Economia

Entrevista - Maria Helena Santana

CVM acredita que lei brasileira para mercados especulativos é superior à de muitos países

Marcone Gonçalves
postado em 28/06/2010 07:58
Os agentes públicos precisam discutir mais sobre os riscos envolvidos na divulgação de informações que afetam o funcionamento das empresas estatais listadas nas bolsas. Em entrevista exclusiva ao Correio, Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), reconheceu dificuldades para que o órgão que preside possa controlar, fiscalizar e punir as empresas públicas nos casos de vazamento de informações. Ela defendeu, no entanto, o acesso das companhias ao mercado e negou que haja qualquer tipo de favorecimento.

Economista formada pela Universidade de São Paulo, Maria Helena garante que o Brasil está muito à frente dos demais países do G-20 ; grupo que reúne as vinte maiores economias do planeta ; no que diz respeito à regulação e ao controle do mercado de derivativos. Foi esse mercado que, segundo ela, paralisou o sistema financeiro internacional e gerou a pior crise econômica desde a quebra da Bolsa de Valores de Nova York, em 1929.

O ideal seria não existir empresa estatal aberta

O Correio mostrou, recentemente, que o grande especulador do mercado tem sido o próprio governo, em função da atuação das grandes estatais. Como fica a CVM na sua função de controlar o próprio governo?
Não é a situação mais cômoda do mundo, obviamente. Talvez o ideal fosse não existir empresa estatal aberta para não haver qualquer dúvida da sociedade e dos investidores em relação à capacidade do regulador de fazer o seu papel integralmente. Em outros países é assim. Agora, o México, por exemplo, está querendo mudar sua lei para ter companhias de controle estatal captando dinheiro no mercado. Isso, na verdade, tem prós e contras. Acho que o fato de as estatais terem acesso a esse capital pode fortalecer diversas atividades. E é isso que nós temos aqui, já é a nossa realidade e precisamos lidar com ela. Garanto que trabalhamos, em relação às companhias de controle estatal e às mistas com o mesmo rigor, com o mesmo empenho e com a mesma autonomia que temos em relação às companhias 100% privadas.

Então por que as dificuldades e desconfianças?
O que tem em relação às estatais ou às de economia mista é o grau de envolvimento de outros órgãos públicos, de ministérios, de instâncias do poder público nos seus negócios. É esse envolvimento de outros agentes, e nem todos estão sob a competência da CVM, que complica mais a situação. Em relação aos agentes que são administradores da companhia, nossa competência é evidente. Nós atuamos com eficácia, com resultados. A dificuldade está concentrada nos agentes que estão fora da nossa jurisdição e que se manifestam: agentes públicos que podem estar em ministérios e autarquias.

Trata-se de um problema institucional ou são limitações da cultura do setor público? Esses agentes não compreenderam ainda o papel da CVM?
Acho que o problema é de cultura mesmo. Seria muito importante que todos identificassem e percebessem a importância do mercado, a importância que a informação tem para o mercado, que a informação fornecida de forma simétrica, para todos os agentes, pelo canal oficial, não pode dar margem a dúvidas e causar incertezas na formação de preço e na negociação no mercado secundário. Os gestores profissionais de recursos e as pessoas físicas que usam o mercado para poupar são prejudicados na hora em que uma informação não confirmada, ainda preliminar demais, é divulgada passando ao largo do envolvimento da própria administração da companhia.

O mercado vem reclamando que a CVM estaria sendo pouco rígida na fiscalização, deixando de impor regras para algumas empresas que estão praticamente falidas, como Milk, Grupo Inepar, Tek Toy, entre outras. Por que a CVM não obriga essas empresas a fazer um grupamento de ações?
A formação de preço de ação de empresas que tem valor muito baixo realmente é um drama. É complicado porque qualquer mexidinha resulta num percentual muito alto e dá muita oportunidade para quem especula, para quem tenta adivinhar tendências e atua no curto prazo. Acaba virando um papel meio de jogo. Não acho que seja uma coisa que nós, da CVM, devamos fazer. A Bolsa tem feito. Mas não tem que fazer por regra, obrigar.

Nos Estados Unidos parece que o preço mínimo é US$ 3 ou US$ 4?
É US$ 1, mas é uma regra da Bolsa, não é uma regra da legislação. Se a ação baixar de US$ 1, por um determinado período, a bolsa tira, deslista. O que eu também não acho que seja do interesse dos acionistas minoritários. A bolsa não pode obrigar a empresa a fazer um grupamento para voltar a um valor unitário razoável. Ela tira a ação de negociação e deixa o minoritário sem uma bolsa para negociar. É pior.

Diante dessa crise de confiança por que passa a Europa, vários países estão tentando taxar o capital especulativo e evitar uma série de procedimentos. A CVM não se mexeu em relação a isso. Esse ambiente de desconfiança não pode contaminar o Brasil e fazer com que se tome uma medida urgente?
Quando estourou a crise, os países do G-20 fizeram aquela primeira cúpula e acordaram que era necessário adotar medidas para evitar e prevenir aquela crise e até outra de outro tipo. Em relação a esse tema dos derivativos, nós estávamos e estamos muito melhores do que a imensa maioria desses países. Estamos, na verdade, bem adiante de onde eles querem chegar com essas reformas que estão sendo colocadas. Esse mercado de derivativos, de balcão, por exemplo, é totalmente opaco, por aí afora, e gerou a crise justamente porque uma instituição como o Lehman Brothers, que operava com muita gente, era uma grande mesa de negociação global. De repente, todos os milhões de contratos com ela ficaram pendurados e ninguém sabia quantos eram nem quais. Não havia registro centralizado e informação sobre isso em lugar nenhum. Isso travou tudo, todo o sistema financeiro internacional. Aqui, esses contratos bilaterais que são feitos usando instrumentos derivativos ,têm que ser registrados numa central. Lá fora estão chamando de Trade Repository essa central, que para eles é uma coisa nova, que estão tentando implementar. Nós já temos. A Cetip e a BM fazem registro de derivativos de balcão.

Mas o nosso sistema tem sido aprimorado, até em função desse contexto de crise?
Nós avançamos desde 2008. Melhoramos as informações incluídas na Central de Registro, que não estavam tão boas para serem usadas, para somá-las e, a partir daí, termos uma boa visão sobre a exposição dentro do nosso mercado. E o que está em andamento agora é mais avançado ainda: vamos somar as exposições a derivativos que as instituições brasileiras tenham e que estejam registradas na Cetip ou na BM numa única central. Mediante autorização dos participantes, porque é coisa protegida por sigilo bancário, os próprios bancos vão poder consultar. A Central de Exposição de Derivativos está sendo estruturada.

Nós não corremos os mesmos riscos?
Não dá para dizer. Nós achamos que estamos detectando os problemas, que estamos resolvendo as questões da última crise. A próxima não sabemos qual será.

Estamos em processo eleitoral e a CVM é um dos órgãos de estado que passou por um processo de consolidação forte nos últimos dois governos. Como a senhora avalia as perspectivas do mercado de capitais e sua institucionalização a partir dos dois principais candidatos?
Acho que os dois estão mais ou menos no mesmo campo em relação a suas intenções quanto à economia. Apostam na previsibilidade, na manutenção da estabilidade, que é importantíssima para um ambiente econômico e para os investimentos. Acho que os dois certamente apostam na força do mercado de capitais para ajudar a financiar o ciclo de crescimento de que ainda precisamos e vamos precisar ainda por muito anos para poder incluir a parcela da população que está fora. Tenho a impressão de que, nesse campo, os dois estão muito próximos. Não vejo nenhum risco de que qualquer medida adotada por eles venha significar prejuízo para o mercado ou para o próprio órgão regulador, a CVM. Uma das razões para o aumento da arrecadação de 2007 foram as aberturas de capitais, que geraram mais pagamentos de impostos. Devemos esperar a continuidade disso, com maior grau de formalização, com valorização dos ativos. Também deve aumentar a capacidade das empresas brasileiras para captarem e concorrerem com as estrangeiras. As nossas empresas ficarão mais prósperas, usando as suas ações como moeda. É um mundo que se abre para o Brasil e eu tenho certeza de que nenhum dos dois candidatos vai jogar isso fora.

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