Economia

Cresce o número de produtores que adotam o reúso na agricultura

Sistema é fundamental para preservação de recursos hídricos, por isso cresce a cada ano

Marlene Gomes - Especial para o Correio
postado em 26/03/2018 06:00
Os pivôs propiciam menor consumo por hectare plantado, já o sistema de gotejamento gerencia o gasto

Os cientistas já bateram o martelo. Ou a humanidade aprende a usar a água potável de forma correta e racional ou ficamos sem ela e colocamos a nossa própria existência em risco. O Brasil tem um papel de extrema importância na preservação desse recurso. Os sistemas de irrigação adotados no país permitem o uso eficiente dos recursos hídricos e o aumento da produção de alimentos para cada hectare de lavoura plantada, sem a expansão de áreas. É por isso que cresce, a cada ano, o número de produtores e empresas que adotam técnicas de reúso desse líquido na agricultura e na produção de alimentos.

O Brasil se destaca pela variedade e produtividade, mas também pelo modo de produção, dinâmico e inovador, que permite a plantação anual de até três safras em um mesmo terreno. A área agrícola do país representa 7,8% do território nacional, cerca de 66 milhões de hectares. Apenas 9% das lavouras brasileiras são irrigadas. A área irrigada no país totalizou, no ano passado, 6 milhões de hectares aproximadamente.

O número é pequeno, mas tem potencial para aumentar em cinco vezes, ou seja, 30 milhões de hectares, de acordo com a analista de geoprocessamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Lucíola Alves Magalhães. ;Ainda precisamos de mais infraestrutura elétrica e de distribuição de água em várias regiões do Brasil, além da capacitação tecnológica dos agricultores e acesso a essas tecnologias. Os agricultores e o poder público já perceberam que, sem irrigação, perderemos em termos de produção;, explica.

A água é imprescindível para a agricultura, mas nem toda área agrícola é irrigada. Em muitas propriedades é praticada a agricultura de sequeiro, que conta apenas com água da chuva para produção. Aos poucos, o país evolui para a utilização do sistema de irrigação na produção agrícola, saindo da fase dos sulcos, que consumia muita água, para a irrigação localizada e por gotejamento.

Produtividade


Os pivôs de irrigação propiciam um menor consumo de água por hectare onde o sistema está instalado. Já os sistemas de gotejamento fazem uma espécie de gerenciamento dos recursos hídricos ; as gotas caem próximas às raízes, evitando, assim, a evaporação da água. ;Ao aumentarmos a área irrigada, conseguiremos aumentar ainda mais a produtividade, ou seja, produzir mais alimento para cada hectare de lavoura plantada, sem necessariamente expandir a área;, assinala a pesquisadora da Embrapa.

A irrigação controlada repercute economicamente em diversas etapas da produção agrícola. O sistema resulta em economia de água e de consumo de energia, boa umidade e máxima produtividade da lavoura. Propicia, também, um microclima mais favorável para a não ocorrência de pragas. ;Isso é outro fator de economia. Se a irrigação é feita corretamente, podem ser eliminados gastos adicionais, já que diminui a pressão sobre a demanda de água e reduz os riscos de surgimentos de pragas, o que significa que o uso de defensivos agrícolas pode ser menor;, analisa Gertjan Beekman, coordenador da área de Recursos Naturais, Gestão Ambiental e Adaptação às Mudanças Climáticas do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA).

Beekman coordenou o Econormas, da União Europeia, programa destinado a implementar ações de intervenção física para o controle e recuperarão de áreas degradadas que estivessem submetidas a processos de desertificação nos quatro países do Mercosul. Já o IICA é um organismo internacional especializado em agricultura e bem-estar rural, sendo vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA). A entidade apoia os 34 países-membros em demandas específicas relacionadas à agricultura.

O uso eficiente de água na agricultura e as técnicas de reúso são cada vez mais importantes para a produção de alimentos, em função das mudanças climáticas, segundo o coordenador do ICCA. ;Não é só ter o recurso hídrico, mas usá-lo de forma inteligente, aproveitando o ciclo de chuvas e as ferramentas agrometeorológicas para planejamento do setor agropecuário, que está cada vez mais dinâmico, inovador e requer precisão e confiabilidade;, avalia Beekman.


O que diz o Código Florestal

O Código Florestal brasileiro preconiza que os agricultores destinem parte das suas terras para a preservação da vegetação. Os percentuais variam a depender do bioma. Na Amazônia, por exemplo, 80% da área do imóvel é destinada à preservação. No Cerrado, cai para 20%. Os dados consolidados do Sistema Nacional do Cadastro Ambiental Rural (Sicar) mostram que os agricultores brasileiros destinam 177 milhões de hectares para a preservação da vegetação. Isso representa 48% da área dos imóveis, em média, e 20,5% de todo o território nacional. Essas áreas preservadas são interconectadas com a rede de drenagem existente no Brasil. Ou seja, ao preservar as margens dos rios, os agricultores contribuem para a preservação dos recursos hídricos.

Potência agro, país atrai delegação de ministros

Um dos motivos de o Brasil ter se tornado uma das maiores potências mundiais da agricultura foi a implantação de novas tecnologias no campo. A experiência brasileira em técnicas de cultivo extrapolaram as fronteiras nacionais. Hoje, o país que se tornou o segundo maior exportador de alimentos do mundo também exporta conhecimento. Esse foi o principal motivo para a visita ao Brasil de ministros e vice-ministros da Agricultura de 11 países do Caribe.


;O Brasil tem sido capaz de quebrar o ciclo da agricultura global por meio de inovação, investimentos em pesquisa, políticas públicas e legislação. É um importante exemplo para nós;, enfatiza Barton Clarke, diretor-geral do Instituto de Pesquisa Agrícola e Desenvolvimento do Caribe (Cardi, na sigla em inglês). Os países da região sofrem com os efeitos do clima e têm desafios com relação à segurança alimentar.

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Pesquisas e soluções nacionais para o desenvolvimento da agricultura, como a biofortificação de alimentos, adubação orgânica e compostagem, chamaram a atenção da delegação. ;Temos muito a aprender com o Brasil;, resume Alexis Jeffers, ministro da Agricultura de São Cristóvão e Névis, o menor país das Américas, que tem uma população de 55 mil habitantes, aproximadamente.

Um dos problemas que aquele país enfrenta é relacionado ao êxodo de jovens do campo, desmotivados pelo modo de produção incipiente e pequena produção agrícola. O governo local trabalha para manter os jovens no campo, diminuir o êxodo rural e melhorar a sustentabilidade nos modos de produção. ;Queremos atrair a juventude para que se envolva mais no campo, e essas tecnologias certamente chamam mais atenção dos jovens, pois envolvem técnicas mais modernas;, conta Alexis Jeffers.

A presidente da Comunidade do Caribe (Caricom, na sigla em inglês), Desiree Field-Ridley, explica que a agricultura é tema prioritário para os países do bloco. A atividade agropecuária, no entanto, não vem crescendo como o bloco espera. ;A agricultura é um de nossos setores-chave. Estamos procurando pelo tipo de auxílio que nos permita dar o suporte necessário à agricultura, um setor que não tem crescido do modo como precisa crescer e do modo que esperamos que cresça;, diz Field-Ridley.

Pesquisas

A Embrapa foi a primeira parada da delegação de ministros e vice-ministros de agricultura de países caribenhos. Na unidade de Hortaliças, localizada no Núcleo Rural Vargem da Benção, no Gama, o grupo conheceu as pesquisas com adubação orgânica e compostagem. Os países do caribe enfrentam dificuldades na área de nutrição de plantas, já que não têm amplo acesso aos fertilizantes minerais, geralmente importados.

O grupo conheceu, também, tecnologias desenvolvidas para a agricultura tropical com foco no produtor familiar, estruturas de cultivo protegido e uma câmara de simulação climática, tecnologias que viabilizam o cultivo e a pesquisa com hortaliças, mesmo em condições ambientais adversas; e um campo de batata-doce, alimento muito consumido em alguns países caribenhos, cultura com custo de produção baixo que apresenta boa tolerância à seca e fácil adaptação ao clima

Na Central de Abastecimento do Distrito Federal (Ceasa), houve apresentação de boas práticas de produção da agricultura familiar e urbana, da alimentação saudável, do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), de acesso à água, inclusão produtiva, voluntariado e banco de alimentos. ;O Brasil fez vários avanços no desenvolvimento da agricultura. A maioria dos produtores nos países do Caribe são pequenos agricultores, então pensamos que é uma oportunidade para colaborarmos e aprendermos com algumas das boas práticas que existem no Brasil;, analisa Beverly Best, representante da Organização dos Estados do Caribe Oriental (OECS, na sigla em inglês).


"O Brasil tem sido capaz de quebrar o ciclo da agricultura global por meio de inovação, investimentos em pesquisa, políticas públicas e legislação. É um importante exemplo para nós;
Barton Clarke, diretor-geral do Instituto de Pesquisa Agrícola e Desenvolvimento do Caribe


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