Diversão e Arte

Livro do professor Alexandre Pilati defende o uso da poesia nas escolas

Em 'Poesia na sala de aula', Pilati discute aspectos teóricos e sugere uma série de atividades para os professores desenvolverem com os alunos

Severino Francisco
postado em 30/09/2017 07:00
A poesia pouco comparece às salas de aula e, quando chega até lá, é na condição de coadjuvante para ilustrar a gramática ou a história. Todavia, o êxtase que ela proporciona não pode ser sonegado às novas gerações. Só a escola permite o acesso a certos autores. A poesia pode estar em Carlos Drummond de Andrade, mas também em uma letra de Renato Russo ou em um rap de Gog, acredita o professor e poeta Alexandre Pilati. No entanto, o objetivo final é ampliar o repertório de linguagem e de humanidade.

Por isso, ele escreveu o livro Poesia na sala de aula. Pilati discute aspectos teóricos e sugere uma série de atividades para os professores desenvolverem com os alunos em sala de aula. Ele atribui grande importância à leitura coletiva e defende a preparação para fruir plenamente da poesia. Nesta entrevista, ele debate os entraves e as possibilidades da poesia na escola: ;A poesia é comunicação humanizada;

Qual a proposta deste livro?
Esse livro surge de duas necessidades: a primeira é discutir a especificidade da poesia em sala de aula que o professor e o mediador de leitura precisam considerar. É preciso reconhecer que, nos melhores casos, a literatura é tratada apenas como atividade de leitura. Como se ler um poema fosse igual a ler uma coluna de jornal. A ideia é discutir algumas chaves que poderiam levar ao debate sobre o texto literário.

O que é essencial para captar a singularidade literária do texto?
Há uma questão muito importante. Essa discussão vem de uma tradição no Brasil que tem em Antonio Candido uma referência fundamental, com dois textos: Estudo analítico do poema e Na sala de aula. Trata-se de ler a especificidade do texto, como algo relativamente autônomo da realidade, mas que pode conduzir a temas sociais. Todavia, a leitura do texto precede essa urgência de discutir temas. No caso do poema, a métrica, o ritmo, como constrói a linguagem literária. A atenção a esses aspectos pode tornar o leitor mais refinado para perceber essas coisas.

Qual seria a primeira providência a tomar?
A primeira providência em relação à educação brasileira é colocar a poesia na sala de aula. Um sintoma muito forte é que ela está fora. Quando aparece, ela é desculpa para outra coisa. Serve para ilustrar a gramática ou as aulas de história. Então, seria preciso dar à literatura o protagonismo em sala de aula. Não pode abandonar o menino para ler Machado de Assis. Cada livro tem o seu tempo e exige uma preparação. É preciso fruir a literatura de maneira conjunta, não existe leitura de textos nas escolas. É importante que exista uma leitura orientada e acompanhada.

É possível afirmar que a poesia é uma língua e exige que se domine os seus códigos como quem aprende o inglês ou o grego?
É uma boa metáfora. Claro que é uma língua diferente. Mas é uma linguagem que está tratada de uma maneira especial, que provoca a pensar na forma como está organizada. Ocorre com todas as matérias. Ensinar a física tem sua especificidade. Ao sonegar a poesia, você nega ao aluno o conhecimento de determinadas ferramentas que têm a ver com a estética. Você aprende a gostar da música clássica, da música popular ou da pintura moderna ou clássica. É uma tarefa que exige uma preparação grande.

O que a leitura partilhada em sala de aula proporciona em contraponto à leitura solitária?
Se você manda o aluno ler em casa, se furta da possibilidade do debate democrático. Aprende a lidar com a complexidade e multiplicidade dos sentidos.

Como envolver as novas gerações com a poesia? Não existe uma tendência a considerar a poesia algo chato?
Eu sou professor de literatura há muito tempo. Dei aula em vários níveis de ensino: do elementar ao superior. E posso dizer a partir da minha experiência que eles gostam muito de ler e de fazer poesia. É importante não apenas ler, mas também inventar, arranjar as palavras de modo diferente. Muitas vezes, eu dava aula sem um conjunto fechado de livros. Permitia que os alunos trouxessem textos com os quais tivessem afinidade. O texto não pode ser um estigma; é uma entrada para uma discussão.

Como romper com o preconceito das novas gerações com a poesia?
Acho que existe um preconceito contra uma certa institucionalização das coisas, que torna tudo um pouco velho. O importante é saber que poesia não é só Olavo Bilac, pode ser uma letra de rap. Na verdade, eles têm muito interesse. O que os alunos jovens não gostam é da maneira que a escola trata a poesia. Não pode entrar em sala de aula com a sensação de jogo perdido. Não pode parar nas coisas mais comuns, tem de testar a leitura, oferecer textos mais complexos. Geralmente, o jovem de periferia só lê coisas da periferia. Mas não faz mal nenhum ler Camões ou Machado de Assis.

Qual a postura do professor como mediador da poesia?
Penso que, em primeiro lugar, o contato com a poesia não deveria ficar restrito. A poesia está na letra de música, no pôr do sol, nos ipês de Brasília. Você pode transformar experiências estéticas em um poema. Tem o rock, o rap e a poesia impressos. Não vamos negar que, em determinado momento, é bom tocar o Renato Russo ou de outro compositor mais recente. Mas o objetivo é colocar em contato com uma tradição riquíssima que nós temos no modernismo: Carlos Drummond, João Cabral de Melo Neto, Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles, Adélia Prado. Para chegar lá, posso passar por vários textos. Drummond, Adélia Prado. E o objetivo é chegar lá, é entrar em contato com textos a que não teriam acesso se não fosse pela escola. O mercado e o shopping não vão oferecer essa opção. Não vai ler um poema de Jorge de Lima ou um texto de Clarice Lispector se o professor não apresentar. Esse direito não pode ser sequestrado, é algo que aumenta o repertório de linguagem e a experiência humana dele.

O que o êxtase da poesia proporciona?
A meu ver, são várias as funções. A primeira coisa genial é que não fecha uma função para a arte. Quando algo te toca intimamente, você vê a realidade de uma maneira diferente. O êxtase pode ser também aprendizado de uso da língua. A arte é uma experiência imprevisível em um mundo controlado. Você pode ser provocado, pode chorar ou rir. O poema é uma comunicação humanizada. Ela ilumina a experiência mais banal. Por isso, é importante a leitura coletiva, ela potencializa a interpretação.


Poesia na sala de aula

Poesia na sala de aula
De Alexandre Pilati /Ed. Pontes, 192 páginas.



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