Festival de Brasilia 2017

Longa de encerramento do Festival de Cinema aposta em ficção e literatura

O filme Arábia, último da mostra competitiva, faz referência ao clássico de James Joyce e à vida de operários em Minas Gerais

Ricardo Daehn
postado em 23/09/2017 07:31
Arábia, o filme, é estruturado em histórias paralelas que se cruzam e se completam
Ao longo de três anos, os diretores João Dumans e Affonso Uchôa investiram em Arábia, longa-metragem que trança os percursos de dois personagens: o operário Cristiano (Aristides de Sousa) e um desconhecido dele, o jovem André (Murilo Caliari). O título do filme que encerra a mostra competitiva do 50; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro mantém o nome do conto do irlandês James Joyce que inspirou a produção.

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;O material foi traduzido para a realidade de Ouro Preto (Minas Gerais) e transformado em algo completamente diferente. O título faz alusão a As mil e uma noites, com narrativas ancestrais que se completam e puxam outras histórias;, comenta o cineasta Affonso Uchôa.
[SAIBAMAIS] Arábia, o filme, é estruturado em histórias paralelas que se cruzam e se completam. ;Queremos estabelecer uma ponte entre a vida proletária e o universo da literatura. Mostrar a grandeza das histórias comuns. O quanto a vida de trabalhadores ou de viajantes carregam histórias potentes, mesmo que tendam a passar anônimos pela vida. São pessoas que constroem verdadeiros épicos;, explica o cineasta mineiro Affonso Uchôa. A parceria dele com o colega João Dumans reafirma uma amizade antiga que permeou o longa anterior A vizinhança do tigre (2014), no qual Dumans foi assistente de direção, roteirista e montador.

Diário de anotações

;Aristides de Sousa era ator de A vizinhança, e construímos uma história especialmente para ele. A ideia foi romper a associação entre literatura, celebridade e intelectuais;, conta Uchôa. Na trama de Arábia, André, um jovem morador da Vila Operária, está em bairro vizinho à velha fábrica de alumínio em Ouro Preto. Nos arredores, descobre o caderno de anotações de um operário. Em pauta, vidas se cruzam, em momento improvável, movido pelas memórias do trabalhador, levantando fatos de uma década.

;Cristiano, um dos protagonistas, teve os 10 últimos anos passados na estrada. Atravessa cidades e oportunidades de trabalho. Acho ele atual, já que a exploração e opressão constante da classe trabalhadora é algo atemporal. Sondamos o que é ser trabalhador e quais as condições atuais dos trabalhadores no país;, comenta Affonso Uchôa.

Arábia se propõe, nas palavras do cineasta, a examinar o que resta de identidade na classe trabalhadora brasileira. ;Temos o total esfacelamento da classe operária, que não se reconhece mais. Não há como se manter requisitos básicos de integração: os sindicatos não fazem mais sentido; há a reforma, que é basicamente um desmonte da CLT, e os partidos políticos que se mostravam como representantes dos trabalhadores, cada vez menos revelam esta função;, reforça o concorrente a Candango.


Outros Candangos

Feito a partir de R$ 430 mil, Arábia teve mais de 65 horas de gravação. A narrativa é ampla, envolvendo cidades como Belo Horizonte, municípios de Contagem, Brumadinho e fazendas da região de Ouro Preto. Profissionais ligados a produções vencedoras de prêmios Candango, como o diretor de fotografia Leonardo Feliciano (de Branco sai, preto fica) e Gustavo Fioravante (no som, como em Elon não acredita na morte). Editor dos longas de Julio Bressane, Rodrigo Lima, com Luiz Pretti, responde pela montagem de Arábia.

;O filme tem contraste acentuado. Não tivemos medo do escuro;, diz Uchôa. Na tela estarão personagens dos atores Renan Rovida (da Companhia do Latão), Glaucia Vandevelt (do grupo Espanca) e Wederson Neguinho (premiado, no ano passado, por A cidade onde envelheço). Uchôa, na expectativa da estreia, é só alegria. ;Nem como espectador estive no Festival. É uma oportunidade única! Para mim, se trata do mais importante festival de cinema do Brasil. Digo, pelo histórico de filmes premiados e que marcaram a filmografia nacional;, conclui.


Mostra competitiva
Às 21h30, no Cine Brasília (EQS 106/ 107), com o curta A passagem do cometa, de Juliana Rojas (19 min, 2017, SP, não recomendado para menores de 12 anos) e o longa-metragem Arábia, de Affonso Uchoa e João Dumans (96min, 2017, MG, classificação indicativa livre).



O curta da noite

A passagem do cometa
De Juliana Rojas (19min, 2017, SP). Na sala de espera de uma clínica de abortos clandestina, a recepcionista, uma paciente e uma acompanhante aguardam a passagem do cometa Halley, enquanto a médica enfrenta dificuldades com um dos procedimentos.

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