Economia

"Turismo precisa entrar na pauta econômica do Brasil", diz executivo da TAP

Português Mario Carvalho afirma que país tem que encarar atividade como geradora de emprego

Jaqueline Mendes
postado em 12/03/2018 06:00

Executivo português Mario Carvalho que comanda a companhia aérea TAP no Brasil

O executivo português Mario Carvalho comanda a companhia aérea TAP no Brasil há quase duas décadas. Nesse período, tornou a operação brasileira a maior e mais rentável da empresa no mundo ; em 2017, 24% de seu resultado global veio de rotas que ligam 10 capitais, como Belo Horizonte, Recife e São Paulo, diretamente a Lisboa. Por esses trechos viajaram no ano passado mais de 1,6 milhão de passageiros, o que representa crescimento de 14% ante 2016. Trata-se de um resultado extraordinário diante de um PIB que avançou 1% e com o dólar estacionado acima de R$ 3,20. ;Brasil e Portugal nunca estiveram tão próximos quanto nos últimos anos;, diz Carvalho, que atribui parte do sucesso ao programa Stopover, que permite ao passageiro escolher qualquer destino europeu com a possibilidade de ficar até cinco dias em Portugal, sem aumento no custo da passagem. ;Não só alcançamos os melhores resultados de nossa história como temos uma perspectiva extremamente positiva para 2018 e os próximos anos.; Nesta entrevista, o executivo fala sobre o potencial do mercado brasileiro, detalha a estratégia que tornou a TAP uma das companhias aéreas mais robustas da Europa e diz que o Brasil deveria seguir o exemplo de Portugal para fazer do turismo uma rota segura para o crescimento.

Qual é a sua avaliação do desempenho da economia brasileira e como o reaquecimento tem influenciado os negócios do setor aéreo?

Estamos há muitos anos no Brasil e, de certa forma, não é nenhuma surpresa para nós os altos e baixos da economia. Temos acompanhado essas oscilações nos últimos 20 ou 30 anos. Dessa vez, saímos de uma recessão muito acentuada, entre os anos de 2015 e 2016. Já em 2017, houve uma recuperação bastante considerável. Tivemos aumento das viagens internacionais da ordem de 50%, ou até um pouco mais. Agora, em 2018, estamos com excelentes perspectivas. Janeiro e fevereiro foram muito bons, com crescimento em comparação ao mesmo período do ano passado.

Como explicar o crescimento, se a economia avançou de forma tímida, com apenas 1% de expansão do PIB?

Houve uma inversão da curva. No dia a dia, ainda vemos uma crise política muito acentuada, mas a economia parou de cair. Está se recuperando lentamente, mas é uma recuperação. Então, por isso, estamos animados e vamos investir mais no Brasil. Acredito que este ano teremos crescimento acima de 10%.

O cenário político, com as turbulências típicas do Brasil, e as eleições presidenciais podem afetar o desempenho da empresa?

Acredito que não haverá influência, e por uma razão muito simples. A viagem de férias internacional é quase um item básico da cesta de compras do brasileiro de classe média. Entrou na planilha do orçamento familiar, eu diria. Então, isso descola o nosso setor dessa incerteza política.

A perspectiva de crescimento maior para 2018, a taxa de juros no patamar mais baixo da história e uma certa estabilidade no câmbio criam um ambiente mais favorável para o setor?

De tudo isso, o principal é a taxa de câmbio. Como nosso negócio é precificado em dólar, a cotação da moeda é um fator preponderante na decisão de compra de viagens internacionais. É muito forte essa relação. Com o dólar se mantendo estável, as coisas tendem a crescer.

E se houver uma oscilação muito forte da moeda, o que acontece com o desempenho da TAP? O senhor poderia dar um exemplo concreto disso?

Se houver um sobe e desce muito acentuado, as pessoas ficam um tanto temerosas de viajar, exatamente porque não sabem quanto vai custar a fatura do cartão de crédito. Isso cria uma certa indecisão e pode levar o turista a escolher algum destino nacional. E no Brasil há muitas boas opções internas. Obviamente, estamos sempre sujeitos a chuvas e trovoadas, como em qualquer outro setor. Nunca se sabe o que pode acontecer em termos de política cambial. Mas, mesmo com o dólar na casa de R$ 3,20 e R$ 3,30, não é um problema. Todos já estão acostumados.

Como o Brasil se tornou o maior mercado para a TAP no mundo?

Graças aos nossos investimentos aqui. Não conheço outra empresa aérea que ligue o Brasil à Europa partindo de 10 cidades brasileiras. Transportamos 1,6 milhão de passageiros no Brasil, de um universo de 14 milhões em todo o mundo. A Europa tem mais passageiros, mas o preço médio do bilhete é menor, porque as distâncias são menores.

Existem planos de ampliar o número de rotas no Brasil?

Sim, existem algumas possibilidades. Devemos receber até o final deste ano aviões Airbus A320 Long Range, que podem ligar Lisboa ao Nordeste, tranquilamente. Isso vai nos permitir, eventualmente, servir a outras cidades. Ao mesmo tempo, teremos aviões de grande porte, os A330neo, que atenderão cidades mais ao sul. Temos 10 encomendas já feitas. O primeiro avião desse modelo, o mais moderno do mundo, saiu agora da pintura da fábrica da Airbus. Entre julho e agosto, receberemos essa aeronave.

Qual é o pilar da estratégia da TAP no Brasil?

O programa Stopover tem um papel preponderante no nosso crescimento. Com ele, nos apresentamos ao mercado brasileiro não apenas como uma empresa que viaja para Portugal, mas para toda a Europa. Voamos para entre 50 e 60 cidades da Europa. Com essa facilidade, de poder escolher como destino final qualquer outro país europeu, atraímos muitos passageiros.

O senhor poderia explicar o que é o programa Stopover?

Com o programa Stopover, os turistas podem ficar até cinco dias em Portugal, sem aumento da passagem, e desfrutar de uma série de serviços. Podem ganhar uma garrafa de vinho em vários restaurantes, fazer inúmeros passeios, visitar museus incríveis, observar golfinhos no Sado, entre tantas outras atrações. Atualmente, metade de nosso negócio é para além de Lisboa.

A privatização dos aeroportos brasileiros tem alguma influência na decisão de investimento da TAP?

Sem dúvida. O Brasil estava com uma legislação um tanto quanto obsoleta, mas, com as privatizações, as coisas melhoraram muito. A própria percepção de qualidade pelo passageiro, que passa bastante tempo no aeroporto, melhorou muito nesse aspecto.

O que mudou na TAP depois da privatização, com a entrada do empresário David Neeleman no capital da empresa?

Hoje, há uma preocupação maior na questão dos custos, na introdução de novas ferramentas para a operação e novos aviões. Houve um investimento muito forte em novas aeronaves. Obviamente, a empresa já era gerida como se fosse privada, mas era uma estatal, com todas as suas amarras e dificuldades. Com a vinda dos investidores privados, isso mudou bastante.

As companhias aéreas estatais europeias, como TAP e Alitalia, sempre foram questionadas em relação à qualidade dos serviços. Como a TAP está trabalhando para reverter essa imagem?

Estamos trabalhando nisso há uns 15 anos, para reposicionar a TAP no mercado brasileiro. Por aqui, a TAP era uma companhia encarada como uma empresa de nicho, para quem ia única e exclusivamente para Portugal. Com esse trabalho, que é difícil e de longo prazo, a gente reposicionou a TAP como uma empresa europeia, alinhada com as outras competidoras. Temos hoje, em nosso serviço de bordo, chefs com estrela Michelin.

A concorrência na Europa é diferente da concorrência no Brasil?

Desde os tempos da Varig, temos uma reputação de excelência na aviação. Não acho que a concorrência lá seja muito diferente. Em termos gerais, tirando o fenômeno das companhias low cost na Europa, os mercados são semelhantes.

O que falta para o Brasil deslanchar no setor aéreo?

Com a criação da Anac (Agência Nacional da Aviação Civil), a legislação no Brasil se tornou um benchmark no exterior. O que a gente precisa resolver no Brasil é sair de 6 milhões de visitantes por ano. Um país com essa capacidade, com esse potencial, não pode receber tão pouca gente assim. Não podemos nos conformar com isso. O turismo precisa entrar na pauta econômica do Brasil. Isso ainda não aconteceu. É um erro muito grande.

Onde está o erro exatamente? A violência urbana e a imagem negativa que ela projeta no exterior seriam um inibidor do turismo?

Eu não diria que a culpa é da insegurança. O mundo inteiro está meio conturbado, obviamente uns mais, outros menos. Mas eu diria que a promoção do Brasil lá fora praticamente não existe.

Como assim? Os estrangeiros não conhecem as atrações do Brasil? Não somos bem vendidos no exterior?

Vou dar um exemplo para você. Outros destinos, como Cuba, que tem aquela economia e todos aqueles problemas que nós conhecemos, recebem um número muito maior de turistas do que o Brasil. Por que isso acontece? Porque esses países fazem uma promoção muito forte no exterior. Os nossos vizinhos na América do Sul recebem mais turistas do que o Brasil. Essa é uma questão de vontade política. Temos que encarar o turismo como um grande indutor de emprego, como um negócio vital para o crescimento do Brasil.

Portugal fez isso muito bem, não é? Deveria ser um exemplo para o Brasil...

Sim, Portugal fez isso muito bem. Durante a recente crise econômica, o turismo em Portugal deu uma guinada excepcional. Hoje, o país se tornou um dos principais destinos do mundo e, na minha visão, boa parte da recuperação econômica se deu pela força extraordinária do turismo. E o brasileiro, sem sombra de dúvida, tem papel fundamental nesse processo. Brasil e Portugal nunca estiveram tão próximos quanto nos últimos anos.

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação