Economia

Para especialistas, reforma da Previdência é essencial para o país

Para empresários e economistas queda da arrecadação, aumento das despesas do governo e envelhecimento da população tornam urgente a aprovação das mudanças

Jaqueline Mendes
postado em 15/02/2018 06:00 / atualizado em 19/10/2020 15:03

 

São Paulo — Às vésperas da votação da reforma da Previdência no Congresso Nacional, que deverá acontecer ainda neste mês, um arsenal de argumentos —  a favor e contra —tomou conta da internet, dos debates entre amigos ou do noticiário político e econômico. Por que, afinal, a reforma é importante? Os números falam por si. As mudanças nas regras para as aposentadorias são essenciais por uma razão simples. Sem elas, será impossível conter a explosão da dívida pública e diminuir o receio dos investidores em relação à capacidade de solvência do Estado. “A reforma da Previdência não é do governo, mas da sociedade”, diz o empresário Flávio Rocha, sócio da Riachuelo. “Quem é contra a reforma é a favor dos privilégios.”

Para o economista Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas (FGV), o maior problema a ser combatido é a política de privilégios da Previdência. Os benefícios do Regime Próprio de Previdência Social (para funcionários públicos e que contempla um milhão de inativos) saltaram de R$ 110 bilhões em 2016 para R$ 122 bilhões em 2017. “O país gasta quase 2% do PIB e mais de 9% da despesa primária para pagar as aposentadorias de um milhão de funcionários públicos federais. Isso é insustentável”, diz Balassiano.

Se o ritmo de crescimento do deficit continuar na atual velocidade, os gastos se tornarão insustentáveis. Pelos cálculos oficiais, saltariam dos R$ 436 bilhões atuais (7,4% do PIB), para quase R$ 14 trilhões em 2060, ou 17% do PIB, colocando o Brasil em um dos maiores patamares do mundo. O cálculo não inclui servidores públicos e militares. Se considerados ambos, o percentual subiria para algo entre 22% e 25% do PIB. “Nenhum país do mundo gasta isso ou é capaz de sobreviver a esse nível de gastos”, afirma o economista Paulo Tafner, especialista em Previdência.

Os que contestam a reforma argumentam que despesa com Previdência é distribuição de renda e política social. Não é bem assim. Para seguir honrando as aposentadorias, o governo precisará arrecadar mais. Para ficar ainda mais claro: será preciso aumentar a carga tributária em 10 pontos percentuais nos próximos 44 anos apenas para manter o déficit estável no nível atual, em 2,4% do PIB.

“O aumento da carga tributária em um país que já tem uma das maiores cargas do mundo geraria desaceleração na economia, desemprego e inflação”, diz José Roberto Savoia, professor de finanças da Universidade de São Paulo e ex-secretário de Previdência Complementar. “A reforma equivale praticamente a uma CPMF, então podemos trabalhar com uma expectativa de ficar sem aumento de imposto por algum tempo.”

Política social

Trata-se de uma conta simples. Se a reforma passar pelo Congresso, haverá uma economia de ao menos R$ 678 bilhões até 2027. Com isso, o governo poderá conter o nível das despesas na casa de 13% do PIB e garantir os recursos para serviços básicos como saúde, educação e segurança. Ou seja: a reforma é, sim, política social. Com ela, mais recursos poderão ser destinados para áreas prioritárias. Em vez de uma casta de privilegiados se apropriar dos recursos escassos do Estado, toda a sociedade será beneficiada, especialmente os mais pobres.

A reforma da Previdência é importante também porque leva à possibilidade de cumprimento do novo regime fiscal, que limita a despesa pública à inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos. Sem a PEC do Teto dos Gastos, o INSS consumiria mais de 60% dos gastos públicos em 10 anos e quase 90% em 2035. “O Brasil não pode continuar gastando mais do que arrecada. Qualquer família que faz isso acaba falida. Por isso, a reforma da Previdência e a PEC do Teto são medidas imprescindíveis para o desenvolvimento do país”, diz José Luiz Gandini, presidente da Kia Motors do Brasil.

Entre as novas regras propostas, talvez a mais importante seja a definição de uma idade mínima para a aposentadoria, de 65 anos para os homens e 62 anos para as mulheres. O Brasil é um dos poucos países a permitir a aposentadoria por tempo de contribuição, independentemente da idade. Na média, os homens que conseguem reunir o período mínimo de recolhimento ao INSS, de 35 anos, conquistam o benefício antes dos 60 anos. A modalidade representa cerca de um quarto das aposentadorias, mas equivale à metade do custo total. Detalhe interessante: em geral, os contribuintes de renda mais alta são os que se aposentam mais cedo. Onde está a justiça social nesse cenário?

Basta fazer comparações simples para entender as distorções existentes. Pelas regras em vigor, no Brasil, os homens se aposentam, em média, com 59,4 anos. Nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a idade é 64,2 anos. Como a expectativa de vida dos brasileiros cresce de forma acelerada (o que é louvável e importante para o país), significa que, se nada for feito, cada vez mais pessoas desfrutarão de benefícios por períodos cada vez mais longos. A conta, portanto, não vai fechar — e uma geração inteira de brasileiros pagará caro por isso. 
Há outro fator importante nessa equação. O Brasil é um país relativamente jovem. Para cada aposentado, há oito pessoas trabalhando. O problema é que essa diferença diminuirá ao longo do tempo e representará uma pressão adicional à Previdência. Em 2040, a proporção deve cair à metade: quatro trabalhadores para um aposentado. Com menos pessoas na ativa, a produtividade cai, afetando o nível de competitividade das empresas e, claro, do próprio país.

“É uma pena que a radicalização ideológica e o uso político do tema estejam impedindo uma discussão séria, científica e civilizada da reforma da Previdência Social”, diz José Zeferino Pedrozo, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Santa Catarina (Faesc). “A meu ver, o governo federal se comunica mal com a sociedade e não consegue decodificar a complexa questão da Previdência.”


Brasil no caminho da Grécia

 

Em seu recente périplo nacional para defender a reforma da Previdência, o presidente Michel Temer disse que, sem ela, o Brasil corre o risco de virar uma Grécia, que teve que cortar valores pagos a aposentados simplesmente porque não havia mais recursos para bancar as despesas. Alguns aposentados gregos tiveram o valor de seu benefício cortado em 70%.

Quando a Previdência grega entrou em colapso, os gastos do governo com os aposentados equivaliam a 15% do PIB. No Brasil, o índice está em torno de 13% — o que torna os dois exemplos bastante parecidos. O discurso de Temer, portanto, não é um exagero. Até uma das maiores autoridades mundiais no assunto, o economista grego Yánis Voroufakis, já se posicionou sobre o assunto.

Segundo ele, que foi ministro das Finanças do governo de Alexis Tsipras em 2015, há de fato similaridades entre os países. “A crise previdenciária brasileira tem características semelhantes aos problemas enfrentados pela Grécia no período pré-colapso financeiro”, disse Voroufakis. “O Brasil precisa olhar para o exemplo grego para não cometer os mesmos erros. A população que hoje é contra, assim como os gregos foram no início, logo entenderá que a reforma é mais do que necessária.”

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