Eleicoes2010

Reféns do horário eleitoral gratuito

Sem acesso a internet, a jornais e a revistas, cidadãos de zona rural a 70km do Palácio do Planalto dependem do cardápio oficial para decidirem o voto, mas não gostam muito do que ouvem

Igor Silveira
postado em 22/08/2010 11:09
;Essa é a mulher do Lula?;, pergunta a dona de casa Djalva da Abadia Coutinho, 41 anos, ao escutar, pela primeira vez, a voz da candidata à Presidência da República pelo PT, Dilma Rousseff, no programa eleitoral gratuito no rádio. A moradora de Sobradinho dos Melos, área rural a cerca de 70 quilômetros do Palácio do Planalto, integra uma fatia da população que não tem acesso a meios de comunicação, como revistas, jornais ou a rede mundial de computadores. Portanto, só passa a ter conhecimento das propostas dos candidatos com o início da propaganda política no rádio e na televisão. São apenas 45 dias ; período em que os programas são exibidos ; para que essas pessoas avaliem as opções e escolham, por exemplo, o próximo presidente do Brasil.

Desde a última terça, quando foram ao ar os primeiros programas eleitorais, Djalva faz questão de acompanhar as propostas. A dona de casa afirma que está mais atenta à importância de escolher um bom representante desde que uma desgraça ocorreu na família, há um mês. Em julho, o filho mais velho dela, Diego Braz Coutinho, 17 anos, morreu vítima de leucemia no Hospital de Base. Djalva conta que faltavam remédios e que o filho não recebeu o tratamento adequado. Diego passou por três hospitais públicos e, desenganado, passou os últimos dias de vida tomando altas doses de morfina para aliviar as dores.

;É um sofrimento grande. Se a saúde no Brasil estivesse bem, meu filho não estaria embaixo da terra neste momento. Foram três hospitais públicos e nenhum conseguiu dar um tratamento decente ao Diego. É por isso que quero escolher bem em quem votar e escuto com cuidado o que cada um dos políticos diz para saber quem vai merecer o meu voto;, ressalta Djalva, na sala simples da casa onde mora, ao lado do rádio, único meio de comunicação de que dispõe. A casa dela faz parte dos 5% da população brasileira que não possui televisão, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), divulgada em 2008 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Durante os 25 minutos de programa eleitoral no rádio, Djalva fez observações sobre quase todos os candidatos à Presidência. ;Dizem que esse rapaz fez muitas coisas na saúde. Eu também sei que ele foi bem em São Paulo, mas no Brasil é diferente, né? O país é grande;, comenta, sobre o presidenciável tucano, José Serra. ;Eu votei no Lula na última eleição. Mas não sei se essa Dilma é boa também. Não conheço ela bem;, completa sobre a petista. ;Ela só fala de natureza, né?;, questiona sobre Marina Silva (PV).

Indecisos
A poucos metros da casa de Djalva, a dona de casa Magnólia de Araújo, 53 anos, reclama da interrupção do programa a que estava assistindo na televisão. Uma tela azul anuncia o início da propaganda eleitoral. ;É chato, mas sei que preciso assistir. Até porque não sei direito ainda quem são os candidatos e não decidi em quem votar;, explica. Na pequena casa, além de Magnólia, vivem o marido, uma filha e dois netos. A televisão e o aparelho de DVD são os luxos da família. De computador, só ouviu falar. Mesmo que tivesse, não usufruiria plenamente das maravilhas da internet. Ela não faz parte dos 24% dos domicílios brasileiros que têm acesso à internet em casa, segundo o PNAD do IBGE, e é semi-analfabeta. ;Sei escrever meu nome e leio uma ou outra coisa;, conta.

Magnólia não se lembra em quem votou na última eleição presidencial, mas diz ter certeza de que não foi em Lula. Por isso, diz não confiar muito na ;mulher que aparece com ele; em todos os programas. A dona de casa também reforça que nunca gostou de Fernando Henrique Cardoso porque passou por momentos difíceis durante a gestão tucana. ;Eles são amigos;, avisa quando José Serra aparece na tela. A propaganda de Marina Silva passa tão rápida que a eleitora nem percebe. ;Era outra candidata?;, pergunta. Sobre as produções televisivas dos outros presidenciáveis, Magnólia ri e ironiza: ;Esses aí não têm muito dinheiro para fazer a propaganda, né?;.

Quando chega ao fim o programa, passaram-se 50 minutos. Magnólia também quis conhecer as propostas dos candidatos a uma vaga na Câmara, mas diz não ter se interessado por nenhum deles. Com ar entediado, arremata: ;Os programas são todos iguais e a minha impressão é que todos eles prometem a mesma coisa. Está difícil escolher um;. O tempo urge e, agora, restam 42 dias para que Magnólia decida em quem votará no pleito de outubro.

O número
5%
Percentual de domicílios que não têm televisão em casa, de acordo com o IBGE

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