Economia

Guido Mantega recebeu diárias sem viajar

Despesas com passagens e auxílios cresceram 14% na sua gestão

postado em 05/04/2010 08:25
Nas últimas semanas, uma das promessas mais repetidas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, foi a de conter as despesas do governo e fechar o ano, sem qualquer artifício contábil, com superavit primário (economia para o pagamento de juros) de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar da insistência, a grande maioria dos especialistas em contas públicas desdenha de tal possibilidade. Pode parecer exagero, mas uma das explicações para essa desconfiança vem da própria Pasta de Mantega, que está acelerando os gastos com viagens e diárias de servidores.

Despesas com passagens e auxílios cresceram 14% na sua gestãoQuando se analisam os números liberados pela Fazenda, chama a atenção o fato de a ajuda de custos estar sendo paga de forma, no mínimo, questionável, inclusive ao próprio Mantega. Ele recebeu diárias em ocasiões em que a sua agenda oficial dizia que esteve em Brasília ou São Paulo, onde tem residência oficial e moradia própria. Em 2009, há pelo menos três situações em que o pagamento de diárias ao ministro não bate com a agenda liberada por seus assessores. O primeiro caso é de 9 de junho.

Nesse dia, a agenda oficial diz que Mantega esteve reunido com o presidente Lula, em Brasília. Um dia depois, teve reuniões internas no ministério e, no seguinte, não trabalhou por ser feriado nacional. Mesmo assim, embolsou R$ 889,77 como ajuda de custos, benefício que só deveria ter sido pago em caso de viagem. O mesmo ocorreu em 25 de agosto e em 11 de setembro, dias em que o ministro transitou entre Brasília e São Paulo, despachando na sede da Fazenda nas duas cidades. Como tem moradia nas duas localidades, deveria dar um alívio aos cofres públicos. Mas recebeu, respectivamente, R$ 864,14 e R$ 833,20. No total, Mantega tascou R$ 46.445,24 do Tesouro Nacional em ajuda de custos no ano passado.

A situação é tão ;estranha;, como definiu a assessoria de imprensa da Fazenda, que ninguém soube dizer o porquê de o ministro receber tal privilégio. Também é ;estranho;, segundo a assessoria, apenas um servidor ter pedido, no ano passado, R$ 90 mil em reembolso (leia matéria nesta página) sob o pretexto de custear despesas com moradia e transporte, conforme está registrado no Portal Transparência Brasil, ligado à Controladoria-Geral da União (CGU).

Campeões
Entre 2006 e 2009, sob o comando de Mantega, os gastos do Ministério da Fazenda com diárias, passagens e locomoção de servidores cresceram 14,3%, passando de R$ 72 milhões para R$ 82,3 milhões. Diante desses números gigantescos, o grande destaque é Marcelo Estrela Fiche, assessor especial do ministro. Pelo Portal Transparência, ele foi o campeão de recebimento de ajuda de custos para viagens. Apenas em 2009, embolsou o equivalente a R$ 58.187,72 em diárias ; houve dias, como 17 de novembro, em que foram registrados quatro depósitos na sua conta, sem que a assessoria de imprensa do ministro soubesse explicar, com clareza, a razão do pagamento quadruplicado.

;Não tenho certeza absoluta do que possa ser isso, mas desconfio que seja a data em que o ministério paga, e não a data em que se viaja efetivamente. Também pode ser um erro do Portal Transparência, da GGU;, contestou um dos assessores de imprensa de Mantega.

Depois de Fiche, a lista das diárias no Ministério da Fazenda é encabeçada por Luiz Eduardo Melin de Carvalho e Silva, chefe de gabinete de Mantega. Em 2009, transitaram pela sua conta bancária R$ 52.394,14 em diárias. Os registros da Controladoria-Geral da União mostram ainda que dois assessores de imprensa do ministro tiveram, cada um, ajuda de custos superiores a R$ 40 mil. Todos os quatro superaram Mantega no recebimento de benefícios.

A CGU informou ao Correio que o fato de os assessores acompanharem o ministro em viagens é normal. Mas receber sem comprovação de viagem, não.

; Exageros em indenizações

Análise feita nas contas do Ministério da Fazenda mostra que as distorções nos gastos com viagens não se restringem ao pagamento de diárias. Também há inconsistências em cifras de indenizações e restituições. É o caso do servidor Francisco Mendes de Barros, que recebeu R$ 90.435,40 em 2009 por meio dessas rubricas. Proporcionalmente, daria o equivalente a R$ 7.536,28 por mês, além do salário integral do servidor.

Mas, diferentemente de outras indenizações pagas a servidores da Fazenda, honradas mês a mês quase sempre no mesmo valor, a de Barros não segue uma lógica. Em 8 de janeiro do ano passado, ele recebeu R$ 1.843. No mês seguinte, no dia 11, foram depositados em sua conta corrente R$ 20.242,80. Em 2 de abril e no dia 25, foram mais dois pagamentos, também de R$ 20.242,80 cada. Em 30 de dezembro, ele embolsou R$ 26.964.

Outros dois servidores se destacam com suas movimentações. Henri Eduard Stupakoff Kistler embolsou R$ 85.059,75 em indenizações e restituições no ano passado. Ele recebeu pagamentos mensais de R$ 1,8 mil, até que, em 28 de dezembro, a Fazenda lhe pagou R$ 64.359,75. Já o servidor José Antônio Pereira de Souza ganhou, em 2009, R$ 47.180,37 por meio de indenizações e restituições, sendo R$ 1,8 mil em parcelas mensais e R$ 25.826,80 em 2 de abril.

Desconhecimento
Segundo explicou a Controladoria-Geral da União (CGU), o pagamento de indenizações e restituições funciona como reembolso a servidores deslocados de outra cidade para Brasília, onde têm gastos extras com moradia e transporte. A assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda, por sua vez, assegurou que o teto comum de reembolso nessas rubricas é R$ 2,1 mil por mês.

A assessoria não soube explicar, porém, a situação de Barros, Kistler e Souza . ;Não conheço essas pessoas. Nunca ouvi falar delas;, afirmou um dos assessores ouvidos pelo Correio. ;Realmente, o valor (dos pagamentos recebidos pelos três) destoa um pouco (do normal). Não tem nada que justifique esses valores tão altos. Mas também não posso dizer que tem alguma coisa irregular. É preciso apurar melhor;, disse.

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