Economia

Até servidores públicos recorrem a apps de transporte para aumentar a renda

Usar o tempo livre em busca de renda extra é a estratégia para fazer frente às despesas domésticas, com a vantagem de não ter jornada obrigatória, nem contrato formal

Vera Batista
postado em 01/10/2017 08:00
Facilidade de inscrição é um dos motivos que levam à opção pelo trabalho

A falta de reajustes salariais e a redução de benefícios são os principais motivos alegados por servidores públicos para dirigir carros vinculados a aplicativos de transporte individual remunerado, como Uber, Cabify e 99 Pop. Usar o tempo livre em busca de renda extra é a estratégia para fazer frente às despesas domésticas, com a vantagem de não ter jornada obrigatória, nem contrato formal.

Carlos Silva, 55 anos, fuzileiro naval, com renda mensal de R$ 6 mil, está no Uber desde 2015. ;Tiro R$ 1 mil brutos por semana, trabalhando somente nas escalas e nos fins de semana;, relata. Os bicos, segundo ele, são uma prática comum, adotada pela maioria de seus colegas. ;Há de tudo um pouco: trabalho de segurança, garçom, venda de automóveis ou motorista de van;, diz.

Os aplicativos ampliaram as oportunidades. Para se inscrever, não é preciso ter experiência, basta fazer um cadastro pela internet e ter carteira de habilitação em situação regular. Quando Silva chegou a Brasília, os aplicativos acenavam com renda mensal mínima de R$ 6 mil. ;Era mais fácil, com certeza. Mas a procura aumentou e a tarifa por quilômetro rodado baixou de R$ 1,60 para R$ 1,25;, reclama.

Outro servidor, analista do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que preferiu o anonimato, desistiu do trabalho. ;Achei que tiraria R$ 10 mil por mês. Mas não chegou a R$ 5 mil;, afirmou. Já um funcionário de uma empresa estatal se cadastrou em três aplicativos. ;O primeiro que chama, eu vou;, diz. Isso porque há longas filas de espera em locais estratégicos, como aeroportos e hotéis.

Não há estatísticas sobre servidores que aderiram ao novo tipo de trabalho extra. ;Quem se inscreve não tem que revelar a profissão. Há um desconto de 25% da viagem no Uber X, e de 20% no Black. O restante do dinheiro cai diretamente na conta do motorista;, explica a assessoria da empresa. De acordo com o Ministério do Planejamento, ;a legislação brasileira só veda a acumulação remunerada de cargos e empregos públicos;, com exceções para professores e profissionais de saúde. ;Fora do horário de trabalho, não há impedimento para a prestação de serviços no Uber ou Cabify;, assinala o órgão.

;O servidor sempre teve atividade de complementação de renda. Vendia roupa, cosméticos, bijuterias, artesanatos para sobreviver com dignidade;, diz Alexandre Barreto Lisboa, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps). ;Os salários nas áreas de segurança pública, saúde, assistência social e Previdência estão aviltados. Acho até que o governo pensa em acabar com a necessidade de funcionários nesses setores. Não deve compensar manter gente cuidando de gente ;, ironiza.

Fisco

As classes com maiores salários e dedicação exclusiva ao Estado também não estão totalmente satisfeitas. ;A qualidade de vida despencou. Os colegas dizem que, antes, entravam em consórcios de carro de luxo. Qualquer dia, até os populares estarão proibitivos;, diz um servidor.

O funcionário que recebe renda extra não pode esquecer do Leão, já que os aplicativos não descontam o Imposto de Renda. ;Caso a Receita Federal verifique que a movimentação financeira é superior ao que o cidadão declara, ele pode cair na malha e ficar sujeito à cobrança de multa de 25% a 150% do valor devido;, explica Waltoedson Dourado, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Distrito Federal (Sindifisco-DF).

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