Economia

Quando a bolha do dólar vai estourar?

postado em 06/08/2010 08:45
; Heberth Xavier

Prepare-se, pois algo precisará ser feito em relação ao mercado de câmbio brasileiro. Os últimos números das contas externas mostram uma deterioração crescente e perigosa, sugerindo que o real, na cotação dos últimos meses (em torno de R$ 1,75), está no lugar errado ; ou sobrevalorizado, como ressaltou ontem o Fundo Monetário Internacional (FMI), chefiado por Dominique Strauss-Kahn. O problema é que, mesmo ciente disso, o Banco Central também sabe que o espaço para manobras é atualmente inexistente. O ditado é surrado, mas até que cai bem para o caso: o BC está naquela situação em que se correr, o bicho pega; mas, se ficar, o bicho come.

A curto prazo e na pior hipótese, já há quem fale que muita gente perderá dinheiro. Como já ocorreu em vários momentos da história econômica brasileira, o país não está conseguindo sustentar uma moeda tão valorizada. A indústria parou de crescer, o rombo externo bate recordes e os produtos brasileiros perdem competitividade no mundo, sobretudo na comparação com a China. O que fazer? Desvalorizar o real, certo? Mas como fazê-lo sem causar impacto na inflação? Ou como fazê-lo em pleno período de eleições presidenciais?

O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, resume assim: ;Há uma semente germinando e essa é a única certeza que temos, a de que o deficit externo continuará crescendo. A menos que algo seja feito;. Ele, porém, se mostra cético e acrescenta: ;Não é preciso fazer nada radical para ajustar o nível do câmbio. Mas, mesmo algo gradual, é improvável agora, às vésperas das eleições;.

Um resumo da armadilha em que está o BC: no primeiro semestre deste ano, o Brasil registrou o pior resultado nas transações com o exterior em 63 anos. O rombo mais do que triplicou, de US$ 7,2 bilhões, em 2009, para US$ 23,8 bilhões. Esse é um lado do pêndulo. O outro é aparentemente paradoxal. É que as apostas no mercado financeiro ainda são de valorização forte do real

Strauss-Kahn, do FMI, alerta para a forte valorização do real ante o dólar. Fundo prevê crescimento de 7,1% para o BrasilComo explicar essa contradição? Simples, pois apostar na valorização do real ante o dólar rende muito para investidores daqui e do exterior. Apostando nisso, eles tomam capital a juros baixos lá fora, emprestam a grana ao governo brasileiro (a taxas bem maiores) e, com o lucro dessa operação e o ganho na hora de converter de volta para dólares, têm um jeito de ganhar dinheiro fácil e de risco quase zero (veja quadro ao lado). A aposta no real ainda mais forte se sustenta em operações previstas para os próximos dias, como a capitalização da Petrobras.

Como funciona

A percepção de que há algum problema no câmbio faz com que o país receba muito capital especulativo, aquele que não fica muito tempo. Quem traz esse dinheiro ganha duas vezes

; Imagine um investidor que tenha tomado no exterior um empréstimo de US$ 1 bilhão, pagando juros de 1% ao ano (compatível com a taxa atual na média dos países ricos).

; Esse investidor vem ao Brasil e converte o dinheiro para reais. Hoje, digamos, a uma cotação de R$ 1,75. O US$ 1 bilhão vira, portanto, R$ 1,75 bilhão.

; Esse aplicador compra títulos do governo, corrigidos pela taxa básica (Selic). Como se sabe, são investimentos de risco quase zero que, comparados ao resto do mundo, pagam muito bem ; 10,75% ao ano. Ao fim de 12 meses, portanto, cerca de R$ 180 milhões serão adicionados ao R$ 1,75 bilhão original.

; O investidor ganha ainda mais se o real se valorizar no período ; o que ocorreu no ano passado. Se o dólar tiver caído para, por exemplo, R$ 1,65, converterá seus reais e ficará com pouco mais de US$ 1,16 bilhão.

; O ganho será mais do que suficiente para pagar a dívida tomada no exterior, a 1% ao ano, que, ao fim de 12 meses, de US$ 1,1 bilhão. O investidor paga o débito e ainda fica com US$ 150 milhões ; detalhe: sem usar nem sequer um dólar de recursos próprios.

; Essas operações foram estimuladas nos últimos meses, quando cresceu a percepção, entre os agentes financeiros, de que o real tende a se valorizar em relação ao dólar. Contribuem para isso, entre outros fatos, a expectativa de entrada recorde de dólares no país ; para a capitalização da Petrobras, por exemplo.

; Mas e se isso não ocorrer? Se a entrada de dólares reduzir-se, via um fracasso ou novo adiamento da capitalização da Petrobras, ou diminuição drástica da entrada de investimentos diretos no país? A piora acentuada das contas externas brasileiras também trabalha contra o real mais forte, já que isso deixa a indústria nacional menos competitiva, impactando as exportações.

; Esse é um temor já falado no mercado, ainda por enquanto à boca pequena: alguns fundos e empresas estariam descobertos, ou seja, teriam vendido dólares sem tê-los para entrega futura, acreditando que a moeda será comprada a um preço menor do que hoje. Na crise mundial, no fim de 2008, empresas como a Sadia e a Aracruz perderam muito com isso. Teme-se a repetição de algo semelhante agora.

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