Economia

Empréstimo corriqueiro se transforma em problema

Financiamento de R$ 2 bilhões feito pela Petrobras com a Caixa em meio à crise mundial alimenta desconfiança sobre gestão da estatal

postado em 28/11/2008 09:08
O que era para ser uma operação corriqueira ; um empréstimo a uma empresa ; provocou enormes ruídos no mercado financeiro, incitou desconfianças em torno da saúde da maior companhia do país e transformou-se em um fato político que ainda dará muita dor de cabeça ao governo. Por trás de toda a polêmica está o financiamento de R$ 2 bilhões concedidos à Petrobras pela Caixa Econômica Federal no último 31 de outubro para que a estatal pudesse fechar as contas e honrar os pagamentos com impostos de mais de R$ 11,4 bilhões. Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), o disse-me-disse provocou queda de 2,78% nas ações preferenciais da companhia. A oposição, liderada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), insinuou que a empresa está à beira da insolvência. No governo, pelo menos três ministros foram escalados para rebater as acusações contra a Petrobras. ;Infelizmente, há exageros por todos os lados. Que a Petrobras foi afetada pela escassez de crédito, provocada pela crise, não há dúvidas. Mas dizer que a empresa está mal financeiramente é totalmente improcedente;, disse Rossano Oltramari, sócio-diretor da Corretora XP Investimentos. Segundo ele, é normal que uma companhia do porte da petrolífera enfrente problemas momentâneos para fechar o caixa, especialmente num momento de forte queda do preço do petróleo. ;Por isso, existe o sistema bancário, para conceder empréstimos e suprir as necessidades de capital.; A seu ver, se as taxas da operação foram compatíveis com as cobradas no mercado, todos se beneficiaram. O que não pode é haver subsídios, ou seja, a Caixa cobrar juros menores do que o normal pelo fato de a instituição e a Petrobras serem empresas públicas. Outro temor expressado pelos críticos é que, pelo seu porte e pelas necessidades de recursos para tocar investimentos, a Petrobras acabe sugando todo o dinheiro dos bancos públicos, reduzindo a oferta de crédito a outras firmas para atividade importantes. Assessores da presidente da Caixa, Maria Fernanda, garantiram que não há possibilidade de concentração de empréstimos na estatal. Apesar de a liberação de R$ 2 bilhões representar quase 20% da carteira de crédito a empresas, o banco tem capacidade para ampliar a oferta em todas as modalidades em cerca de R$ 100 bilhões. E mais: por lei, empréstimos a um único cliente podem comprometer, no máximo, 25% do patrimônio de referência de um banco. No caso da Caixa, o comprometimento com o financiamento à Petrobras é de 11,6%. Diante desse quadro, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, foi taxativo: ;A oposição está meio sem discurso e, às vezes, começa a inventar para suprir essa deficiência;. Na opinião da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, ;é ridículo; dizer que Petrobras está com problemas de caixa. Ela disse ainda que todos os bancos querem emprestar para a empresa. Responsável pela divulgação do empréstimo, Tasso Jeiressati sustenta que também há atraso no pagamento de fornecedores. Ele frisou que o empréstimo será pago em 180 dias com juros correspondentes a 104% do Certificado de Depósito Interbancário (CDI), título usado pelos bancos para negociar dinheiro entre si. Investimento O ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, admitiu a dificuldade momentânea da empresa. ;Ela não está mal. Teve apenas dificuldades momentâneas em razões de impostos e compromisso que teve de pagar;, afirmou. Paulo Bernardo endossou: ;A Petrobras neste ano, vai investir cerca de US$ 60 bilhões e, no ano que vem, será muito mais. Só para o pré-sal precisará de US$ 60 bilhões. É um enorme problema de caixa, mas vamos resolvendo;. Em nota, a Petrobras informou a previsão de investimentos de US$ 112,4 bilhões entre US$ 2008 e 2012. Para tocar seus projetos, precisa completar o caixa com recursos tomados no mercado da ordem de US$ 4 bilhões por ano. A empresa ressaltou que, assim como todas as empresas brasileiras, vitimadas pela escassez de linhas internacionais de crédito e pela disparada dos preços do dólar, vem suprindo suas necessidade de financiamento no mercado interno. Em outubro, admitiu, teve maiores gastos com impostos e taxas, devido ao lucro líquido maior computado no terceiro trimestre de 2008. BOVESPA SONOLENTA Sem a referência do mercado de Nova York, fechado por causa do feriado de Ação de Graças, o investidor da Bolsa de Valores de São Paulo produziu a sessão mais sonolenta dos últimos 18 meses. Depois de oscilar o dia inteiro em torno da estabilidade, o pregão Ibovespa encerrou em baixa de 0,7%. O giro financeiro somou tímidos R$ 1,74 bilhão, o mais baixo desde 25 de maio de 2007. ;Sem Nova York, o investidor ficou arredio a montar posições mais sólidas na Bovespa;, disse Kelly Trentin, analista de mercado da corretora SLW. A Bolsa de Frankfurt subiu 2,3% e a de Londres, 1,7%. R$ 6,2 bi em dividendos Apesar de a Petrobras já estar enfrentando problemas de caixa, o governo exigiu que a companhia transferisse para o Tesouro Nacional R$ 6,2 bilhões em forma de dividendos referentes ao lucro líquido acumulado nos nove primeiros meses do ano. Por causa desse repasse, já em setembro, a empresa registrou um rombo de R$ 2,3 bilhões em seu caixa, conforme relatório encaminhado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Segundo analistas, se o governo tivesse aberto mão ou adiado o repasse de dividendos, usados na composição do superávit primário do setor público (economia para o pagamento de juros da dívida), dificilmente a Petrobras teria de se socorrer com a Caixa Econômica Federal, tomando um polêmico empréstimo de R$ 2 bilhões no mês passado. Ex-diretor financeiro da estatal Carlos Thadeu de Freitas Gomes disse que as intensas relações entre a Petrobras e o governo não vêm de hoje. De tempos em tempos, um se socorre no outro. Nos anos 1980, com o governo sem dólares para honrar compromissos, a Petrobras abasteceu o Banco Central de capital estrangeiro. No início da década seguinte, foi a vez de o BC socorrer a Petrobras, que estava sem linhas de crédito no exterior. O BC depositava dólares no Banco do Brasil e no extinto Banco do Estado de São Paulo (Banespa), que eram repassados à empresa. ;Portanto, não vejo nada de anormal no empréstimo dado à estatal pela Caixa Econômica;, assinalou. Para o economista Roberto Luís Troster, o fato de companhias de grande porte, como a Petrobras, se voltarem para o mercado interno em busca de empréstimos, não exclui as pequenas e médias empresas do sistema. Pelas suas contas, os bancos brasileiros têm capacidade para ampliar as operações em quase R$ 680 bilhões.

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