Diversão e Arte

Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown retomam os tribalistas

O projeto teve seu primeiro álbum lançado em abril de 2002 e volta a produzir depois de 15 anos

Irlam Rocha Lima
postado em 03/09/2017 07:32
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Marisa Monte, há algum tempo, era parceira de Arnaldo Antunes e Carlinhos Brown. Aí se juntaram para gravar Tribalistas, álbum lançado em abril de 2002 que, mesmo sem ser precedido por campanha promocional, obteve uma vendagem espetacular ; mais de três milhões de cópias comercializadas no Brasil, além de ter feito sucesso na França, Itália, Espanha, Portugal e Argentina.

Quinze anos depois, eles estão juntos novamente, num segundo momento desse projeto. O Tribalistas 2 de agora, segundo Marisa, Arnaldo e Brown, a exemplo do primeiro, não foi algo planejado. Eles o veem como um disco caseiro de três amigos. Gravado entre 20 de março e 2 de abril últimos, no Rio de Janeiro, o trio teve a companhia de músicos amigos ; Dadi Carvalho, Alê Siqueira e César Mendes ; e da mesma equipe técnica do trabalho anterior.

Predominantemente acústico, esse novo ;som tribalista;, ao mesmo tempo simples e bem elaborado, prima pela diversidade de estilos, ; marca registrada desse coletivo de artistas talentosíssimos, de formação diversa. Inicialmente foram liberadas quatro músicas na internet: Aliança, Fora da memória, Diáspora e Um só.
[SAIBAMAIS]

Ao Correio, Marisa disse: ;Esse disco nasceu naturalmente, não estávamos pensando nele, foi surgindo espontaneamente. Quando ficou pronto, percebemos que é um trabalho com três polos. Tem o lado mais amoroso, em canções como Aliança, que fala sobre ter um aliado, não necessariamente sobre um compromisso;. Ela vai além, ao focalizar o lado mais existencial do projeto. ;Em Ânima, por exemplo, cantamos ;Da onde eu vim, eu não trouxe mala, eu não trouxe nada. Não trouxe cor, eu não trouxe massa, só trouxe alma;;.

O destaque para terceiro polo fica por conta de acontecimentos do dia a dia dos brasileiros. ;Há composições (Diáspora, Trabalivre, Baião do mundo e Lutar e vencer) que naturalmente acabaram refletindo assuntos políticos. São como pequenas crônicas do nosso mundo de hoje;. Ela acrescenta: ;Falamos, por exemplo, da ocupação das escolas, que eu e Arnaldo participamos um pouco. Eu fui visitar uma delas no Rio e o Arnaldo, uma outra em São Paulo. Tivemos uma percepção igual, que essa geração é melhor que a nossa, com mais consciência política e capacidade de organização;, acrescenta.

Carminho, a fadista portuguesa, que faz sucesso no Brasil, havia gravado Chuva no mar, de Marisa e Arnaldo no CD Canto, de 2014. No Tribalistas 2, se juntou a eles e a Brown. Além de assinar parceria a oito mãos em Trabalivre, faz vocal com os amigos na delicada Os peixinhos, que fecha o repertório.

Quanto a uma turnê dos tribalistas, com base do álbum recém -lançado, ainda não tem nada definido. Por enquanto, o brasiliense poderá apreciar a voz belíssima de Marisa Monte, colocada a serviço dos sambas de compositores da Velha Guarda da Portela e de choro de Pixinguinha, no show que ela fará com Paulinho da Viola, no dia 20 de outubro, no auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães.


Tribalistas 2
CD de Marisa Monte, Arnaldo Antunes e Carlinho Brown, com 10 faixas, direção e produção de Leonardo Neto. Lançamento da gravadora Universal Music. Preço sugerido: R$ 37,90.
Crítica

Música em hibernação
Paulo Pestana, especial para o Correio
Não é à toa que o cometa Halley só passe pelas cercanias da Terra a cada 79 anos ou que um eclipse total do Sol possa ser visto somente a cada 100 anos. Há 15 anos, o primeiro disco dos chamados Tribalistas, então anunciado como evento único, fez furor; vendeu milhões de exemplares, marcou a época com belas canções e um sopro de novidade na música popular. É novo até hoje. Mas nem todo fenômeno se repete.

Se aquele disco dos Tribalistas era arrebatamento total, a sequela é bem mais comportada; vem com a sensação de que nada aconteceu nesta década e meia que separa os lançamentos e que é apenas uma continuação menos inspirada. Mesmo com boas canções, é como se o tempo tivesse parado, a tecnologia fosse a mesma e a música do mundo permanecesse intacta.

O ouvinte pode perguntar como é que três grandes artistas ; Marisa Monte, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes ;, que, individualmente, avançaram tanto neste período parecem ter hibernado quando voltam a trabalhar juntos. O talento envolvido na produção é suficiente para garantir qualidade, algumas boas canções, sacadas inteligentes; mas algum elo foi perdido durante a hibernação do trio.

É um disco solar, otimista, com canções quase sempre em tons maiores e acordes naturais e que nasceram durante as ;férias; das carreiras solo dos três artistas. É assim, mesmo nos temas mais urgentes e politicamente mais engajados ; uma novidade temática para o grupo. Diáspora ; citando Souzândrade e Castro Alves ; fala das migrações forçadas, Baião do mundo mostra preocupações ecológicas, Lutar e vencer é sobre as recentes ocupações nas escolas, Trabalivre propõe discutir a relação entre vida e opressão.

Boa surpresa é a presença de Carminho, cantora portuguesa que mais uma vez escapole do fado e é transformada quase numa quarta tribalista, já que não apenas canta, mas aparece como compositora em duas canções ; Peixinhos e Trabalivre. Mas é o samba-rock Feliz e saudável que mostra que o disco poderia ser bem melhor, não fosse tão descontraído.

A esta nova incursão tribalista talvez tenha faltado a faísca que deu origem ao disco original; a vontade de fazer algo novo deu lugar ao simples prazer de fazer música juntos mais uma vez. Desta vez a conjunção de estrelas produziu um espetáculo bonito, correto e eficiente, mas sem o fulgor de antes.

O disco pode até inovar na apresentação e marketing ; está sendo lançado em uma plataforma streaming que permite ao ouvinte ter acesso também a informações sobre a canção e a gravação ; mas não empolga no principal. Com tanta descontração, estratégia e comunhão, faltou fazer o que eles fazem de melhor: música.


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