Diversão e Arte

Canibalismo e sexo livre dão coordenadas em títulos do Festival de Roterdã

Perversões, pedofilia e cinismo da elite brasileira são temas da vez, na avaliação do diretor Guto Parente, com dois filmes destacados pelo Festival de Roterdã

Ricardo Daehn
postado em 26/01/2018 11:41

O cineasta cearense Guto Parente está em alta na programação do Festival de Roterdã

Cada vez mais presente na vitrine de cinema internacional representada pelo Festival de Roterdã, o cinema brasileiro segue numa fase boa junto ao público holandês: Pela janela (de Caroline Leone), por exemplo, ano passado foi o vencedor de melhor filme, segundo a crítica do evento. Até 4 de fevereiro, 12 fitas ; com amplo destaque para o cinema do Nordeste ; serão mostradas na 47; edição do festival. Selecionado pela direção do longa O clube dos canibais (que estará na programação de amanhã, dia 27), o diretor cearense Guto Parente terá dupla exposição, a partir de hoje (sexta, 26/01): com Pedro Diógenes (codiretor), acompanhará a estreia mundial da fita Inferninho. Sexo, vícios e excentricidades calibram as duas produções. Confira, a seguir, as expectativas de Guto Parente.

O clube dos canibais deve causar polêmica, na primeira exibição mundial

TRÊS PERGUNTAS // Guto Parente, cineasta

Teu cinema choca, de algum modo? Como despertou o interesse do festival, com dois filmes?

Não acho que meu cinema choque. Até porque, diante de uma realidade tão absurda e chocante como a que estamos vivendo nesses tempos, para que um filme choque é preciso que ele seja mais realista que o real. E a violência realista não me interessa. Prefiro trabalhar no campo da fantasia, do delírio. Não saberia dizer exatamente o que no meu cinema interessa a Roterdã. Por ser um festival que se permite a ousadia, se permite fazer apostas em propostas estéticas que fogem do convencional, suponho que os meus filmes devam apontar pra esse lugar. Até as estreias, tudo é só suposição. Um filme só existe depois da sua primeira exibição.

O clube dos canibais pretende trazer crítica?

É um filme de terror e comédia que se propõe a gerar reflexões. Algo que é na verdade muito comum em inúmeras fitas de terror, nenhuma novidade. Basta olhar para os filmes do George Romero, por exemplo, ou, dando um exemplo mais recente, o Corra! do Jordan Peele. A novidade talvez esteja no fato de que em O clube dos Canibais eu retrato a elite cearense e jogos de poder muito nossos, dessa nossa estrutura social que é das mais desiguais e perversas. O cinismo da elite é um monstro assustador.

Inferninho: o retrato da diversidade pela noite é ameaçado, no longa de Guto

A aceitação de filmes com tema LGBTQ se modificou bastante, no Brasil?

A corda está tensionada. Com certeza existe um fortalecimento enorme do movimento LGBT e muito espaço foi ganho, tanto de representação, espaço, quanto de discussão e de direitos. Por outro lado, vemos essa reação conservadora extremista gritando alto, cheia de orgulha da própria ignorância e truculência. Mas hoje, apesar de todo o mal que essas pessoas e grupos são capazes de gerar, eu tendo a ser otimista e acreditar que o movimento LGBT vai continuar se tornando cada vez maior e mais forte. Eles têm a garganta pra gritar; nós o coração. Eu acho que os artistas estão entendendo a importância de se engajarem e puxarem a corda pro lado da liberdade. Não à toa o conservadorismo está mirando na gente agora, criando mobilizações demagógicas para censurar exposições e obras de arte. Desviando o foco dos problemas, criando falsas evidências, enquanto as sagradas instituições da família e da igreja seguem sendo as esferas onde mais se concentram casos de pedofilia.

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