Economia

Ida de Joesley para os EUA pode ser tiro no pé, avaliam especialistas

Avaliação é de que a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é bem mais rígida do que a autarquia brasileira; lá, um crime financeiro colocaria os irmãos Batista presos por mais tempo

Rosana Hessel - Enviada Especial
postado em 26/05/2017 06:00
Empresário Joesley Batista

A sensação de que o empresário Joesley Batista, ao ter viajado para os Estados Unidos, escapou da cadeia ; beneficiado por acordo de delação premiada; para viver livre, leve e solto em Nova York com a família, o jatinho particular e o iate de luxo pode estar com os dias contados. Especialistas não têm dúvidas de que a Securities and Exchange Commission (SEC), órgão americano equivalente à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), é bem mais rígida do que a autarquia brasileira. Lá, o peso de um crime financeiro é muito maior e os donos da JBS ficariam presos por mais tempo do que se fossem punidos no Brasil.



Além de a JBS ter vários frigoríficos nos Estados Unidos e ações negociadas em Nova York, a holding J tem subsidiárias norte-americanas. Portanto, Joesley Batista estará sujeito às leis de lá ao admitir que comprou dólares na véspera da divulgação da delação premiada. Além disso, as suspeitas de que ele e o irmão Wesley Batista usaram informações privilegiadas para lucrar quase R$ 500 milhões com a venda de ações da JBS, entre outras irregularidades, podem ser objeto de investigação nos EUA.

;A normatização da SEC é muito mais acentuada do que a da CVM. É pouco provável que os empresários consigam escapar da prisão e de uma multa bastante rigorosa nos Estados Unidos;, avaliou o advogado Sérgio Camargo, especialista em crime organizado pela Universidade de Salamanca (Espanha) e professor de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ).

Para Camargo, apesar de o impacto inicial ser como um ;soco no estômago do país;, a percepção, a longo prazo, é de que eles não conseguirão escapar de uma punição exemplar na terra do Tio Sam. ;A família Batista também vai enfrentar processos dos acionistas norte-americanos por conta dos danos colaterais da delação premiada. Essa fatura pode ser bem alta;, avisou. Outra empresa envolvida em escândalos de corrupção da Operação Lava-Jato, a Petrobras pode ser multada em cerca de US$ 20 bilhões nos Estados Unidos devido aos processos de acionistas.

O sociólogo e sócio da Arko Advice Thiago Aragão também não tem dúvidas de que a punição dos irmãos Batista nos EUA será muito mais dura do que no Brasil. ;Aqui, não vemos ninguém preso por operar no mercado com informação privilegiada (insider trading), mas, nos Estados Unidos, isso é muito comum e as penas vão de 10 anos a 20 anos, dependendo da gravidade do crime;, alertou.

Um investidor estrangeiro que pediu para não ser identificado criticou a morosidade da CVM em investigar irregularidades na JBS e também em empresas citadas na Lava-Jato listadas na bolsa. Ele mostrou indignação sobre a série de denúncias de pagamento de propinas a políticos. ;A questão mais grave é que não tenho conhecimento do que a CVM tem feito acerca de uma companhia ser roubada pelos controladores. A J, que tem 44% das ações nas mãos da família Batista, tem retraído recursos da companhia para pagar negócios políticos, o que não foi identificado nem pela CVM nem pelos auditores independentes;, criticou. ;Isso é muito ruim para a imagem do mercado acionário. O investidor estrangeiro compra de 50% a 70% das ações de empresas que fazem IPO (abertura de capital) na bolsa. Ele deixará de olhar para o Brasil se perceber que não se coíbe a corrupção e as atitudes de controladores que lesam minoritários;, avaliou.

A CVM divulgou a abertura de sete processos administrativos para investigar as irregularidades dos controladores da JBS somente após a divulgação da delação premiada dos irmãos Batista. Aragão criticou a demora da autarquia e lembrou que a morosidade é uma praxe. No caso da Oi, operadora em processo de recuperação judicial, a CVM ainda não concluiu as investigações, que correm o risco de não terem veredito antes da venda da empresa.


Falha

Para um ex-diretor da CVM, que pediu anonimato, o órgão ;falha na fiscalização ao não punir com rapidez;. Procurada, a autarquia evitou comentar as críticas e disse que, ;em razão de informações surgidas recentemente no contexto do acordo de colaboração de executivos da JBS com o MPF (Ministério Público Federal), a CVM questionou a companhia sobre essas informações;. A resposta, enviada pela JBS na terça-feira, está ;em análise;.

A advogada Rita Maria Scarponi, ex-conselheira da CVM, ressaltou a necessidade de mudanças na legislação, que é de 1976. ;As regras precisam atribuir instrumentos aos fiscalizadores;, afirmou. Para ela, ;os procedimentos ilegais da empresa no Brasil podem ter uma punição ;mais dura; na SEC;.

Procurada, a JBS justificou que a viagem da família Batista para o exterior ocorreu ;por razões de segurança;. A empresa não comentou a possibilidade de extradição do empresário. De acordo com o Itamaraty, não há nenhum pedido feito pelo Ministério da Justiça nesse sentido.


STF vai avaliar termos da delação

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello disse ontem que vai analisar o mandado de segurança do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd), que pede a anulação dos termos da delação premiada assinada pelos executivos da JBS. Porém, o ministro pretende receber, antes, os representantes da entidade. O encontro será na semana que vem. ;O conteúdo excepcionalmente benevolente e generoso do acordo (;), em favor dos colaboradores e desfavor da coletividade brasileira, viola os princípios de proporcionalidade, razoabilidade e moralidade;, defende o Ibradd. Nos bastidores, ministros dizem que o pedido não será atendido.

Tabela mostra oscilação da JBS no mercado

Ilustração mostra homens preocupados com queda de ações

Ações da JBS disparam 22,54%

Os rumores de que a holding J Investimentos, controladora da JBS, poderá vender subsidiárias com marcas consolidadas no mercado doméstico ajudou a atenuar a queda recente dos papéis do frigorífico dos irmãos Joesley e Wesley Batista. As ações da JBS dispararam ontem e fecharam com alta de 22,54%, cotadas a R$ 8,21, com a maior alta do pregão da bolsa paulista.

Ontem, a Bolsa de Valores de São Paulo (BM) encerrou em queda de 0,05%, a 63.227 pontos, após dois dias de alta. O mercado sofre forte volatilidade desde a divulgação da delação premiada dos irmãos Batista na Procuradoria-Geral da República (PGR), o que deu origem à maior crise política do governo Michel Temer.

As informações de que a J, também controlada pela família Batista, poderia vender empresas como a Alpargatas, fabricante das sandálias Havaianas, a Vigor e o Banco Original reduziram as perdas, mas não foram suficientes para reverter a queda de 27,75% dos papéis da JBS no ano. A notícia foi considerada positiva pelo mercado. ;A interpretação foi de que os controladores devem privilegiar o negócio principal do grupo, que são os frigoríficos. O mercado gosta de empresas mais focadas;, explicou Hugo Monteiro, gerente de produtos da BullMark.

A JBS vai precisar de caixa para pagar multas ou cobrir dívidas de curto prazo, que são elevadas, sem afetar o resultado operacional da empresa. ;Esse dinheiro precisa vir de algum lugar e não pode ser do bolso do acionista minoritário;, disse. Monteiro não descartou o risco de queda na demanda pelos produtos das marcas do grupo J por conta de possível boicote de consumidores indignados com a corrupção.

Procurada, a J investimentos negou a venda de ativos e informou que a empresa e as controladas ;prosseguem operando normalmente;, sem queda na demanda de seus respectivos produtos em supermercados. ;Os atos ilícitos cometidos no passado foram comunicados à Procuradoria-Geral da República e estão documentados nos autos da delação homologada pelo Supremo Tribunal Federal. Nenhum desses atos envolve a qualidade dos produtos ou a excelência operacional;, disse, em nota.

Para Monteiro, a Bovespa continuará nesse sobe e desce devido às incertezas políticas e também pela morosidade dos órgãos fiscalizadores em tomar providências sobre operações suspeitas. ;A delação mostrou que a corrupção está institucionalizada em várias empresas de capital aberto no Brasil. O mercado e o investidor institucional sabem que, no fim das contas, o xerife está sem autoridade e sem poder para liderar um movimento que melhore a governança corporativa;, resumiu.

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