Diversão e Arte

Livro de Pedro Almeida Vieira apresenta visão ácida do nascimento do Brasil

Assim se pariu o Brasil é relato bem-humorado do jornalista e engenheiro

postado em 08/07/2017 07:00


Pedro de Almeida não economiza veneno ao descrever as mazelas que perpassam a história brasileira

Com um texto ágil e divertido, elaborado em cima de um competente trabalho de pesquisa, o jornalista, economista e engenheiro português Pedro Almeida Vieira escreveu 25 ensaios sobre ;invasões, guerras, rebeliões e outras calamidades; ocorridas durante o nosso período colonial. Esses ensaios foram enfeixados em um livro intitulado Assim se pariu o Brasil, lançado no ano passado por uma editora brasileira, a Sextante.

O mais surpreendente nessa obra é, sem dúvida, a leveza, a graça e o humor ferino do texto de Almeida Vieira. Em se tratando de escritores portugueses, muitas vezes nos aproximamos ressabiados dos livros deles, temerosos de sermos soterrados e humilhados pelo pernosticismo ou pela sintaxe inextrincável. Há quem diga que obras de autores portugueses de história, para nós, brasileiros, sempre parecem textos escritos originalmente em russo e traduzidos para o português brasileiro por um húngaro ou um búlgaro.

Esse não é, de modo algum, o caso de Assim se pariu o Brasil.

Almeida Vieira vai aos principais tópicos na nossa história colonial ; a riqueza das Minas Gerais, a passagem dos holandeses por Bahia e Pernambuco, os onipresentes jesuítas, os bandeirantes violentos e gananciosos, os índios chegados a um bife de carne humana e os negros e suas rebeliões, mas enfrenta-os por ângulos novos, dando destaque a figuras e situações que surgem esmaecidas nos relatos oficiais e nos calhamaços acadêmicos. Vai aos detalhes. E nisso está o seu forte. Vai aos detalhes sórdidos, ridículos, hilariantes, dramáticos, vergonhosos ou inacreditáveis.

Comecemos então pelos próprios títulos dos ensaios, que já denunciam a irreverência corrosiva do autor: O donatário quis caçar e foi caçado; Sardinha no almoço sai caro; Os holandeses não sabem sambar; Um faroeste lusitano no Eldorado; Cloreto de ódio.

Para que se tenha uma ideia do livro vamos comentar aqui apenas dois capítulos, escolhidos ao acaso, porque não há variação de qualidade entre eles.

Corrida do ouro
Principio pelo texto em que Almeida Vieira trata dos problemas causados pela proibição, pela Corte de Lisboa, da exploração do sal no Brasil. Consumia-se por aqui o produto das salinas do vale do Sado, que vinha nos porões dos navios que regressavam ao Brasil, depois de terem levado açúcar à metrópole. Relata o autor: ;Desde o início da corrida do ouro, em poucos anos, um alqueire de sal subiu de 480 para 1.200 réis, enquanto a carne de porco salgada sofreu uma variação superior a 500 por cento. Na verdade, salgar um boi custava três vezes mais do que o próprio boi;.

O escritor português não economiza veneno ao descrever os perniciosos funcionários que Portugal enviava para a administração de suas colônias (africanas, americanas ou asiáticas), na maioria, se não na totalidade, negocistas e larápios. Eram sujeitos que se serviam dos cargos para robustecer as burras pessoais. Nada muito desconhecido entre nós. Aliás, nada tão atual.

Pois bem, assim Almeida Faria nos apresenta Jerônimo de Mendonça Furtado, governador de Pernambuco em meados dos 1600: ;Em pouco tempo, explodiram contra ele acusações de todas as formas: que interferira diretamente em assuntos judiciários por meio da nomeação de um amigo como ouvidor; que executara dívidas e sequestrara bens ilegalmente; que desviara uma parte do donativo de Dona Catarina de Bragança, rainha consorte da Inglaterra, destinado a ajudar Pernambuco; que surrupiara os tributos da região destinados ao pagamento das indenizações brasileiras aos holandeses, previstas no tratado de Haia; que traficara pau-brasil e escravos com seu irmão Luis, que, em 1670, se tornaria conde de Lavradio; que cunhara moeda falsa; e que permitira a entrada de franceses em negócios ilegais na capitania. Parece que ele apenas se dava bem com o vinho. Em meio a essas acusações, consta também que frequentemente ficava bêbado;.

Eis aqui, portanto, uma boa sugestão de leitura para que os acompanham com interesse a Operação Lava-jato. Entre a prisão de um ministro e a delação premiada de um grande empresário, o leitor brasileiro poderá relaxar com a leitura de outras falcatruas e patifarias (ingênuas se comparadas às de hoje) praticadas em terras tupiniquins, só que, felizmente, em séculos passados. O livro conta com dezenas de belas ilustrações feitas a nanquim (tinta da China, diriam os lusitanos) pelo artista Enio Squeff.

Assim se pariu o Brasil
De Pedro Almeida Vieira, 316 páginas, editora Sextante, 2016.




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