Economia

Recuperar credibilidade é desafio de Ilan no BC, diz economista

Meta de inflação não é cumprida desde 2009, custo de vida permanece alto e rombo nas contas públicas dificulta a queda de juros

Antonio Temóteo, Paulo Silva Pinto
postado em 10/06/2016 06:00


O modo afável de tratar as pessoas, sempre em voz baixa e frequentemente com um sorriso, não deve levar o interlocutor ao engano. Ilan Goldfajn é seguro do que quer e é firme ao expressar posições e cobranças. Vai depender bastante desses atributos na presidência do Banco Central (BC), da qual tomou posse ontem no Palácio do Planalto em cerimônia fechada ; a transmissão de cargo, que receberá de Alexandre Tombini, está prevista para a próxima segunda-feira.

O economista assume a condução da autoridade monetária em um momento de grande pressão, devido à falta de credibilidade da política monetária. A inflação ficou acima do teto da meta, de 6,5%, em 2011, quando Tombini assumiu, e em 2015 ; e bem próximo do teto nos outros anos. O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) médio nesse período foi de 7,03%. Além disso, a política fiscal não tem ajudado, com deficit primário nas contas públicas desde 2014, o que aumenta a pressão inflacionária.

Ilan foi diretor de Política Econômica do BC entre 2000 e 2003. Mas só recentemente, como economista-chefe do Itaú Unibanco, ganhou do mercado o rótulo de dovish, por se alinhar entre os que acreditam que há espaço para a Selic, taxa básica de juros, ser reduzida no segundo semestre. Mas, durante a sabatina no Senado, na terça-feira, ele apresentou um sinal no sentido contrário. Destacou o compromisso de buscar o centro da meta, de 4,5%. Isso foi interpretado como uma indicação de que poderá ter uma atitude mais dura na condução da política monetária do que inicialmente previsto, o que significará a postergação do ciclo de redução e cortes menores da taxa.

Foi o que entenderam analistas das duas maiores instituições financeiras privadas do país ; o Itaú Unibanco, no qual Ilan atuava, e o Bradesco ;, que revisaram para cima a expectativa de redução da Selic, atualmente em 14,25% ao ano. Para os dois bancos, o ano vai terminar com os juros básicos a 12,75%, em vez dos 12,25% que projetavam inicialmente.

;Há uma interpretação errada no Brasil de que é bom ser hawkish e ruim ser dovish. Na verdade, são características que fazem mais ou menos sentido, dependendo da situação;, comentou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. ;Se Ilan entregar a inflação em 5,5% no próximo ano, saindo de 7,10% neste, já será um golaço;, afirmou.

Na avaliação dela, o novo presidente do BC procurará dar à instituição uma operação mais técnica do que se viu com Tombini. ;Ele será menos previsível, o que é importante para que o mercado não anteveja os resultados;, disse Zeina. Isso será especialmente significativo, destacou, na atuação sobre o câmbio, no sentido de conter a volatilidade do dólar. Ao admitir conforto com uma taxa mais baixa, no Senado, Ilan provocou queda expressiva da divisa na quarta-feira, quando a moeda atingiu R$ 3,37, a menor cotação desde julho de 2015. Zeina disse duvidar, no entanto, que o novo presidente do BC persiga uma taxa de câmbio mais baixa, pois não terá controle sobre isso diante dos grandes movimentos globais de capital.

Para o ex-diretor do BC Carlos Eduardo de Freitas, que atuou ao lado de Ilan, a queda do dólar reflete também uma aposta em uma política monetária com maior credibilidade. ;Isso se deve a ele, que tem grande reputação no Brasil e no exterior, e também ao presidente interino, Michel Temer, que demonstrou considerar as leis de mercado a melhor forma de organizar a economia. É diferente do que pensa a presidente afastada, Dilma Rousseff;, argumentou. Com a ressalva de que o governo emitiu sinais contraditórios ao apoiar o aumento salarial de funcionários públicos, Freitas vê mais chances de que Temer promova um ajuste fiscal pelo lado da despesa, abrindo espaço para a redução da taxa de juros.

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), disse que Ilan sugeriu na sabatina que será cauteloso nos cortes da Selic. ;Pouca coisa vai mudar na atuação do BC;, disse. Na avaliação dele, vários fatores deixam de ser levados em consideração no Brasil nas políticas cambial e monetária. No primeiro caso, o fato de que países grandes, como a China, adotam mecanismos de controle de capitais. Quanto aos juros, Belluzzo considera que 40% da taxa se deve a razões históricas. ;Entre 1999 e 2013, houve superavit primário e, mesmo assim, a Selic ficou alta;, apontou.

Para o economista Silvio Campos Neto, da Tendências Consultoria, o preço do dólar nos últimos dias foi afetado pela decisão do Federal Reserve (Fed) de adiar o aumento dos juros nos Estados Unidos. O mercado aproveitou para especular como o BC vai lidar com essa situação. Para ele, o ideal é que o país tenha uma taxa de câmbio flutuante e que a autoridade monetária só faça intervenções para conter excessos de volatilidade. ;Com o preço da divisa norte-americana nesse patamar é possível que Ilan aproveite para desmontar suas posições de swap;, detalhou, em referência às operações que equivalem à venda de dólares no mercado futuro e que foram usadas para reduzir as instabilidades do mercado.

Campos Neto ainda indicou que a principal missão do presidente do BC é cumprir a meta de inflação, o que não ocorre desde 2009. Ele alertou que o contexto é desfavorável para cumprir essa missão, com o rombo nas contas públicas e as incertezas em relação à aprovação de reformas no Congresso. ;Temos ainda alguns choques de oferta que atrapalham esse processo. A missão será difícil.;

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