Economia

'Retomada será abortada se crise se prolongar', diz especialista

O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale ressalta que projetos de investimentos que estavam por ser definidos podem ser adiados

Rosana Hessel, Paulo Silva Pinto, Vicente Nunes
postado em 25/05/2017 06:00

O Brasil não aguenta mais conviver com tanta incerteza política, diz o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Antonio Megale. Na avaliação dele, se a turbulência que enfraqueceu o presidente Michel Temer se prolongar por mais tempo, a retomada da economia que se observou nos últimos meses será abortada e o risco de o país mergulhar novamente na recessão será enorme.

Ele ressalta que projetos de investimentos que estavam por ser definidos podem ser adiados. ;Essa decisão não é tomada em uma semana;, diz, referindo-se ao impacto provocado pelas delações dos irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS, que fizeram ruir a base política de Temer. ;Caso as indefinições se prolonguem, as matrizes das montadoras podem adiar projetos futuros no país. Nesse caso, perde-se um ou dois anos de investimentos;, afirma.

Megale conta que o Brasil era o quarto mercado mundial de automóveis até 2012; hoje, é o nono. ;Só estávamos atrás de China, Estados Unidos e Japão. Chegamos a passar a Alemanha. Agora, tiramos o pé do acelerador. Perdemos posição até para o México;, assinala. Para ele, ainda vai demorar para o país recuperar as posições perdidas.

;Queremos uma política que dê competitividade à indústria;, frisa Megale. Ele destaca que o setor automotivo começou o ano com queda na produção de 10%, mas a retração recuou para apenas 0,5% até maio. Mantida essa recuperação, a previsão é fechar o ano com avanço de 4%. Isso, é claro, se a crise política não prejudicar a retomada. A seguir, os principais trechos da entrevista:


Como é que o setor avalia a crise política na qual o país mergulhou com a delação premiada dos donos da JBS?
Para nós, da indústria, é um motivo de muita preocupação. O setor atravessa uma situação complicadíssima, que vem desde 2013, quando tinha mais ou menos 3,7 milhões de carros vendidos no mercado interno. Esse número caiu para 2,050 milhões unidades no ano passado. O pico, na verdade, foi em 2012, com 3,8 milhões de unidades. E depois de vários anos de queda, chegamos ao menor resultado dos últimos 10 anos em 2016. Em 2012, a estimativa da indústria era chegar a 5 milhões e, em vez disso, caiu. Neste ano, estávamos começando a ver os primeiros sinais de retomada e a nossa projeção era crescer 4%, mas hoje não sabemos mais se isso vai acontecer. Essa previsão significava uma aposta de crescimento nas vendas já no primeiro semestre. Mas não temos mais tanta certeza agora com essa instabilidade.

E agora, como fica essa projeção?

A produção cresceu 20,9% até abril, mas os licenciamentos caíram 2,4%. Em maio, o cenário estava mudando. Até ontem, o emplacamento tinha apenas 0,4% de queda. Isso significa estável. Agora, estamos muito preocupados porque, naturalmente, complicou a situação. A sinalização que estava sendo dada das reformas era muito positiva. O nosso setor apoia as reformas trabalhista e previdenciária. Se não for equacionada a questão da Previdência no país, realmente, estaremos em uma situação muito difícil no futuro. Temos uma insegurança tremenda na questão trabalhista. E essas reformas, de certa forma, melhoravam muito a situação.

Para a imagem do país, como fica essa questão da corrupção? Qual é o peso que isso tem na decisão de investimento?
Isso pesa muito. O que estamos tentando construir é uma visão de previsibilidade e de uma situação estável. A cada um desses fatos que acontecem, o investidor naturalmente tira o pé. É uma dificuldade para nós aprovarmos investimentos em um momento tão instável como o atual. Obviamente, como todo mundo falava que o Brasil tinha um potencial de crescimento enorme, os investimentos não foram cancelados. Algumas empresas até estão anunciando investimento e contratação. Eles acreditam que aqui é lugar para produzir para o mercado e para a exportação. Mas, uma associada montou uma fábrica no interior de São Paulo e está sem funcionar. Está há um ano e pouco pronta esperando o mercado retomar.

Hoje, o que representa para a indústria a indefinição do governo que não se sabe se continua?
O ciclo de produção de um modelo é de mais ou menos de quatro a cinco anos. O que está sendo afetado é o investimento em fase de aprovação para os veículos que virão daqui a quatro ou cinco anos. Os projetos que estão em fase de maturação no momento não podem parar, porque já foi gasto uma boa parte do investimento aprovado lá atrás. Mas essa incerteza atrapalha a visão de futuro e as projeções do tamanho do mercado, que determinam o tamanho do investimento e se ele pode se pagar. Quando há instabilidade, naturalmente, as previsões sofrem alterações. Em uma semana, ninguém muda nada. Mas há, no mínimo, um alerta. No momento, estamos tentando explicar para as matrizes o que está acontecendo no Brasil.

O que acontece se a crise se prolongar?
Aí sim, sem dúvida, as matrizes podem adiar a aprovação de um projeto no país. Nesse caso, perde-se um ano ou dois anos de investimentos. O que vai sair daqui a dois anos e meio ou a três anos já foi aprovado. Mas qualquer decisão futura será comprometida.

Qual é o principal problema hoje do Brasil?
É político, sem dúvida. A política está segurando a economia. Hoje vemos que a atividade está a ponto de voltar a crescer. Estamos com o carro na largada com o motor acelerando e esperando alguém dar o sinal para a partida. Só que, na hora que a bandeira é levantada, vem alguém e diz: segura um pouquinho.

É possível operar no mercado sem corrupção?
Sem dúvida. E é legítimo defender interesses. Estamos negociando com o governo uma nova política de longo prazo para o setor, que dure de 10 a 15 anos, e dê previsibilidade para investimentos. Não estamos pedindo redução de imposto. Mostramos que é preciso melhorar a produtividade e, para isso, é necessária uma política de longo prazo para o país. Se não avançarmos na questão de competitividade, quando sair o acordo de livre comércio com a União Europeia, que está sendo negociado pelo Mercosul, a indústria nacional vai ter dificuldades para se sustentar lá na frente. São necessários programas de localização de tecnologias. Se não tiver apoio como no Inovar Auto, quem investir em pesquisa e desenvolvimento (P) tem que ter um incentivo, como ocorreu na Coreia do Sul. Se não desenvolvermos a área de engenharia e design no país, vamos ficar à deriva do que está sendo feito lá fora. O país precisa participar do desenvolvimento dos produtos globais.

Como a associação se posiciona sobre o envolvimento da Mitsubishi e da Caoa nas denúncias da Operação Zelotes, da Polícia Federal?
A Anfavea não comenta caso específico de associado. Primeiro, tinha um vice-presidente que era representante de uma dessas empresas citadas e ele foi afastado no mesmo dia. O que uma montadora faz, a entidade não tem controle. Mas as medidas de apoio regionais são legítimas. Se elas não existissem, a indústria automotiva estaria toda concentrada no ABC paulista. Todas as montadoras que foram para Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Goiás e Bahia tiveram benefícios, como acontece lá fora. O que não pode é exagerar.

Como foi o desempenho do setor automotivo neste início de ano?

É o primeiro ano da recuperação. A produção está indo bem e a exportação também. Para se ter uma ideia, até abril, nós exportamos, no acumulado, 232,2 mil carros. Esse é o melhor quadrimestre da história para o período e representa um terço da produção nacional.

O Brasil caiu muito no mercado global?
O país era quarto maior mercado mundial em 2012 e hoje é o nono. Só estávamos atrás de China, Estados Unidos e Japão. Chegamos a passar a Alemanha naquela época. Agora, tiramos o pé do acelerador e a turma está passando. Perdemos posição até para o México, que está produzindo mais 3 milhões por ano e é um mercado exportador. O consumo doméstico absorve cerca de 1,5 milhão de unidades.

É possível prever que o país vai voltar a ser um mercado grande, com aquelas 5 milhões de unidades vendidas?
Vai demorar, mas ele pode chegar. O prazo é difícil. Existe um indicador, que é o índice de motorização, que é a relação de habitantes por automóvel. Nos Estados Unidos, essa taxa é de 1,2. quer dizer, tem um 1,2 habitante por veículo. Na Europa, 2 habitantes por automóvel. No Brasil, é mais ou menos 5,5, e, na Argentina e no México, esse índice é de 3/3,5. Ou seja, para o país chegar no nível da Argentina ou do México, a indústria precisaria colocar no mercado mais 20 milhões de carros. E estamos vendendo 2 milhões por ano.

Mas aqui um mesmo carro e modelo custa duas ou três vezes mais do que nos Estados Unidos, por exemplo...
Isso tem a ver com o imposto. Mas é também questão de competitividade.

O imposto é um aliado da indústria, que sempre teve proteção do governo?
Boa parte da carga tributária nos Estados Unidos é 6%. Aqui, em média, é de 35%. Nosso custo trabalhista no Brasil é três vezes o do México. Temos dezenas de milhares de ações trabalhistas. Algumas empresas têm um custo jurídico muito forte, o número de ações aqui chega a ser 100 vezes maior do que em outros países. Em alguns casos, chega a 1.000 vezes a mais do que lá fora. A diferença é muito grande. As grandes empresas têm um custo muito alto na questão tributária e trabalhista. Tanto que um dos pilares da agenda automotiva para 2030, que apresentamos ao presidente Temer no mês passado, pede política para a recuperação da base de fornecedores, melhora nas relações trabalhistas e simplificação tributária, entre outras medidas.

Ainda existe uma defasagem do que é produzido aqui com o que é feito lá fora, de quanto?
Hoje é muito pequena. Depende da indústria. No caso da minha empresa (Volkswagen), por exemplo, o nível de motores que tem aqui é igual ao da Europa. Antes não. Eu diria que antes a defasagem era de uns 10 anos. Só para ter uma ideia, sem entrar muito na área técnica, os motores eram todos de ferro fundido. E hoje são de alumínio, turbo e melhores, a maior parte. Antes tinham quatro cilindros e hoje, três, mas são mais potentes e mais leves e com menor consumo de combustível. Melhorou muito essa questão e o mercado agora precisa ter uma política que venha suceder o Inovar Auto e que tem que estar vigente a partir de 1; de janeiro.

Mas se o Inovar Auto vai ser condenado pela OMC, como fazer uma outra política que não seja condenada também?
Temos que fazer uma política que não tenha os itens que estão sendo condenados pela OMC. O órgão não condena uma coisa que o Inovar Auto tinha que é o apoio ao P no país. Para quem fizesse investimento em pesquisa e desenvolvimento, o governo dava um incentivo. A OMC não condena isso porque todos os países fazem o mesmo. Ela só condenou o foco principal, pelo que a gente sabe por alto, porque o material ainda não foi disponibilizado para podermos analisar. Está sendo traduzido. A informação que temos das autoridades do Itamaraty é que a única coisa que está sendo condenada é a parte da obrigação de compra de peças do mercado local. Então, isso não vai poder ter mais, assim como os 30 pontos percentuais no IPI, nessa nova fase.

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