Diversão e Arte

Grupos dão voz às lutas indígenas por meio do hip-hop

Artistas indígenas cantam a realidade em músicas em português e em suas línguas maternas

Lígia Vieira
postado em 06/12/2017 07:33

O grupo Brô Mcs surgiu há uma década na aldeia Jaguapirú, em Mato Grosso do Sul
A demarcação de territórios é uma luta antiga dos povos indígenas brasileiros. Há décadas, essa população tenta ser escutada e conquistar legalmente seus próprios espaços. Mais recentemente foi adicionada ao movimento, por alguns grupos, uma nova forma para resistir e defender seus direitos ; o rap, gênero musical que, desde a origem, utiliza-se de letras que denunciam a realidade de inúmeras comunidades, principalmente questões relacionadas à desigualdade e violência. No caso indígena, fazem rimas não só em português mas, também, nas línguas maternas, como o guarani.

O mais antigo grupo de rap indígena do país, Brô MCs, surgiu há 10 anos na aldeia Jaguapirú, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Os integrantes conheceram o rap por meio do rádio, ouvindo um programa que apresenta cantores e grupos brasileiros desse gênero musical. Bruno Veron, um dos integrantes do Brô, explica que identificava ;nas ideias que os caras do rap mandavam das quebradas deles uma realidade semelhante ao dia a dia da minha aldeia;. A partir desse momento, então, tomou uma decisão. ;Eu disse pra mim mesmo: vou fazer isso! Vou cantar rap e representar meu povo;, conta.

[VIDEO2]

Atualmente, o grupo conta com sete integrantes: além de Veron, Kelvin Peixoto, Clemerson Batista e Charlie Peixoto, como MCs; Dani Muniz, no backing-vocal; e, na produção e apoio, Higor Lobo. Eles veem o rap como parte importante da vida. ;O rap nos leva a lugares que antes a gente não poderia chegar. Por meio do gênero musical, rompemos a barreira do preconceito e começamos a mostrar para os não-indígenas que índio não é só aquele de tanguinha que vive na Amazônia que o livro didático mostra;, explica Veron.

Nessa primeira década de atuação, o Brô MCs conseguiu influenciar outros a fazerem rap e a lutarem pelas causas indígenas. Um dos nomes do movimento ; Kunumí MC ; é um jovem de 16 anos, da aldeia Krukutu, em São Paulo. O adolescente enxerga o rap como uma ;cultura da defesa; e começou a fazer rimas quando percebeu que a poesia, pela qual sempre se interessou, podia virar música. Nas letras que cria, inspiradas tanto pelo rap quanto pelos ritmos indígenas, tenta incluir sempre assuntos sobre os quais ;eu acho importante dar voz, principalmente, a questão da demarcação;.

[VIDEO1]

Há três anos, outro grupo ; Oz Guarani ; se integrou ao movimento do rap indígena. Vindos da aldeia Tekoa Pya, no Pico do Jaraguá, em São Paulo, não obtiveram no início o apoio da sua própria comunidade. Mas, atualmente, percebem que o trabalho desenvolvido por Vlad MC, Jeffinho e Mano Glowers está sendo reconhecido além da aldeia. ;Hoje, temos nossos parceiros de fora, e também lideranças que nos apoiam;, comenta Jeffinho.

Dificuldades


A maior dificuldade apontada pelos que fazem rap nas comunidades indígenas é o preconceito. Para Bruno Keron, ;muitos acham que o índio tem de viver isolado, não pode mostrar a cara;. Como contraponto, segundo ele, na canção Eju Orendive, o Brô MCs canta: ;Aldeia unida mostra a cara!”. Mas a discriminação não vem apenas de fora. É enfrentada dentro da própria sociedade indígena. Jeffinho, do grupo Oz Guarani, explica que, no início, a sua própria aldeia não aceitou a criação do grupo ;porque tinha medo de que a gente perdesse a nossa cultura;.

[VIDEO3]


Outro problema também compartilhado pelos grupos é a dificuldade de divulgação do trabalho musical dentro do território nacional. O rapper Kunumí MC, por exemplo, conta que deu muitas entrevistas a jornalistas e veículos de comunicação estrangeiros, mas, brasileiros, foram poucos. Na avaliação dele, ;a mídia brasileira não tem interesse em divulgar a questão indígena e as lutas dos povos indígenas e isso nos deixa muito angustiados;.

Divulgação

As músicas desses artistas podem ser facilmente encontradas na internet e nas redes sociais deles. Todos fazem vídeo-clipes das canções e mostram um pouco da realidade das aldeias, bem como tocam fora delas. Bruno Keron, do Brô MCs, relembra que o grupo tocou com o rapper brasiliense GOG no programa De Câmara ligada, da TV Câmara e ;foi massa demais!”. No início do mês passado, no Sesc Pompeia, em São Paulo, Kunumí teve o privilégio de se apresentar junto do Brô MCs, que tanto admira, em um show com tema ;Etnias em resistência;.

*Estagiária sob supervisão de Igor Silveira

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação