Economia

Salários ficarão mais curtos

Crise aumenta a dificuldade de repor as perdas, só 20% devem ter ganho real

postado em 31/12/2008 10:29
A desaceleração econômica vai reduzir o ritmo de crescimento do emprego e, com menos vagas no mercado de trabalho, os trabalhadores encontrarão mais barreiras na hora de negociar com o patrão. A recuperação da renda verificada desde 2004 vai perder fôlego, apostam os especialistas. Em 2008, a inflação elevada já dificultou as negociações salariais. Depois de dois anos garantindo reajuste igual à inflação ou ganhos reais em mais de 95% dos acordos coletivos, no primeiro semestre de 2008 apenas 86% dos trabalhadores conseguiram, pelo menos, recuperar o aumento de preços dos 12 meses anteriores (veja quadro). Os impactos da crise econômica vão reduzir ainda mais esse percentual, afirma o professor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP), José Pastore. O especialista em mercado de trabalho é pessimista. ;As negociações vão ser mais fracas em 2009. Apenas um ou outro setor vai dar aumento real. Acredito que pouco mais de 20% dos setores vai conceder reajuste acima da inflação;, afirma. Em épocas de crise, os salários demoram mais a ser afetados, afirma o pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri. ;Mas, quando a crise afeta a geração de emprego, enfraquece o poder de barganha dos trabalhadores, o que pode ocorrer a partir de 2009;, adverte. Temendo essa situação, os 15 mil professores das escolas particulares do Distrito Federal vão antecipar em quase três meses o início das negociações com os patrões. Apesar da data-base da categoria ser somente em 1º de maio, em fevereiro eles já vão fechar a pauta de reivindicação, temendo uma conversa difícil. ;Vamos fazer um debate em torno do aumento das mensalidades, que ficaram 12% mais caras no DF. Todo ano as escolas aumentam os preços para os alunos acima da inflação e nos dão no máximo a inflação de reajuste. Se num quadro normal já é difícil negociar, imagina agora, com a crise? Vamos ter que intensificar nossa mobilização;, lamenta o presidente do Sindicato dos Professores em Estabelecimentos Particulares de Ensino do DF (Sinproep-DF), Rodrigo Pereira de Paula. No DF, um professor de escola particular, incluindo as faculdades, ganha em torno de R$ 1,3 mil, segundo ele. Valor próximo à média salarial do brasileiro ocupado, que terminou o ano em R$ 1.273,60, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Próximos anos É consenso que a crise internacional tirou o gás da economia brasileira. E, com crescimento menor, haverá queda nas vendas e redução da margem de lucro das empresas. Até 2010 os especialistas não vêem muito espaço para ganhos expressivos de salário. Mais uma vez a previsão é de que o setor mais afetado seja o de bens duráveis, como veículos e eletrodomésticos. É nesse segmento que os especialistas prevêem mais dificuldades para os trabalhadores. Para o economista José Márcio Camargo, professor da PUC-Rio, os salários no Brasil são bastante flexíveis, o que colabora para o ajuste. A exceção fica para o salário mínimo. ;Quando a taxa de desemprego sobe, o salário real tende a cair;, explicou. Por isso, para os próximos meses, Camargo prevê queda do salário real em termos absolutos. ;Ou vai cair ou crescer muito menos;, observou. A recuperação se dará ao longo do tempo, acompanhando o crescimento econômico e a conseqüente absorção da força de trabalho pelo mercado. No curto e médio prazos, segundo Camargo, vão ser mais atingidos os trabalhadores que ganham o salário mínimo. Na sua opinião, a política de reajuste do piso salarial do país ; equivalente ao INPC mais taxa de crescimento do PIB dos dois últimos anos, o que resultará num índice entre 10% e 11% ; torna seu custo insustentável para as empresas em momentos de crise. ;O efeito é justamente o contrário do que se pretende, ou seja, mais desemprego e mais informalidade.; Para a próxima década, passado o furacão da crise, especialistas acreditam na volta do crescimento real da massa salarial a uma taxa compatível com o aumento da produtividade no Brasil, que é de 2% a 3% ao ano, um percentual bastante inferior ao obtido nos últimos meses, em torno de 6%. ;O salário real cresceu por conta do cenário de bonança;, disse a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andréia Parente Lameiras, referindo-se ao círculo virtuoso da economia brasileira no período recente. Como as empresas vinham vendendo bem e aumentando seus lucros, os trabalhadores tiveram margem para negociar. E aproveitaram para garantir aumentos expressivos de salários. Qualificação Para a renda ter, ao longo do tempo, um crescimento sustentável com índices acima do aumento do PIB José Márcio Camargo só vê uma saída: a qualificação dos trabalhadores brasileiros. ;Ter uma força de trabalho qualificada significa ter ganhos expressivos de produtividade;, disse. Infelizmente, na sua opinião, educação de qualidade não é uma demanda da sociedade brasileira. ;É um erro;, observou. Segundo o professor, para cada ano de estudo no Brasil o trabalhador tem um ganho salarial de 12%. ;É a maior taxa de retorno que conheço.; Por isso, explicou que no Brasil, ao contrário do resto do mundo, um trabalhador instruído chega a ganhar 20 vezes mais do que um trabalhador com pouca ou nenhuma instrução. Especialista em formar executivos para o mercado de trabalho, o professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), James Wright, também orienta os profissionais a buscarem especialização. ;Em épocas de crise, as empresas se tornam mais seletivas e, se vai ter que demitir, será o profissional menos qualificado. Para enxugar custos, o melhor é manter os mais eficientes;, afirma.

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