Economia

Não ao Judiciário

Preocupado com o risco de desequilíbrio fiscal incalculável, o governo escala o discreto secretário do Tesouro para negar reajuste aos 100 mil funcionários de tribunais federais do país

postado em 30/06/2010 09:04
Disposto a barrar toda e qualquer iniciativa do funcionalismo por novos aumentos salariais, o governo escalou ontem um de seus quadros mais técnicos para tentar sepultar de vez o reajuste dos servidores do Judiciário. Em uma manifestação inédita, abandonando o estilo discreto e as frases genéricas, o secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, disparou diretamente contra a proposta que prevê correções de 56%, em média, aos 100 mil empregados dos tribunais federais espalhados pelo Brasil. A área econômica considera a reivindicação exagerada e adverte que, se for autorizada, provocará desequilíbrios fiscais incalculáveis.

As mudanças nos contracheques de analistas e técnicos judiciários representariam um incremento financeiro extra da ordem de R$ 7 bilhões anuais nas despesas com pessoal, conforme estudos oficiais. O gasto, além de não estar previsto no Orçamento 2010, ainda deverá crescer por força de um efeito cascata sobre outras carreiras da máquina pública. ;O problema fiscal que isso vai gerar para este momento e para o futuro é bem forte. Sem falar no efeito sobre outras categorias. Acho que essa questão tem que ser avaliada com muito cuidado;, disse Augustin. ;Normalmente, a gente evita comentários (sobre outros Poderes da União), mas a preocupação fiscal neste caso é muito grande. Por isso, acho necessário alertar o país;, completou o secretário.

Em greve há cerca de um mês, os servidores do Judiciário acompanham com ansiedade a tramitação na Câmara dos Deputados do projeto de lei que prevê o aumento. O texto original enviado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) já foi aprovado pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público. Resta o aval das comissões de Finanças e de Constituição e Justiça para, aí sim, ir a plenário. Pressionada, a base governista articula votar a proposta só depois das eleições, mas o líder do governo, Cândido Vaccarezza (PT-SP), adiantou aos colegas que pretende rediscutir os valores.

A folha com servidores e encargos cresceu R$ 440,9 milhões entre abril e maio, totalizando R$ 12,4 bilhões. A elevação ocorreu devido ao pagamento de passivos judiciais e administrativos do Poder Judiciário e do Ministério Público da União (MPU). Em relação ao crescimento nominal do Produto Interno Bruto (PIB), os gastos com pessoal apresentam queda real de 4,6%, mas o percentual deverá aumentar com a tendência de avanço da produção de riquezas no país para este ano.

Xadrez
O secretário do Tesouro defendeu os reajustes que foram concedidos de forma escalonada pelo governo desde 2008. O superpacote de bondades(1) beneficiou todos os servidores do Executivo com ganhos para algumas carreiras de mais de 150%. Segundo Augustin, as mudanças são ;compatíveis com o ritmo de crescimento do Brasil; e ajudaram a alinhar os recursos humanos da burocracia estatal. ;Os novos aumentos é que não são;, advertiu. A terceira e última parcela da correção será paga em julho e custará, conforme o Ministério do Planejamento, cerca de R$ 11 bilhões.

Para o economista-chefe do Banco Schahin, Silvio Campos Neto, aumentos de salários como os exigidos pelos servidores do Judiciário devem ser evitados. ;São totalmente prejudiciais para a gestão das contas públicas. É um absurdo, do ponto de vista econômico, dar reajustes quatro, cinco ou seis vezes acima da inflação;, ponderou. Bastante criticado por aumentar a conta de mão de obra em 2009, mesmo em um ano de crise, o governo tem procurado agora controlar as despesas dessa natureza. Entre janeiro e maio deste ano, os gastos com pessoal avançaram 8,4% em termos nominais, enquanto que no mesmo período do ano passado cresceram 22,6%, de acordo com o Tesouro Nacional.

A Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe) saiu em defesa do pleito de seus associados e comparou os ataques do governo a um jogo de xadrez. Ramiro López, coordenador-geral da entidade, disse que a resistência faz parte de uma estratégia e já era esperada pela categoria, mas destacou que o projeto de aumento é viável. ;A proposta levou em conta a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e outras questões. Está tudo de acordo. Achamos que o pedido é justo;, disse.

1 - No atacado
Os reajustes salariais autorizados pelo governo federal em 2008 vêm sendo pagos aos servidores de forma escalonada. Civis e militares foram contemplados. As categorias aguardam para este ano a complementação do aumento. Do outro lado, partidos de oposição na Câmara e no Senado acusam o Palácio do Planalto de aumentar as despesas fixas que terão de ser honradas pelo próximo presidente da República.

"O problema fiscal que isso vai gerar para este momento e para o futuro é bem forte. Sem falar no efeito sobre outras categorias. Essa questão tem que ser avaliada com muito cuidado;

Arno Augustin, secretário do Tesouro

"Normalmente, a gente evita comentários (sobre outros Poderes da União), mas a preocupação fiscal neste caso é muito grande. Por isso, acho necessário alertar o país;
Arno Augustin, secretário do Tesouro

Análise da notícia
Mudança de postura

As reações que partem do governo contra a proposta de reajuste dos servidores do Judiciário têm servido de recado para carreiras do Executivo que, a despeito do calendário eleitoral, se assanham em pedir aumentos salariais neste ano. Ainda que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha dito que não cometerá ;sandices; e que o ministro do Planejamento Paulo Bernardo tenha repetido que não há dinheiro em caixa, alguns setores da administração direta acreditam ser possível dobrar o Palácio do Planalto.

Mas não são as pressões vindas dos ministérios as que mais incomodam a União. Recentemente, o Legislativo aprovou planos de cargos que terão custos pesados neste e nos próximos anos. Agora, é a vez da Justiça, que já possui, na média, salários competitivos. Tradicionalmente, o Executivo não interfere em negociações envolvendo empregados de outros Poderes em respeito ao princípio da autonomia. Desta vez, no entanto, é diferente. A postura mais explícita dos donos do cofre indica uma mudança importante de comportamento. (LP)

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