Diversão e Arte

Giselle Froes estrela o monólogo O imortal, dirigido por Adriano Guimarães

A peça se desenvolve com tranquilidade e delicadeza, enquanto Gisele cria um ambiente de profunda imersão na história

Isabella de Andrade - Especial para o Correio
postado em 14/03/2018 10:19
A peça se desenvolve com tranquilidade e delicadeza, enquanto Gisele cria um ambiente de profunda imersão na história

Acompanhada por uma porção de livros que se espalham pelo palco e por uma única cadeira que completa o clima intimista criado para a história, Gisele Fróes conta com maestria a narrativa de O imortal. O espetáculo é inspirado no conto homônimo de Jorge Luís borges e a adaptação foi feita com maestria pela atriz ao lado do diretor Adriano Guimarães. Em cena, a poética das palavras, o foco na ação de contar e o corpo de uma atriz com ampla trajetória entre os palcos e as telas ganham evidência.

A peça se desenvolve com tranquilidade e delicadeza, enquanto Gisele cria um ambiente de profunda imersão na história. O diálogo construído com o público, que se senta bem próximo à cena, é eficaz e a atriz é capaz de nos mostrar, através das palavras, cada imagem construída e narrada pelo conto de Borges. Ali, entendemos a imortalidade que percorre os ambientes criativos e a vida que cada criador é capaz de retomar quando compartilhamos uma boa história. Em entrevista ao Correio, Gisele fala sobre o seu processo de criação e os temas trabalhos no espetáculo.



Como é o seu processo criativo, enquanto atriz, para construir uma personagem que transita em temas tão profundos?
Nesse trabalho, que realmente é muito profundo e complexo, nós ficamos muito tempo tentando compreender as infinitas possibilidades que esse conto sugere e provoca. Uma vez que, supostamente, já entendemos e compreendemos a narrativa, eu tento aproximar a experiência daqueles personagens com alguma experiência que eu tenha passado também. Isso me aproxima de alguma maneira daqueles fatos que acontecem no conto. Isso é muito complexo, mas vai ser infinito. A ideia é essa, de fazer isso vivo no teatro, ver que a cada dia, a cada vez que eu contar essa história, para que lugares essa história pode me levar e levar as pessoas também para a experiência que isso pode provocar nas pessoas que estão assistindo. Eu faço uma espécie de mergulho com os fatos relacionados aos personagens, tentando relacionar às experiências que eu tive, fui afetada por algumas experiências.


O que seria essa filosofia da imortalidade de Borges e como ela aparece no espetáculo?
O Borges tem vários pensamentos, vários escritos sobre imortalidade. Depois que ele escreveu o conto, outros pensamentos surgiram. O do conto é uma das possibilidades de imortalidade, a sensação que eu tenho é de que depois de escrever o conto e antes também, essa ideia era muito presente nele. Um dos pensamentos de imortalidade que me atrai muito é que a cada vez que você repete a fala e os gestos de alguém, você está imortalizando essa pessoa, essa pessoa está vivendo em você.
A cada vez que eu falo uma palavra do Borges, cito ele, o Borges está vivendo aqui e você acaba imortalizando as pessoas dessa maneira. No conto, o homem busca a imortalidade física, do corpo e essa imortalidade não interessa a ele, o que interessa ao Borges é a mortalidade cósmica. Tem vários pensamentos sobre imortalidade, por exemplo, que você carrega a herança de pessoas e essa herança é o que torna as pessoas imortais. É bem profundo mesmo, a cada vez que eu penso sobre ele, me leva para vários lugares.


Seu processo de pesquisa e criação foi mais denso ou difícil por se tratar de um monólogo?
O monólogo é ali em cena, quando estou falando esse texto. Mas é um trabalho em conjunto, eu me sinto muito bem acompanhada o tempo todo. O Adriano Guimarães é um parceiro de trabalho incrível, a gente tem muita identificação no nosso pensamento, muito respeito e interesse pelo pensamento um do outro e isso me faz me sentir muito bem protegida e acompanhada. Em cena é um monólogo, uma só pessoa falando, mas, ao mesmo tempo, são muitas vozes.
Talvez seja sim mais difícil ser sozinha, porque quando você não tem os diálogos, tem que gerar essa provocação nos seus pensamentos. Mas eu tenho certeza, e como já fiz a mostra desse processo do trabalho algumas vezes, eu vejo que o diálogo acaba sendo com quem está assistindo e isso é incrível. Espero que seja um diálogo com essas pessoas, o teatro é vivo, não faz sentido fazer algo fechado em mim. É um monólogo, mas também é um diálogo.


O que mudou e cresceu no seu trabalho para entrar sozinha em cena?
O fato de estar sozinha em cena não foi, a princípio, uma escolha minha. Eu li o conto e me encantei por ele, queria pesquisar, estar próxima desses pensamentos que o conto sugere. Quando eu convidei o Adriano para dirigir esse trabalho, ainda não tinha esse desejo de ser um monólogo. Quando eu apresentei a história para ele, ele veio com essa ideia do monólogo. O desejo, a princípio, era contar essa história, independente da forma que fosse contada. Por enquanto, eu me sinto muito bem acompanhada, não foi algo que fiz sozinha.


Como é transportar para os palcos um texto criado originalmente para a literatura?
Cada trabalho é de um jeito. O desejo que eu tinha para esse trabalho está sendo alimentado. Eu queria que toda a cena, todo o ambiente da cena, provocasse uma experiência nas pessoas que estão ali assistindo. Na literatura, você tem essa experiência do objeto, de pegar o livro, poder voltar se você não entendeu alguma coisa. Então o que o Adriano fez na cena, com a luz, a escolha do figurino, tudo faz parte dessa ideia de levar para o palco essa experiência do livro. A gente teve que dar uma volta para entender como seria ter essa experiência na cena, que é diferente da experiência da cena, estamos experimentando e sugerindo coisas e isso tem sido muito fascinante, até pela riqueza que eu encontro no conto do Borges.


Você trouxe elementos atuais para a personagem?
Sim, tudo que eu relaciono quando conto essa história, relaciono a histórias que podem ser atuais também. São histórias que me afetam, que me comovem. Atuais no sentido de que elas atuam no momento, mesmo que sejam os poemas homéricos, quando eles são contados, são atuais, e, ao mesmo tempo, não são porque foram criados há muitos anos atrás.


O que muda no seu trabalho de interpretação e criação ao transitar entre o palco e as telas?
A pesquisa que o teatro permite, o tempo que o teatro permite de ensaio, de pesquisa de estudo, me dá muito prazer. Nos outros veículos (cinema, TV) eu tenho um trabalho de investigação que é o mesmo do teatro, de como aquele personagem pode se aproximar de mim e eu ser modificada por esses personagens. Eu sempre acho muito rico ser apresentada a esses personagens que poderiam ser diferentes de você e, chegando perto dela, você vê que há muitos elementos seus também.


Como esse texto, de temas complexos e mais filosóficos, pode se relacionar com o público de agora? Acredita que ele dialoga com todos os públicos?
Eu acho que para cada pessoa isso vai chegar de um jeito diferente. Pode ser a história de um homem que foi buscar a imortalidade, um guerreiro. Às vezes, eu mesma posso me relacionar de um jeito mais superficial em um dia e de um jeito mais profundo e diferente do outro. É um texto que pode sempre mobilizar e comover qualquer pessoa.


O teatro tem espaço e eficácia nos tempos de agora?
Eu posso falar do meu tempo e em mim ele tem sim eficácia, eu acho que quando algo acontece em mim, isso faz sentido para o universo. O Borges fala isso, a gente fala em física quântica, cada acontecimento, por menor que seja, ele tem influência. Então, se para mim faz sentido e é eficaz, no meu mundo isso faz sentido e é eficaz e assim eu espero, imagino e acredito que sim, faz sentido.


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