e Carnaval no fogo (de 1949, previsto para exibição amanhã, na mostra), de Watson Macedo, no qual um calculado assalto a turistas sai pela culatra, dada as confusões dos empregados de uma rede hoteleira. Também estapafúrdias foram as aventuras trazidas por ocupantes de um navio de luxo, entre os quais um príncipe, uma cantora e um espião, em Aviso aos navegantes (1950), estrelado ainda por Zezé Macedo, e na grade de atrações de amanhã, no Cine Cultura (às 14h30).

Em colaboração com renomados cineastas da estatura de Nelson Pereira dos Santos, Hector Babenco, Cacá Diegues e Julio Bressane, Grande Othelo fez história, encontrando a súmula da presença nas telas em Macunaíma (de Joaquim Pedro de Andrade). Carmen Miranda, Odete Lara e Dercy Gonçalves estão no rol de colegas de cena de Grande Othelo. Com entrada franca, apenas hoje, a mostra no Cine Cultura exibirá, às 14h, o curta Sebastião Prata ou, bem dizendo, Grande Othelo (1971), seguido do longa Samba em Berlim (1943), repleto de números musicais. Nem tudo é verdade (1985), Matar ou correr (1954) e Também somos irmãos (1949) são alguns dos filmes a serem mostrados na capital.

Grande Othelo em Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade: performance memorável

;Tive seis colaborações com Grande Othelo, no cinema, e só posso dizer que era um gênio, um gênio. Ele é o grande comediante e a afirmação do negro no cinema. Ele teve a liberdade de fazer uma grande caminhada e trazer afirmação;
Antonio Pitanga, ator e amigo de Grande Othelo



Duas perguntas / Breno Lira Gomes, curador


Muitas dificuldades em agrupar os filmes? Como o Brasil lida com a questão da memória?

Essa mostra surgiu em 2015 justamente para celebrar o centenário de nascimento de Grande Othelo. Tanto eu quanto João Monteiro, que divide a curadoria comigo e idealizou esta mostra, percebemos que Othelo estava um pouco esquecido. Foi difícil reunir os filmes na ocasião, pois justamente a produção da Atlântida estava impedida de ser exibida por uma questão judicial, que só foi resolvida no ano passado. Brasília irá conferir a mostra do jeito que concebemos, com uma gama de filmes que mostra toda a versatilidade de Othelo como ator. Do começo, em pequenas participações na Cinédia, passando pelo sucesso com a Atlântida e Herbert Richers. Além disso, registramos o encontro dele com turmas do Cinema Novo e do Cinema Marginal. Infelizmente, muitos filmes que gostaríamos de exibir não existem mais, estão perdidos, ou não possuem cópias digitais.

Quais eram as qualidades únicas de Grande Othelo?
Othelo era um ator fantástico. Apesar de marcado pelas comédias que fez na Atlântida e Herbert Richers, se destacou também em dramas como Amei um bicheiro, Também somos irmãos e Rio Zona Norte. A cena dele com Ângela Maria, neste último, é emocionante. Cria do teatro mambembe, sabia tirar de letra qualquer papel que lhe era oferecido. Não gostava muito de estudar o texto, de se preparar. Acredito que ia muito no instinto, por isso era um gênio. Como disse Orson Welles, ;foi o maior ator do Brasil;.

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