Economia

Crise adia redução da meta de inflação diz ex-diretor do Banco Central

José Julio Senna também é pesquisador do Ibre da FGV e avisa que, com a turbulência política atual, não há mais espaço para objetivo de 4%

Rosana Hessel
postado em 29/05/2017 06:02

A crise política deflagrada com a delação premiada dos donos da JBS não está mudando apenas o cenário de recuperação da economia para pior como também deve adiar a redução da meta de inflação, que estava prevista para ocorrer este ano, dos atuais 4,5%, para 4% ao ano a partir de 2019, avalia o ex-diretor do Banco Central (BC) e chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), José Júlio Senna. ;Esse assunto vai morrer. Não entrará na pauta do CMN (Conselho Monetário Nacional). Os fatores que sinalizavam uma possível redução, agora, podem atrapalhar. Um ponto relevante para postergar a decisão é a crise política;, afirma.


A expectativa de que o CMN diminuísse o percentual em junho, na próxima reunião do grupo composto pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, do Planejamento, Dyogo Oliveira, e o presidente do BC, Ilan Goldfajn. A margem de tolerância para a inflação deste ano e para 2018 é de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, tornando o teto 6% e o piso, 3%. O objetivo anual do Brasil para o custo de vida está acima da média do mundo emergente que adota o regime de metas, que é de 2% a 3% anuais, segundo Senna. Países vizinhos, como Chile e Peru, têm meta de 3% ao ano.


As incertezas são grandes, principalmente em relação ao avanço das reformas, que devem comprometer qualquer melhora na área fiscal do governo. Com isso, o ritmo de redução da Selic (taxa básica da economia) vai diminuir. Para Senna, a autoridade monetária vai se preocupar mais com a questão fiscal do que com a tentativa de estimular a economia com juros mais baixos.


Confira à seguir os principais trechos da entrevista do economista ao Correio:

O senhor acredita que o CMN vai reduzir a meta de inflação para 2019 no meio desta crise política?
Esse assunto vai morrer. Não entrará na pauta do CMN. Os fatores que sinalizavam uma possível redução, agora, podem atrapalhar. Um ponto relevante para postergar a decisão é a crise política. Ela mexeu com o risco do país, com o câmbio e a atividade econômica, que deve ficar pior nos próximos meses, apesar de a equipe do Ibre manter (na semana passada) em 0,4% a expectativa de crescimento neste ano, com viés de baixa, em virtude do aumento da crise política. O problema é que as perspectivas para as reformas são incertas. O concreto, hoje, é que a economia deve ficar pior e a queda dos juros vai sofrer atrasos.

O que vai mudar na política monetária do BC?
O mercado, por enquanto, está tratando com muita tranquilidade o quadro político e partindo do pressuposto de que haverá troca de governo e o substituto do presidente Michel Temer dará continuidade na agenda das reformas. Sendo assim, o dólar está relativamente tranquilo (sexta-feira, fechou em R$ 3,27), mas os juros devem cair de forma mais lenta. Nesta semana, o Copom (Comitê de Política Monetária), no espírito de não provocar volatilidade, vai optar por reduzir a Selic em 100 pontos-base (1 ponto percentual). É a maneira de fazer menos marola.

Como ficará o cenário econômico?
A economia deve ficar pior. Os juros não devem cair muito ao longo do ano, porque o BC vai olhar para a piora das condições fiscais. Antes da delação e do áudio da JBS, o mercado apostava que as taxas de juros cairiam mais em termos reais, porque se apostava na aprovação das reformas. Agora, há mais dúvidas sobre o andamento dessa agenda no Congresso Nacional e sobre o equilíbrio das contas públicas. Isso eleva o risco do país. Começa a ser antecipado pelas agências de classificação de risco (a Moody;s rebaixou a perspectiva de ;estável; para ;negativa;). Quem esperava que a Selic ficasse entre 7,5% e 8% anuais em dezembro já está elevando as projeções para algo em torno de 9% a 9,5%.Vamos ver essas mudanças nos próximos boletins Focus, do BC.

Quer dizer que não veremos a taxa de juro real em 5% no fim do ano?
Não cabe mais agora pensar em 4% e 5% de juro real para este ano. Ainda é preciso calcular o impacto da crise nas contas fiscais, que continuarão em desequilíbrio por um período mais prolongado do que o previsto anteriormente. O Copom, ao divulgar o comunicado da decisão na próxima quarta-feira, também não deve sinalizar o caminho futuro para os juros. Vai tomar esse cuidado. O mercado ainda está trabalhando com otimismo, e isso me preocupa. O BC está ciente disso e deve ser o último a acreditar em previsões mais positivas.

Os juros baixos ajudam a estimular a economia, que está fraca.
Não me sinto à vontade em comentar os números do Ibre para o PIB (Produto Interno Bruto), mas eles acabam de ser revisados. A previsão de crescimento para este ano foi mantida em 0,4%, mas com uma composição diferente. O PIB do primeiro trimestre virá melhor (com alta de 1%), devido ao bom desempenho da agropecuária, mas o desempenho econômico será mais fraco nos trimestres seguintes. Como o PIB pode piorar, vem a discussão se o BC deve ou não manter a redução da Selic. Temos muitas incógnitas sobre a situação fiscal. Ainda não sabemos se Temer vai sair ou tentará adiar a decisão de cassação da chapa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Neste momento, é preciso aguardar para ver os desdobramentos no Congresso.

A maioria das projeções do PIB para o primeiro trimestre é de alta. A recessão acabou?
Não. Os sinais são claros de que a economia brasileira tem andado para trás num ritmo cada vez mais lento. O monitor do PIB do Ibre mostrava claramente uma recuperação no consumo das famílias e nos investimentos. Esses indicadores estavam ficando menos negativos. Mas essa tendência dá sinais de inversão novamente diante das incertezas. Outro dado complica as projeções: a mudança de metodologia feita pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que alterou variáveis chaves da pesquisa do PIB, como comércio e serviços. Hoje, está mais difícil fazer previsões.

Essa mudança contaminou muito as estimativas?
Um pouco. A equipe ainda está digerindo as novas informações, mas eu diria que, em meados do ano, provavelmente no segundo semestre, é possível haver uma estabilização da economia se a crise política for contornada. Aí, a economia vai parar de andar para trás. Por enquanto, estamos caminhando para ter uma economia estabilizada, que começará a apresentar um ritmo de crescimento no segundo semestre. Lamentavelmente, será uma recuperação lenta por conta do endividamento. Houve, de um lado, no tocante às famílias, estímulo muito grande como política de governo. Essa atitude foi irresponsável.

Um argumento era que o brasileiro não estava tão endividado quanto o norte-americano...
A diferença ocorre por um motivo muito simples: os juros no Brasil são astronômicos e, no mundo desenvolvido, esse não é o caso. Então um grau de endividamento de 45% a 50% do brasileiro preocupa mais do que de 110%, 120% ou 130% nos Estados Unidos ou na Europa. O fato é que as famílias estão endividadas. As pesquisas mostram que as famílias que tiveram acesso ao saque das contas inativas do FGTS usaram, majoritariamente, para quitar dívidas. No caso das empresas, o endividamento também foi expressivo. Houve um período de muita abundância de recursos externos, juros baratos e as empresas pisaram no acelerador. Isso é um fator que, evidentemente, está segurando a recuperação.

Isso posterga o investimento das empresas?
Exatamente. O investimento e o gasto das famílias. Mas a desalavancagem vem primeiro e a política de juros, a meu ver, está sendo muito bem conduzida pelo BC. Ele está agindo com muito cuidado. Os juros foram reduzidos em 300 pontos-base, mas as famílias ainda não se recuperaram.

A queda da Selic ainda não bateu na ponta?
Isso é uma coisa interessante. De fato, é um problema. Via crédito, não vai ser possível estimular o consumo por dois motivos. Primeiro, porque o fenômeno de queda da taxa de juros não está acontecendo no vácuo. O desemprego é estratosférico e, com o mercado de trabalho nessa situação, as famílias não se sentem encorajadas a contrair crédito. Além disso, a taxa Selic está caindo, mas o spread bancário (diferença entre o que os bancos pagam na captação de recursos e o que cobram ao conceder empréstimo) está subindo. Isso tem a ver com o aumento da inadimplência. Quem está saindo da dívida não quer contrair novas dívidas, portanto, não vai consumir de imediato. Por isso, a queda do juro vai ajudar na recuperação da economia pelo seu impacto na situação patrimonial das famílias e das empresas.

A projeção do mercado para a inflação está abaixo de 4%.
Isso é positivo de um lado, mas também é negativo porque é resultado da recessão.
É claro que a recessão ajuda na queda da inflação. Tanto que, nos manuais de política monetária, o que tem que fazer em uma economia que está muito aquecida é justamente desaquecê-la. No linguajar dos economistas, é criar um hiato de produto. O BC não precisou gerar um hiato. Encontrou pronto. Não há registro na história do Brasil de uma queda do PIB per capita de 10% em menos de três anos. Isso está facilitando a queda da inflação. É muito importante não confundir isso com a afirmação de muitos economistas de que a inflação cairia de qualquer forma. E a recessão em si derrubaria a inflação, mesmo que não se fizesse nada. Afinal de contas, tem um quadro brutal recessivo e isso seria importante para a inflação em função dos erros políticos do passado.

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