Economia

Donas de casa trocam produtos e mudam de marcas para não sancionar carestia

Segundo analistas, a corrida por formação de estoques pode ter efeito contrário e estimular altas maiores das mercadorias. Momento exige cautela

postado em 27/03/2011 08:23
Muita gente imaginava que as remarcadoras de preços tinham desaparecido. Mas elas estão nos supermercadosA nova geração não tem recordações da monstruosa inflação que assolava a economia do país nos anos 1980 e 1990. Naquela época, o descontrole dos preços levava a uma corrida por produtos que, no dia seguinte, valeriam ouro. Ainda que o país esteja longe de ser engolido pela velha inimiga, a comerciante Maria Zélia da Silva, 61 anos, já mudou os hábitos de consumo. ;Se está muito caro, eu não compro. Isso vale para a carne, para o feijão, para o leite. Temos de nos rebelar, trocar produtos, mudar de marcas;, aconselha. Sempre que tem oportunidade e encontra o que está procurando em oferta, Zélia arremata em grande quantidade e estoca. ;Pode não ser a melhor opção. Mas é uma forma de se prevenir da disparada dos preços;, acrescenta.

Apesar da sabedoria das donas de casa na administração do orçamento doméstico, os especialistas dizem que estocar produtos, principalmente alimentos, é um exagero. Haroldo Mota, professor de finanças da Fundação Dom Cabral, lembra que o Brasil de hoje é completamente diferente do de 25 anos atrás. Ele reconhece que há, atualmente, um movimento de alta de preços, mas que começa a ser contido por ações do Banco Central, como a alta da taxa básica de juros (Selic) e medidas prudenciais para conter o crédito.

;Depois da estabilização da moeda, o avanço da inflação que observamos hoje não justifica a antecipação de consumo;, afirma Mota. ;Sendo assim, fazer estoques é desnecessário e pouco eficiente. Por duas razões. A principal é de ordem macroeconômica. Quando se antecipa o consumo, a demanda aumenta, os preços se aceleram e todos perdem;, diz. ;A segunda é que a eventual economia de antecipação e de formação de estoque pode ser enganosa, pois, comprando mais, pode-se acabar consumindo mais;.

Bolso apertado
Fábio Romão, analista da LCA Consultoria, explica que o mais saudável para o bolso, hoje, é não estocar ou antecipar consumo. No seu entender, os preços podem subir em determinado momento mas, dependendo do cenário, podem voltar a baixar. ;O quadro atual é diferente do verificado nos anos 1980 e 1990;, garante. Mas ele admite que já é comum encontrar casas com despensas e freezeres. Também está se tornando rotina vizinhos se juntarem para ir aos atacadões e comprarem em grandes quantidades para obter descontos. São esses mesmos consumidores que, nos mercados, se digladiam quando para tirar proveito da promoções relâmpagos.

Muita gente imaginava que as remarcadoras de preços tinham desaparecido. Mas elas estão nos supermercados;Medidas estão sendo tomadas para frear a alta de preços. Os efeitos da elevação da Selic (que passou de 10,75% para 11,75% em 2011) são defasados. Demoram de seis a nove meses para mostrar os impactos sobre a atividade e os preços;, argumenta Romão. Ele destaca ainda que o Banco Central adotou medidas prudenciais que deixaram o crédito mais caro e os prazos de pagamento, mais curtos. Além disso, os bancos tiveram de recolher compulsoriamente, desde dezembro do ano passado, mais de R$ 90 bilhões aos cofres da autoridade monetária. ;Tudo isso ajudará a conter o consumo e a reverter a onda de remarcações dos preços. É questão de tempo.;

A despeito do que já foi feito, os analistas reconhecem que o BC terá de promover pelo menos mais uma alta dos juros e a baixar mais restrições ao crédito. Com isso, o nível da atividade econômica, que pressiona, sobretudo, os preços dos serviços (cabeleireiro, mecânico, chaveiro, entre outros), deverá arrefecer, com o ritmo de expansão acomodando-se em torno de 4%.Uma desaceleração para esse patamar (no ano Nos restaurantes, os cardápios estão rasurados, mostrando que os aumentos constantes estão se tornando rotinapassado, o PIB deu um salto de 7,5%), na teoria, deve colocar o país de novo em uma rota de inflação mais cômoda para os consumidores.

Promessa deve ser cumprida
O economista Aurélio Bicalho, do Itaú Unibanco, diz que, com a atividade esfriando, o mercado de trabalho também se acomodará e o aumento da renda não deixará de ser um impulsionador do consumo, ajudando no combate à inflação. Ele ressalta, porém, que o governo terá de fazer a sua parte, ao cumprir, na íntegra, a promessa de cortar R$ 50 bilhões do Orçamento deste ano. O peso do Estado na economia brasileira ainda é muito grande. Se estimular demais a demanda pode minar todo o esforço que vem sendo feito pelo Banco Central para levar a inflação ao centro da meta, de 4,5%, até o início de 2011.

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