Economia

Sem dinheiro, governo atrasa pagamentos e segura reajustes

Para evitar mexer na meta fiscal, Telebras, Serpro e Dataprev estão com recursos adiados, aumento do Bolsa Família foi suspenso e muitos pagamentos devem ficar para o ano que vem

Rosana Hessel, Hamilton Ferrari
postado em 06/07/2017 06:02
Gil Castello Branco: despesas obrigatórias crescem e receitas diminuem

A situação das contas públicas é tão grave que o governo está deixando de honrar despesas com fornecedores de forma generalizada. A falta de dinheiro para a emissão de passaporte pela Polícia Federal e a suspensão de serviços da Polícia Rodoviária Federal (PRF) são apenas a pontinha do iceberg que afetou até o Bolsa Família. O reajuste do programa prometido para este ano, de 4,6%, foi cancelado, e, para piorar, a União adiou repasses a estatais, como Telebras, Serpro e Dataprev.

Com esses desequilíbrios, em meio a um contingenciamento de R$ 40 bilhões, o presidente Michel Temer tenta convencer o mercado de que conseguirá cumprir a meta fiscal deste ano, de rombo de até R$ 139 bilhões, para não cometer o mesmo crime que derrubou a ex-presidente Dilma Rousseff. Especialistas, no entanto, avisam que está cada vez mais difícil que isso ocorra, principalmente, porque o governo já anunciou que deverá cortar a previsão de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, atualmente, em 0,5%. Essa medida implicará queda maior na arrecadação que precisará ser compensada por receitas extraordinárias ou aumento de impostos.

[SAIBAMAIS]Pelos cálculos do economista Simão David Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), se a redução da expansão do PIB for de 0,5% para 0,3%, haverá um buraco de mais R$ 25 bilhões para não estourar o teto fiscal. ;Para conseguir cumprir a meta, o governo vai adiar ao máximo as despesas e deixar um volume considerável de restos a pagar para o ano que vem;, apostou.

;Temer não terá apoio do Congresso para aumentar imposto;, avisou. ;A meta está a cada dia mais distante. O problema é que as despesas obrigatórias crescem em ritmo acima da inflação, enquanto a receita diminui. Para cumprir a meta, o governo dependerá de uma enxurrada de receitas extraordinárias que ninguém, em sã consciência, pode garantir que acontecerá;, avisou Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da ONG Contas.

Na contramão dos cortes de gastos, o governo abriu a porteira das emendas impositivas para agradar a base aliada desde maio, quando a crise política se agravou com a delação dos irmãos Batista. Um levantamento feito pela Contas Abertas mostra que o total de emendas liberadas no primeiro semestre foi de R$ 1,5 bilhão, dos quais R$ 1 bilhão desembolsado apenas entre maio e junho. Na semana passada, o governo adiou, por decreto, o pagamento de restos a pagar, de cerca de R$ 3,2 bilhões, e liberou emendas parlamentares. Os órgãos responsáveis não comentaram o cancelamento do reajuste do Bolsa Família.

A diretora-presidente do Serpro, Glória Guimarães, confirmou os atrasos e contou que eles estão atrapalhando o fluxo de caixa da estatal. ;Qualquer atraso tem um descasamento, causa um impacto, porque a conta fica apertada para pagar os fornecedores. Apesar disso, a empresa busca novas formas de conseguir quitar as pendências;, disse. A Dataprev e a Telebras não comentaram o assunto até o fechamento desta edição.

Impacto pequeno

Pelas contas de Fernando Montero, economista-chefe da Tullett Prebon Brasil, o cancelamento do reajuste de 4,6% do programa Bolsa Família terá impacto muito pequeno nas despesas do governo, de apenas R$ 800 milhões. ;Isso dá ideia de quanto o quadro está apertado;, disse. Para ele, o governo pode até cumprir a meta fiscal, mas o espaço de manobra é muito pequeno. Na opinião de Montero, para isso acontecer, é preciso que as contas melhorem bastante no segundo semestre, se não, em outubro, o deficit acumulado poderá superar R$ 230 bilhões em 12 meses.

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