Diversão e Arte

Novo espetáculo com direção de Fernando Guimarães estreia na Mostra Dulcina

O diretor se inspira em cartunista que retrata a violência de décadas passadas para falar da turbulência atual

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 13/12/2017 07:31
Com muita ironia e humor delirante, o texto apresenta seres humanos em profundo desagrado com outros seres humanos
Reconhecidos pela trajetória concreta e repleta de sucessos, os Irmãos Guimarães se alternam entre o Rio de Janeiro e Brasília para dar vazão às criações atuais. Na mais recente delas feita em solo da capital, Apartamento 403, Fernando Guimarães se inspira no universo do cartunista Jules Feiffer para criar um rico mosaico de personagens à beira de um colapso permeado pela violência. Com um humor afiado e um texto irônico, ele dirige o espetáculo que satiriza a violência que se perpetua pelo tempo. A peça entra em cartaz na programação da 26; Mostra Dulcina de teatro.

Como justificar a violência a que somos diariamente submetidos? Os textos criados por Feiffer na década de 1970 mostram o caos urbano, atual naqueles dias e no tempo de agora. Fernando encantou-se pela sátira poderosa e a ironia fina que tratavam de dialogar sobre um tema tão delicado. ;Todo humor é basicamente uma ou outra espécie de atentado contra a lógica, mas a sátira se refere a estender logicamente uma premissa à sua conclusão totalmente insana, mas crítica do sistema que opera;, lembra Fernando.
[SAIBAMAIS]
O encanto deu lugar à criação, que resultou na dramaturgia do espetáculo atual, levando ao palco uma família comum em uma tarde qualquer, uma bala perdida e a neurose social que predomina com a necessidade de vigilância. ;O texto mostra uma situação dramática de um jeito debochado, eu gosto desse tipo de humor;, destaca o diretor.

Diversidade

No elenco, atores de 19 a 50 anos, provocados pelo diretor que acumula 20 anos como profissional, mais de 60 espetáculos e 30 exposições no currículo. Fernando frisa que, a cada nova montagem, realiza um estudo detalhado e pesquisas por diferentes caminhos. A preparação é constante e a rica trajetória não torna o trabalho mais fácil. ;Essa é uma peça como há muito tempo eu não dirigia. É um espetáculo mais tradicional, com história, começo, meio e fim. Eu começo todos os trabalhos com uma conversa entre os atores, para que cada um entenda profundamente o universo que está adentrando. Depois, fazemos um trabalho de mesa, que é fundamental;, afirma.

Para ele, os atores devem buscar o sentido do texto trabalhado, encontrando os pontos que o aproximam e o afastam da história como ator. No espetáculo, a combinação de neurose social, vigilância constante e paranoia abrem caminhos para crimes justificados, certezas inabaláveis e desastres morais ocultos em boas ações. ;A partir de um diálogo com o universo de Feiffer são abordadas as diversas situações a que somos submetidos: desamparo pelas instituições públicas, uma violência urbana banal e próxima, a corrupção em todas as esferas da sociedade;, afirma.

A peça marca ainda a volta de Yara de Cunto aos palcos do teatro, depois de anos dedicados ao trabalho do corpo. A artista está na base da formação da primeira geração de intérpretes-criadores de dança contemporânea no DF e abrilhanta o palco do Dulcina sob a direção de Fernando e na companhia de um forte time de intérpretes de diferentes idades e trajetórias.

O espetáculo cria um diálogo entre diferentes linguagens artísticas, unindo dramaturgia, filosofia e literatura, uma das características marcantes dos trabalhos do Coletivo Irmãos Guimarães. A dupla foi homenageada pelo conjunto da obra no Prêmio Sesc do Teatro Candango deste ano e pretende seguir com a criação teatral brasiliense que amplia seus horizontes além da capital e segue pelos quatro cantos do país. A premonição do cartunista sobre a violência urbana que tomaria a vida em sociedade parece ganhar corpo nos palcos e fora deles e assim, com humor, Guimarães demonstra a eficácia das artes cênicas em ser um espelho e o absurdo de seu próprio tempo.


Espetáculo Apartamento 403
Direção de Fernando Guimarães, de 13 a 19 de dezembro (ininterruptamente), no teatro Dulcina de Moraes, às 21h. A entrada é franca (mediante senha distribuída uma hora antes, no local) e a classificação indicativa é de 16 anos.

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