Diversão e Arte

Mostra 'Som: a história que não vemos' chega ao CCBB

O festival transitará entre clássicos do cinema e produções recentes

Ricardo Daehn
postado em 02/11/2017 07:00
Cena do filme Apocalypse now: intensificação da experiência sonora a ponto de fazer surgir o posto de designer de som

Ao extrapolar o caráter de recurso técnico, reverberando ruído, diálogo ou música, o som empregado nas narrativas de cinema coroa a dramaticidade de todo e qualquer filme. Sob esse prisma, o curador Bernardo Adeodato (também editor e mixador de som) reforça o objetivo dele, com a seleção de filmes para a mostra Som: a história que não vemos, a partir desta quinta (2), no Centro Cultural Banco do Brasil. Até 19 de novembro, com entrada franca, a mostra transitará entre clássicos do cinema ; segmento com obras como O cantor de jazz (1927), o primeiro filme com áudio sincronizado à imagem (com exibição hoje, às 16h30) ; e produções recentes como O som ao redor (2012), de Kleber Mendonça Filho.

Obras sessentistas como 2001: Uma odisseia no espaço (1968), de Stanley Kubrick, e Era uma vez no oeste (1968), assinada por Sergio Leone, e entremeada por uma das trilhas sonoras mais marcantes de Ennio Morricone, ganharão projeção com títulos que investem nos bastidores da trajetória da evolução no cinema, como é o caso de Cantando na chuva (1952), de Gene Kelly e Stanley Donen, todo ele apoiado em música e no efeito da dublagem.

Sincronicidade, entre gags visuais e respaldo sonoro ; como visto em Playtime ; Tempo de diversão (1967), de Jacques Tati, em que um senhor cria embate com o meio por demais urbanizado ; são exploradas na mostra que reconstrói parte da história do cinema, com títulos como Fantasia (1940), uma produção de Walt Disney que se apropria de várias músicas clássicas, no desenvolvimento de oito blocos de animação pioneiros na reprodução de som por meio de multicanais.

Nesta quinta, às 18h30, a atração é o longa A conversação (1974), de Francis Ford Coppola, em que um perito em espionagem (Gene Hackman) teme pela vida das pessoas com as quais se envolve. Som e imagem, casados, dão o norte para a fita de suspense em muito dependente de Walter Murch, indicado pelo filme, ao Oscar de melhor som de 1975. Outra colaboração de Coppola e Murch, Apocaliyse now (1979), igualmente contemplada na mostra, intensificou a experiência sonora, a ponto de fazer surgir o posto de designer de som, o autor da concepção de som de uma obra do início ao fim. (RD)
QUATRO PERGUNTAS / BERNARDO ADEODATO, curador
Em que fase ou filmes, pontualmente, o cinema nacional obteve otimização do som?
O cinema nacional teve muitos problemas com o som no passado. Isso aconteceu muito pela falta de orçamento e estrutura, fazendo com que se criasse uma cultura de cinema no qual o som não era tão valorizado. Com um pouco mais de acesso à tecnologia, hoje em dia, existe maior possibilidade para os cineastas usarem o som para influenciar no ritmo das cenas, criar climas e, principalmente, interferir na narrativa do filme. O som ao redor é um deles que usa o som como elemento narrativo essencial, inclusive já destacando sua importância no título. Muito da questão social apresentada e o clima de tensão são atingidos através do som. Alguns outros cineastas, como Cao Guimarães, Marcelo Gomes e Eduardo Nunes usam o som como ferramenta essencial para construir seus filmes.

Qual a diferença entre mixagem, desenho e edição de som? É difícil lecionar a arte do som no segmento acadêmico?
A edição de som tem basicamente a função de escolher todos os sons que acompanham o filme (entre diálogo, efeitos sonoros e ambiências) e colocá-los em seu devido lugar. O mixador equilibra esses elementos com a música e cria dinâmica sonora para o filme (diferença entre sons altos e silêncios), agregando personalidade e ritmo à fita. O designer de som é o responsável por acompanhar todo o processo sonoro do filme da pré-produção (leitura do roteiro) até a mixagem final do filme. Ele cria com o diretor uma proposta sonora para o filme e garante um conceito. No segmento acadêmico ainda temos muito pouco espaço para o som. São poucas as aulas e não temos cursos específicos. Mas o que eu vejo como professor de design de som na Escola de Cinema Darcy Ribeiro é que a nova geração se interessa muito pela função do som.
Para cinema ainda vale a máxima de relevância para o visual?
Acho que esse primordial não existe. O trabalho cinematográfico é um conjunto entre som e imagem, eles trabalham juntos para a construção de uma narrativa. Para mim, não há um juízo de valor. Talvez o que aconteça é que o som trabalha de maneira mais subjetiva e não é tão percebido como a imagem, mas pode ter certeza de que ele está sempre influenciando um filme.

A trilha sonora foi determinante nas escolhas dos títulos selecionados para a mostra?
Com certeza. Cada filme foi escolhido por um motivo relacionado ao som. Mas é importante lembrar que trilha sonora se refere a todo som do filme: diálogos, efeitos sonoros e música. Esse termo vem da trilha sonora que estava impressa na película. Aqui no Brasil ainda usamos muito esses termo pra música (nos Estados Unidos, a música original é referida como ;score; ).

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