Economia

Cada vez mais brasileiras trocam emprego fixo pela vida de empreendedora

Taxa de empreendedorismo feminino entre os novos empreendedores %u2014 que possuem um negócio com até três anos e meio %u2014 é de 15,4%

Paula Pacheco/Estado de Minas
postado em 08/03/2018 06:00
Ex-professora, Lucilaine Lima largou as salas de aula para criar o Instituto Gourmet, hoje com oito unidades em três cidades
São Paulo ; Lucilaine trocou as aulas de biologia pela cozinha. Maria José enfrentou uma demissão, uma doença grave e a separação e hoje comanda com as filhas uma equipe de 150 pessoas. Isabella deixou para trás o emprego e apostou no investimento em uma startup na área de recursos humanos. Elas são exemplos de como o empreendedorismo feminino, apesar de entraves históricos e culturais, avança no Brasil, seja por necessidade ou pelo sonho de realizar um projeto.

As mulheres brasileiras são mais empreendedoras que os homens, como mostra a pesquisa GEM (que é parte do projeto Global Entrepreneurship Monitor e é realizada em parceria com o Sebrae e o IBQP), divulgada no ano passado e feita com base em dados coletados em 2016. A taxa de empreendedorismo feminino entre os novos empreendedores ; que possuem um negócio com até três anos e meio ; é de 15,4%, enquanto que a do masculina é de 12,6%.

Isabella de Arruda Botelho, 30 anos, faz parte desse perfil. Ela trocou, há três anos e meio, um emprego, com o salário sendo pago todo mês, pelo investimento ao lado do sócio Frederico de Barros Falcão de Lacerda, na Pin People, uma HR tech ; como são chamadas as startups que usam a tecnologia para desenvolver soluções que permitam automatizar processos nas atividades ligadas a recursos humanos, facilitando tanto a seleção de empregados quanto o acompanhamento do comportamento e da evolução dos profissionais.

A Pin People, de São Paulo, é especializada no uso do ;people analytics; para cruzar e monitorar dados dos funcionários, aumentar a retenção de talentos e a produtividade. Além disso, a tecnologia permite fazer uma aproximação por afinidade entre o perfil dos candidatos a uma vaga e daqueles que já fazem parte do quadro de funcionários. Assim, a empresa espera encontrar um ;match; entre quem está no processo de seleção e o perfil do profissional que está no dia a dia da empresa.

Isabella já trabalhava com RH antes de escolher o empreendedorismo. Passou um tempo na Endeavor e, quando saiu, pesquisou durante três meses quais seriam as demandas do setor que poderiam gerar uma ideia de negócio. Ela lembra a constatação na época: ;As empresas costumam contratar pela competência e demitir pelo comportamento. Aí poderíamos ter uma oportunidade de atuar.;

Apesar de pouco tempo de mercado, a Pin People já conta com 50 mil candidatos e funcionários mapeados pelo sistema da startup, o que, segundo ela, ;permite evoluir o nosso método e os nossos algoritmos proprietários de forma mais consistente, gerando inteligência em rede para melhorar a forma como empresas e pessoas trabalham;, explica.

A empreendedora não divulga seu faturamento, mas a previsão é aumentar a receita em 330% em 2018. Entre seus clientes estão as multinacionais Santander, Accenture e KPMG. A atuação da Pin People por enquanto é no Brasil, mas Isabella conta que algumas multinacionais têm conversado sobre a possibilidade de levar a tecnologia para suas unidades em outros países.

Motivação

Professora de biologia na rede pública de Serra, no Espírito Santo, Lucilaine Lima, 35 anos, estava desmotivada. Perto da data do casamento, ela quis encomendar bem-casados para a festa, mas não encontrou quem aceitasse o pedido. Decidiu arriscar, ir para a cozinha e fazer sua própria receita. Foi quando teve a ideia de abandonar as salas de aula e investir na produção de doces caseiros, vendidos na rua e em escritórios. Assim, conseguiria ficar mais tempo com o filho.

Entre 2008 e 2013, Lucilaine fazia os doces em casa e atuava na informalidade. Trabalhava dia e noite, voltou à universidade para estudar gastronomia e fazia questão de adequar as receitas ao desejo dos clientes. ;Um negócio nunca pode deixar de escutar o consumidor. Ele é quem vai dizer para onde devemos ir, quais são as demandas;, ressalta.

Em 2013, depois de passar por um curso de coaching, Lucilaine viu que tinha chegado o momento de dar um salto nos negócios. Antes, pensou em uma casa de chá e até um café especializado em bolos caseiros. Mas veio a ideia de aproveitar a demanda que já vinha crescendo por aulas de doces, que ela dava na cozinha de casa, para investir em uma escola de culinária, o Instituto Gourmet. Na época, foram investidos R$ 160 mil.

A empresária conta que fazia tudo no início, das aulas à faxina do espaço, mas o crescimento da empresa permitiu a expansão da estrutura. ;O primeiro dia foi o mais desesperador. Vendi apenas um curso e fiquei com medo de não dar certo;, relembra. Hoje são três modalidades de curso: confeitaria, chef mix (para massas e pães) e cozinheiro profissional.

Com o tempo, o empreendimento cresceu, atraiu a participação do marido de Lucilaine e de um sócio, e a marca começou a se expandir também por meio do sistema de franchising, a partir do ano passado. Hoje, além de três unidades próprias (Serra e Cariacica, no Espírito Santo, e a cidade do Rio de Janeiro), já são 30 contratos assinados e oito unidades em funcionamento. Lucilaine pretende oferecer mais três cursos ainda em 2018 e espera chegar a 50 unidades franqueadas.

Com as filhas Carolina Garcia e Paula Garcia, Maria José superou dificuldades e hoje comanda a Hineni Serviços

Superação

Para Maria José Garcia, 57 anos, o começo da vida como empreendedora, em 2009, também foi difícil. Ela tinha 25 anos de experiência no mercado de terceirização, mas foi demitida depois que o dono da empresa passou a gestão do negócio para os filhos. Em seguida, soube que estava com câncer e logo depois veio a separação, relembra Paula, 24 anos, a filha caçula.

Amigos e fornecedores dos tempos em que ela trabalhava a encorajaram a partir para um negócio próprio. O começo da Hineni Serviços foi na casa da família, com o atendimento a condomínios que contratavam mão de obra para a limpeza e para o serviço de portaria. O único compromisso assumido pela matriarca naquele momento foi que nunca tiraria clientes da antiga empresa. Assim, o negócio cresceu e hoje ela, Paula e a filha mais velha, Carolina, 27 anos, dividem a gestão do empreendimento.

Um negócio administrado por mulheres, lembra Paula, tem lá as suas dificuldades. Uma delas é o assédio. ;Já ouvi coisas do tipo ;vamos trocar a reunião das 18 para às 19h?;;, lembra. Em outra ocasião, depois de uma longa negociação por e-mail, ela levou a proposta pessoalmente para o potencial cliente. ;Preferi ir acompanhada de um amigo porque, infelizmente, às vezes é a forma de afastar esse tipo de situação. E apesar de estar tudo certo antes do contato pessoal, quando o quase cliente viu que estava acompanhada, desistiu do negócio sem explicação;, lamenta.

Paula não divulga o faturamento, mas diz que cresceu 84% no ano passado e a previsão para este ano é dobrar de tamanho. O otimismo tem a ver com a imersão que a empresária fez no Programa Mulher Empreendedora, do Itaú Unibanco, que já teve a participação de quase 9 mil mulheres, promoveu 43 workshops, 13 rodadas de negócios e 24 cafés. O objetivo do projeto, explica Maria Eugênia Sosa Taborda, gerente de Sustentabilidade da instituição financeira, é inspirar empreendedoras ao permitir o acesso a outras histórias de negócios e melhorar a capacitação técnica e de gestão para alavancar os negócios.

;Procuramos que as participantes, de pequenas ou grandes empresas, se vejam como uma fonte de inspiração para outras mulheres e que compartilhem suas experiências, seja de fracassos ou de sucessos;, diz Maria Eugênia. Para a executiva, um programa como esse atende ao papel social que o banco tem, mas também à área de negócio. ;Se elas crescem, é um jogo de ganha-ganha. Hoje, 58% do total de clientes do banco são mulheres;, completa.

Toque feminino

A dedicação ao negócio
39% das empreendedoras trabalham 9 horas ou mais por dia
Em média, dedicam 7,5 horas para o negócio, 2,8 horas
para os filhos/família e 1,8 hora para lazer
58% dos negócios são ligados à prestação de serviços, 28% ao comércio, 28% à indústria e 9% a outras atividades (como agropecuária e instituição do terceiro setor)
44% dos negócios foram iniciados há menos de 3 anos
50% 50% das empreendedoras contam com a ajuda de pelo
menos uma pessoa
35% das empreendedoras têm sócios.
17% das MEIs têm sócios
39% das MEIs contam com alguém trabalhando no negócio

Entre as microempresas e empresas de pequeno porte
53% das empreendedoras são as únicas responsáveis pelo planejamento e controle financeiro da empresa
94% das empreendedoras participam de atividades ligadas a atendimento a clientes e vendas
83% das empreendedoras têm envolvimento direto com produção dos produtos/execução dos serviços
65% das empreendedoras precisam contratar mais funcionários para que o negócio possa crescer
77% das empreendedoras não têm dívidas

Principais necessidades apontadas pelas entrevistadas
* Organizar melhor seu tempo
* Dedicar mais horas ao negócio
* Contratar funcionários para crescer
* Ter acesso a crédito para investir no negócio
* Pagar dívidas pessoais
* Divulgar mais e melhor o negócio
* Fazer networking

Fonte: ;Empreendedoras e Seus Negócios;, feito pela Rede Mulher Empreendedora, em Instituto Rede Mulher Empreendedora e com o patrocínio da Avon, Sage e Facebook/2017

Mais necessidade de empreender e remuneração menor

A pesquisa GEM mostra que as mulheres brasileiras abrem mais empresas por necessidade. Entre os novos empreendedores, 48% do universo feminino diz que escolheu essa alternativa de renda por necessidade. Entre os homens, esse número é menor, de 37%.Outro dado da GEM aponta que as mulheres concentram as atividades empreendedoras em algumas segmentos, atuando em serviços domésticos, cabeleireiros e tratamento de beleza, comércio varejista de roupas e acessórios e serviços de bufê e de comida preparada. Já os homens empreendem em atividades mais variadas. A pesquisa reflete ainda uma realidade conhecida do mercado de trabalho. Apesar de as empresárias serem mais escolarizadas, ainda ganham menos: 73% delas recebem até três salários mínimos, contra 59% do universo masculino.

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