Diversão e Arte

Cineasta Ziad Doueiri fala sobre o ódio que se dissemina atualmente

Ele é o primeiro libanês indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro

Ricardo Daehn
postado em 12/02/2018 07:30
Ziad Doueiri com dois passaportes:  um da França e outro do Líbano

Enquanto o público brasiliense já pode conferir três dos filmes que disputam o Oscar de melhor filme estrangeiro ao lado do longa libanês O insulto, o diretor desse filme recém-estreado na cidade, Ziad Doueiri, teve a experiência contrária: até agora, só conferiu o russo Sem amor ; que segue inédito na capital. ;O concorrente russo é ótimo: adorei. É um grande filme;, comenta o cineasta.

Ainda que os candidatos ; todos premiados em festivais como Berlim e Cannes ; exprimam temas bem contemporâneos, cabe ao libanês a tarja de fita politizada e incisiva. Sebastián Lelio, que disputa pelo Chile, trata em Uma mulher fantástica sobre transsexualidade, Corpo e alma tem direção da única mulher no seleto grupo (a húngara Ildicó Enyedi), o russo Sem amor leva a cabo o cinema nada sentimental de Andrey Zvyagintsev e The square conta do fazer artístico na Suécia. Ziad Doueiri, em O insulto, alinha argumentos explosivos, bastidores da justiça e preconceito contra refugiados.

Caso ganhe a estatueta máxima do cinema, Ziad ainda não tem discurso pronto: ;Já recebemos a mais animadora das notícias: o Líbano teve a primeira indicação da história! O resto foge ao meu controle;. Antigo assistente de câmera de Quentin Tarantino, Ziad Doueiri traz, como realizador, um filme nada sangrento. O insulto mostra o mecânico palestino Toni (Adel Karam), cristão nacionalista, numa cruzada contra o refugiado Yasser (Kamel El Basha). Germinada num bairro cristão em Beirute, a briga ganha os holofotes da mídia, repercussão nacional e coloca o réu Yasser visto como oponente a libaneses, durante uma guerra civil que durou 15 anos.

;Eu não ingressei no projeto de O insulto para criar controvérsia. Acreditamos no potencial de uma boa história. Nos apoiamos no fato de termos bons personagens. Muita gente quis entender que a gente estipulou uma visão, buscar a garantia de uma versão defendida. O que proponho, no filme, são pessoas comuns submetidas à pressão limite;, avalia o realizador. Filho de uma advogada, que trabalhou como consultora para a produção, Ziad conta que todos os tios dele são juízes e que, em peso, a família esperava que ele se rendesse à feitura de um drama de tribunal.

;Optei por seguir a estrutura do filme que tinha em mente, desde muito cedo. Ainda na etapa do conceito do longa, percebia a importância de transformá-lo em um drama de tribunal;, comenta o diretor de 54 anos. Morto há quatro anos, o ex-premier de Israel Ariel Sharon, em O insulto, move parte do discurso de ódio do mecânico Toni, que desejaria ;o extermínio; dos palestinos, por ações efetivas do político. ;Sharon não está no centro de nada na trama que conduzo. Os personagens é que estão no centro. O nome dele é tão somente uma palavra usada pelos personagens. Gera o mesmo efeito da escolha de palavras num contexto de rixa, propenso à paixão e a situações flamejantes;, defende o diretor.

Tal qual numa partida de pingue-pongue, as razões de Toni e de Yasser se alternam na trama e o diretor assume que não foi nada neutro, tomando partido. ;Apesar disso, assumi a visão de alternar os pontos de vista. Um diretor tem que se interessar pelo que tenha força dramática;, resume.

Mostrar a intolerância em escala mundial acabou sendo uma coincidência no roteiro de O insulto. ;Do nosso atual mundo, sei apenas que estamos num período fascista. Muitas nações estão divididas, com sociedades empregando ;o certo e o errado;, pregando entre a ;extrema direita; e ;a extrema esquerda;. Contudo, nunca levei isto em conta, enquanto escrevia o filme. Simplesmente, aconteceu;, conta o diretor.

Censura e tensão

Tratando dos bastidores de O insulto, Ziad Doueiri conta que, no governo, houve quem tentasse impedir a realização do filme. ;Havia quem me defendesse ; temos esta dualidade no nosso atual governo. Foi uma questão de ajuste de cronograma: talvez, em 2016, não pudesse ter concluído o material;, observa.

O insulto chega às telas cinco anos depois de um pesado incidente atingir a fita anterior do cineasta, O atentado, em que um médico palestino trata de vítimas israelenses depois da explosão de uma bomba. ;O filme realmente foi boicotado por muitos grupos; mas, ao final, o governo acabou por se render. Tive o mesmo medo, quando do lançamento de O insulto;, destaca.

O atentado, hoje em dia, é visto como um capítulo vencido, uma página virada, mas causou raiva. ;Fiquei muito frustrado, raivoso e ainda mais incomodado pelo fato de, na trama, não ter defendido ninguém;, pondera.

;As pessoas gritam e tentam te intimidar mas não me importo com isso. Faço filmes e dou continuidade à minha obra: ninguém me assusta;
Ziad Doueiri, cineasta indicado ao Oscar 2018

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