Diversão e Arte

Curta-metragens da cidade estão em mostra do CCBB

A mostra "Brasília em plano aberto" reúne quatro curtas brasilienses

Ricardo Daehn
postado em 05/07/2017 07:30
Cena do filme  Vestibular 70, de Vladimir Carvalho,  uma das atrações da mostra
Ao lado de fora da sala de cinema, acordes nordestinos misturados com música brasiliense, além de uma integração do público com a proposta das foodbikes, dispostas no Centro Cultural Banco do Brasil. Dentro do cinema, no local, a cada primeira quarta-feira do mês, a mostra Brasília em Plano Aberto pinçará quatro curtas-metragens da cidade para projeção, com entrada franca, a partir das 19h30. Com a exibição do filme Crônicas de uma cidade inventada (de Luísa Caetano), a diretora Dácia Ibiapina verá apresentado o filme dela batizado como Vladimir Carvalho, conterrâneo velho de guerra (2004). ;O Vladimir tem projeção nacional e construiu uma obra, que nem começou em Brasília, mas que traz uma enorme coerência estética e abraça um cinema político de traços sempre fortes. Ele se afirmou como um dos maiores documentaristas da geração dele, ao lado do Eduardo Coutinho;, observa Ibiapina.

Ainda na noite de hoje, o homenageado cineasta paraibano, que adotou a capital como morada em 1969, trará para a tela do CCBB o curta Vestibular 70, o primeiro filme dele rodado em Brasília. O curta, ainda hoje, instiga o espectador, destaca a professora Dácia Ibiapina, há 23 anos integrada à Universidade de Brasília, entidade em que se dedica à graduação de alunos, em aulas de direção e de encaminhamento de pré-projetos (o famoso TCC). ;Vestibular 70 traz o olhar de uma fase áurea, sempre conferida pela passagem do tempo. Mostra como começou a UnB, mostra o Minhocão ainda em construção, revela como as pessoas se vestiam e em que carros elas chegavam. Nasceu dali, uma das maiores universidades do país;, comenta Dácia Ibiapina.

Enquanto se mostra atenta aos ;processos diferenciados; para o atual ingresso nas universidades, Dácia aponta o permanente espírito de competição (reinante em Vestibular 70). Em termos de seleção, ela enfatiza os traços reinantes em parte da mostra Brasília em Plano Aberto. ;É possível identificar traços de humor, bem característicos, como nos filmes do Santiago Dellape; mas há dramas e acúmulo de experimentações em cinema. Acho ainda que uma das características do cinema da cidade é um aumento na expressão das mulheres, com representação de diretoras negras, por exemplo. Temos muito incremento nas questões de raça e de gênero;, comenta a professora.

Destacado na programação de hoje, com o curta O homem que não cabia em Brasília, o diretor Gustavo Menezes, às vésperas da formatura em audiovisual da UnB, é apontado pela curadoria como representante de cinema ousado feito na cidade. Aos 24 anos, Gustavo, que nasceu em Vitória da Conquista (Bahia), celebra o circuito recentemente percorrido pelo filme, exibido em Belém, Fortaleza e Curitiba. ;Editais surgem todos os dias, mas, se um filme não é exibido, seu esforço como realizador não valeu nada;, avalia. Gustavo, por sinal, não tem do que reclamar, já que o curta passou na cidade em eventos como o Jogo de Cena e em noite de celebração de talentos locais, no Sesc.

Interpretado por Wellington Abreu (de fitas de Adirley Queirós), O homem que não cabia em Brasília traz para o plano central o embate entre artifícios populares (na linguagem) e dia a dia modesto (uma realidade para o personagem). ;Aqui, temos um custo de vida altíssimo, e o filme mostra o convívio do protagonista com uma elite preconceituosa. Explorei a literatura de cordel e acho que tive inspiração no filme O homem que virou suco ; em torno de um homem humilde, mas que não perde a dignidade;, comenta o realizador.

Além do deboche característico do conterrâneo baiano, o diretor Edgar Navarro (de Eu me lembro), Gustavo Menezes detecta outra influência no cinema que faz: Vladimir Carvalho. ;Ele é um dos heróis do cinema; é um documentarista incrível, um dos mais importantes do Brasil. Teve perrengues como trabalhar com negativos de filmes vencidos, além de filmes censurados. Ele trouxe para nós filmes importantes como o Conterrâneos velhos de guerra (1990), rememorando uma história que eu nem conhecia: muitos nordestinos que construíram a capital tiveram mortes violentas, tendo sido massacrados;, sublinha.




Três perguntas / Wol Nunnes, curadora




No bloco de fitas apresentadas, você percebe uma real identidade para o cinema brasiliense? Há temas ou abordagens recorrentes?
Durante três anos, o Maurício Witczak e eu (curadores) realizamos, no Brasília Shopping, uma mostra semanal que valorizava produções da cidade. O atual projeto trará parte do acervo de quase 300 filmes locais mostrados naquele período. Nossa linha curatorial propõe o encontro de 12 cineastas veteranos com outros, de nova geração. Definimos temáticas específicas para os meses entre agosto e dezembro, que serão: ditaduras, inclusão, crianças, diversidade e consciência negra, além de destinos. Teremos bate-papo com os cineastas após a sessão e um espaço de convivência com foodbikes e DJ Criolina tocando trilhas de cinema que dialogam com os filmes de cada sessão.

Vocês, curadores, já montaram outras mostras com fitas locais. Que resposta obtiveram com a iniciativa?
Nossa proposta sempre foi a de ajudar na formação de plateia do cinema nacional, sobretudo na apreciação do curta, que tem espaço restrito. Tivemos excelentes respostas de cineastas e espectadores e é com alegria que retomamos nosso projeto, agora com fomento do FAC e parceria com o CCBB.

Qual tem sido o reflexo da produção de curtas locais?
O curta-metragem tem grande importância para os realizadores, porque é um espaço de experimentação e amadurecimento. Os cineastas locais têm alcançado grande êxito em festivais (até internacionais), que, além de render visibilidade, abrem portas para futuras produções de filmes. Percebemos que a maioria deles, no DF, acredita no poder de comunicação, estimulando críticas e reflexões.


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