Economia

Em busca da meta de 3%

Presidente do Banco Central avalia que o Brasil deve avançar e chegar a um novo padrão de inflação, deixando os 4,5% ao ano para trás

postado em 27/12/2009 07:00

Presidente do Banco Central avalia que o Brasil deve avançar e chegar a um novo padrão de inflação, deixando os 4,5% ao ano para trás
Muito se falou do Brasil como o país do futuro. Mas, ao mesmo tempo em que tal expressão criou esperança, foi motivo de grande frustração. O futuro realmente chegou? Desta vez, dá para ter confiança?

Para se ter confiança, é preciso levar em conta alguns pressupostos. O Brasil mostrou que tem condições de crescer a taxas de 5% ao ano, acima da média histórica recente, com estabilidade econômica, inflação na meta, relação cadente entre a dívida pública e o PIB, balanço de pagamentos equilibrado e ser competitivo internacionalmente. Como consequência disso, o Brasil tem condições de atrair investimentos externos, não só diretos (voltado para a produção), mas também para a bolsa de valores e para títulos de longo prazo emitidos por companhias nacionais. Ou seja, o país tem condições de financiamento e capacidade de alavancar seu crescimento. É nessa equação que entram os pressupostos a que me refiro. O primeiro é que seja mantida uma política econômica responsável, com um sistema de metas de inflação que não seja apenas nominal, mas real. Isto é, uma meta que seja seguida de fato e de forma rigorosa, que seja levada a sério. Não pode ser do tipo: meta de inflação, tudo bem, mas em alguns momentos pode-se desviar do objetivo por circunstâncias especiais. O segundo pressuposto é o câmbio flutuante, que se tem mostrado, no mundo todo, o mecanismo mais adequado para a absorção de desequilíbrios externos. O terceiro é a responsabilidade fiscal. Com esses três pressupostos, o país tem condições, de fato, de manter essa taxa de crescimento para os próximos anos.

Teremos, em 2010, eleições presidenciais. Pode haver questionamentos dos candidatos em relação a esses temas?
Creio que esse debate não deve ser colocado na campanha eleitoral. Mas, na teoria, a prática é outra. O risco vai ser a prática do próximo governo de manter a inflação na meta, o câmbio flutuante e a responsabilidade fiscal.

Os candidatos à presidência da República que se apresentam hoje representam algum tipo de risco de ruptura com o atual modelo econômico?
Eu acho que existe pouco espaço para mudanças na política econômica do Brasil. Pela primeira vez, a população usufrui os benefícios da estabilidade. Nos últimos anos, 25 milhões de pessoas foram incorporadas à classe média, 30 milhões cruzaram, para cima, a linha da pobreza. O ganho real de renda foi constante. Criaram-se 9 milhões de empregos formais. Então, eu acredito que haveria uma cobrança da população se a estabilização da economia fosse colocada em risco. O que é, em si, um fator estabilizador.

Pode-se acreditar nas projeções feitas por bancos de que, na próxima década, o Brasil será alçado à condição de potência, tornando-se a quinta maior economia do planeta, com a renda per capita chegando a níveis de primeiro mundo?
É possível acreditar nesses cenários se levarmos em conta os pressupostas que eu já citei e alguns desafios adicionais. Temos que, em primeiro lugar, continuar o foco em investimentos em infraestrutura, executá-los, de forma que não tenhamos gargalos que impeçam o crescimento. Mas não estou falando apenas em investimentos na área federal. É preciso também investimentos estaduais e municipais. O problema de transportes nas grandes metrópoles será muito maior no futuro do que o que está sendo veiculado hoje. Fala-se muito no desafio logístico, no transporte de cargas, o que é verdade. Mas o transporte de pessoas e de cargas nos centros urbanos poderá resultar em problemas muito mais graves.

Diante da incapacidade mostrada pelo governo para se antecipar e resolver esses problemas, o senhor acredita que a iniciativa privada pode ocupar esse espaço?
Em algumas áreas, sim. Mas a iniciativa privada não tem como resolver sozinha a questão do transporte urbano. Então, o poder público terá que fazer a sua parte.

Como? Pelo que se vê, com o tamanho da carga tributária, dinheiro não é problema. Será preciso mudar a qualidade dos gastos, não é?
Com certeza, o volume de investimentos previstos no Orçamento terá que aumentar substancialmente. Mas em todos os níveis de governo, não só no federal. Há problemas ainda maiores nos âmbitos municipal e estadual.

O senhor ressalta a importância da infraestrutura. Mas e a educação? De nada adianta uma boa infraestrutura se não há uma mão de obra qualificada para tirar proveito dela.
É verdade. E a inauguração de todas as escolas técnicas que estão sendo feitas pelo governo é um passo importante nessa direção, pois o Brasil não pode ficar dependente apenas do ensino universitário. O país precisa equipar profissionais já no ensino médio. Tem que aumentar, sim, a participação do brasileiro no ensino superior, mas temos que melhorar o nível do ensino básico e secundário. Deu-se um passo importante. Mas, para os próximos anos, não basta. Precisamos ir à frente. Estimular, por exemplo, o ensino superior comunitário, ou seja, as universidades religiosas, que fazem uma complementação muito boa, exercem um papel intermediário entre as instituições públicas e privadas. Tudo isso, no entanto, deve vir acompanhado de um projeto de combate à burocracia em todos os níveis de governo. É o que o Banco Mundial chama de facilidades de fazer negócio no país. Temos que facilitar a abertura e o fechamento de empresa, reduzir os custos dos negócios.

Mas a impressão que se tem é que o governo desistiu desse processo...
Existe um estudo feito pelo governo que eu acho que tem de ser retomado. Fazer um pacote grande de mudanças em todos os níveis. Isso dará maior competitividade ao país. O lado positivo que favorece essa discussão é que temos, hoje, uma economia estável, pode-se olhar para um longo horizonte. Há alguns anos, certamente, estaríamos aqui discutindo como será o país no ano que vem, como ficará a inflação. Ou seja, a agenda do país mudou. O debate agora é outro.

Com o Brasil crescendo 5% ao ano e sendo alçado à condição de potência ainda será necessário uma rede tão ampla de proteção social, que inclui o Bolsa Família?
A rede de proteção social continuará necessária no Brasil, como é em qualquer país. Mas, com o tempo, ela diminuirá de importância, porque o número dos que precisarão dela vai diminuir à medida que o mercado formal do trabalho absorver um percentual maior de pessoas com maior acesso à educação, mais qualificadas.

Isso abrirá espaço no Orçamento da União para mais investimentos em saúde, educação, infraestrutura?
Isso é um fator a ser considerado. Mas temos de lembrar que houve (no Orçamento) uma recomposição necessária e importante dos salários do funcionalismo público que tinham ficado comprimidos em função de 15 anos de ajustes orçamentários. Isso, evidentemente, absorveu uma parte importante do Orçamento. Daqui para frente, com os salários (dos servidores) já recompostos, uma parte relevante desse reajuste de despesa poderá ser transferida para o aumento dos investimentos seja em capital físico (infraestrutura), seja em capital humano (qualificação). Creio que isso já ficará claro a partir de 2011.

Há economistas projetando que os investimentos para a Copa do Mundo e as Olimpíadas de 2016 vão adicionar 0,7 ponto percentual ao ano no crescimento do PIB. É possível acredita nessa conta?
Sim, pois uma parte importante dos investimentos é permanente, não está ligada simplesmente aos jogos. Se olharmos outros países que sediaram esses eventos veremos que investiram em aeroportos, transportes públicos, rede hoteleira. Acredito que serão investimentos importantes, necessários ao país. Além disso, haverá um fluxo maior de turistas e um ganho de imagem que favorece o comércio internacional. A divulgação do país abrirá espaço para a maior venda de produtos brasileiros no exterior, pois haverá um tipo de publicidade que o empresariado não tem condições fazer isoladamente. O Brasil terá a oportunidade de mostrar ao mundo a sua capacitação tecnológica e industrial. E, claro, atrairá mais investimentos.

Com esses investimentos será possível chegar a uma taxa de investimentos de 25% do PIB?
Com certeza, mas, para isso, é preciso aumentar a poupança interna. Não devemos nos basear apenas em investimentos externos, pois, caso contrário o deficit em conta corrente tenderá a crescer muito nos próximos anos, criando outras vulnerabilidade. Temos muito espaço para aumentar os investimentos externos, mas também deverá aumentar a poupança dos cidadãos e do governo.

Analistas alertam para o risco de um volume maior de investimentos estrangeiros provocar distorções no mercado de câmbio, com uma sobrevalorização do real? Como lidar com o sucesso?
Temos de lidar de várias maneiras. Primeiro, ter a capacidade de oferecer bons projetos, que ajudem a aumentar a capacidade competitiva do país. E, aí, não estamos falando apenas dos jogos esportivos nem de projetos privados. Estamos falando de investimentos gerais. Se os investimentos forem bem aproveitados, permitirão ao país baixar custos, tornando-se mais competitivo para exportar e não dependendo apenas de uma taxa de câmbio favorável.

Então, a taxa de câmbio perderá importância no debate?
A taxa de câmbio sempre será importante. Mas não podemos ficar apenas dependendo de uma moeda desvalorizada para conseguir competir. A taxa de câmbio nunca pode estar desequilibrada, nem para um lado nem para outro. Portanto, a competitividade é importante. Mas também é importante que flexibilizemos as regras de remessas (de recursos para fora do país). Por isso, o projeto de modernização cambial do BC, permitindo que o fluxo de moedas se dê em duas direções e que, na medida em que o país cresça e se modernize, continuemos abrindo as portas para acordos de comércio para aumentar as importações e as exportações. Todo esse investimento abrirá ainda a oportunidade para que possamos absorver tecnologia.

Onde entram as reformas que foram relegadas ao longo do tempo? Muitos exportadores classificam a reforma tributária como mais importante do que a taxa de câmbio, pois o Brasil é um exportador de impostos.
Realmente, a reforma tributária é importante. Esse projeto está no Congresso e certamente deverá ser uma prioridade para o próximo governo. Não há dúvidas disso. Mas também há a reforma da produtividade, antes chamada de desburocratização, que eu chamo de competitividade, a educação e a infraestrutura.

Como um dos atores principais do atual contexto econômico, quando, na sua avaliação, o Brasil mudou de patamar, de coadjuvante à protagonista?
Em 2003, quando consolidou e aprofundou a trajetória de estabilização. Houve um enfrentamento às vulnerabilidade básicas do Brasil. Uma delas, a fiscal, foi atacada com o aumento das metas de superávit primário e o cumprimento delas. A vulnerabilidade externa foi combatida com o regime de câmbio flutuante aplicado rigorosamente. A vulnerabilidade monetária foi enfrentada com o sistema de metas de inflação. Isso gerou queda do consumo doméstico nos primeiros seis meses daquele ano, queda nas despesas públicas e o aumento das exportações. O Brasil passou a gerar saldos comerciais, que permitiu o acúmulo de reservas e o pagamento das dívidas domésticas indexadas ao dólar. Essa dívida cambial é chamada por banqueiros centrais de todo o mundo de pecado original de países que não conseguem se endividar na própria moeda e ficam dependentes de moeda de vários países. Pagamos toda a dívida com o FMI e o Clube de Paris. Isso permitiu que o país se tornasse credor internacional, resolvendo, pela primeira na história, o problema da vulnerabilidade externa. Com a estabilidade da inflação, houve a queda da taxa real de juros, que era de 14% ao ano, quando assumimos, para menos de 6% hoje. Conjugados à taxa de juro real, os superávits primários permitiram a queda da dívida em relação ao PIB. Isso permitiu ao Brasil mudar de patamar. O país superou suas vulnerabilidades debilitantes, que o impediam de exercer o seu potencial. Agora, os remédios aplicados devem ser mantidos.

Quando chegar o momento de o senhor deixar o comando do BC, em março de 2010, para disputar as eleições, ou em dezembro, fim do governo Lula, qual será o legado a seu sucessor?
A maior conquistas da minha gestão foi o fato de o BC ter se mostrado capaz de resistir a pressões e enfrentar crises. Essa foi uma grande conquista, pois mostrou que o Brasil pode ter um BC forte, imune a críticas e a pressões. Um Banco Central frágil é aquele que tem que acomodar pressões e críticas para se manter. Então, o fato de o BC ter sido tão criticado e, ao mesmo tempo, ter enfrentado as críticas e exercido uma política independente e ter tido sucesso, é o primeiro grande legado. O segundo é ter conseguido estabilizar a economia e enfrentar com tanto sucesso a última crise mundial, a maior desde 1929. Foi a primeira vez que o Brasil enfrentou uma crise em condições de fazer políticas contracíclicas, baixar as taxas de juros e não subir. O terceiro legado está em andamento e é o que eu chamo de excelência de gestão do banco, que está entrando em sua fase decisiva.

Haverá alguma herança maldita para o próximo BC ou será só tranquilidade?
Um banqueiro central nunca tem completa tranquilidade, sempre há desafios e pressões, que vão mudando. Há desde os desafios que enfrentávamos no passado até os desafios de que, no Brasil, a história mostra que a inflação jamais estará na meta por fatores estruturais, etc, e que, portanto, não devemos perseguir a meta e que devemos conviver com inflação mais elevada, ou já que a inflação está na meta, estabilizada, podemos fazer extravagâncias. Esse tipo de desafio sempre acontece. Há ainda o desafio da velha história que foi exemplificada por um filósofo do futebol carioca por meio da frase: "Vocês perderam, nós empatamos e eu ganhei". É a história de que derrota não tem dono e vitória está cheia de proprietários. Mas, na realidade, é pior do que isso. Quando o país vai mal, é culpa do BC. Agora que o país está bem, está cheio de responsáveis.

O senhor acha possível se pensar em uma meta de inflação menor para o país?
Sim, é possível. Acho que o Brasil, ao longo do tempo, pode vislumbrar chegar a uma meta de inflação de 3%, que é meta de países emergentes. O países amadurecidos trabalham com meta de 2%. Por razões estruturais, os países emergentes tendem a trabalhar com meta de 3%. E eu acredito que essa deverá sem a tendência do Brasil, não a curto, mas a médio prazo.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação