Made in Brasilia

Produção de café de Brasília é uma das maiores do país

Apesar do título, a cidade faz muito em um pequeno espaço. A área plantada no DF é baixa, sobretudo, se comparada à regiões de maior tradição no cultivo do fruto, como Minas Gerais e São Paulo

Roberta Pinheiro - Especial para o Correio
postado em 21/04/2017 00:00

Xícaras simples de flandres. Um café passado no saco de pano e servido por uma adolescente goiana de cabelos castanhos, alguns cachinhos e vestido de seda. Era 1956 e o então presidente da República, Juscelino Kubitscheck, bebia, pela primeira vez, um cafezinho colhido, socado, moído e torrado em pleno Planalto Central. Ele e sua comitiva formada, entre outros, pelo engenheiro Bernardo Sayão, o então governador de Goiás, Juca Ludovico, e o médico Ernesto Silva aterrissaram na Fazenda Gama para conhecer as terras que viriam a abrigar um sonho. Dali, o homem alto e esguio vislumbrou a construção de Brasília, a nova capital do país. Anos se passaram, os planos e a cidade cresceram, bem como a produção brasiliense do fruto.

Em 57 anos, a produtividade do grão na capital se tornou uma das maiores do país. De acordo com dados da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Distrito Federal (Emater), no quadradinho colhe-se, em média, 60 sacas do fruto - cerca de 60kg cada ; em um hectare. A média nacional é a metade. Contudo, em Brasília, se faz muito em um pequeno espaço. A área plantada no DF é baixa, sobretudo, se comparada à regiões de maior tradição no cultivo do fruto, como Minas Gerais e São Paulo. Um dos segredos está no uso de tecnologias e consultas para fazer a cultura render o máximo no menor terreno possível.

Apesar do título, a cidade faz muito em um pequeno espaço. A área plantada no DF é baixa, sobretudo, se comparada à regiões de maior tradição no cultivo do fruto, como Minas Gerais e São Paulo

Para a administradora e barista Thamis Fontenelle, 36 anos, infância tem cheiro de café, ou mais precisamente, de torra de café. ;Antes de termos a estrutura da torrefação, meu pai torrava na casa da fazenda, no fogão à lenha;, recorda. O patriarca, Eurípedes Fontenelle, começou a plantar os primeiros pés do fruto em 1993 na Fazenda Santa Rosa, à margem da BR-251 (Brasília - Unaí), na região do Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD-DF). Ele trouxe alguns grãos de Goiânia, da propriedade de um tio.
;Ele sempre foi um apaixonado por terra e pela lavoura;, conta a filha. No início, o agricultor produzia na propriedade e vendia para cooperativas. Com o passar dos anos, no entanto, notou que a cultura poderia expandir - a terra argilosa e o clima da região contribuem para o plantio. Eurípedes contratou consultores especializados e investiu em tecnologia para produzir um café de alta qualidade. Surgia a marca: Café Fontenelle. ;Ele escolheu o sobrenome da família como forma de atestar esse valor e passou a focar a distribuição no mercado de Brasília para elevar o consumo na capital;, explica Thamis.
Com empenho e cuidado, Eurípedes pôde acompanhar o crescimento e a formação dos dois amores: a lavoura e a família. Até que, em 2004, um infartou surpreendeu os Fontenelle e, por um momento, após a morte do patriarca, Thamis, que já trabalhava com o pai, pensou em colocar um ponto final na produção. ;Continuei não só por ele, mas, quando vi, havia se tornado minha paixão e meu sonho também;, justifica. A única modificação que a família fez foi vender a fazenda, mas o novo dono continuou produzindo os grãos, que se tornaram o primeiro café gourmet brasiliense.
Casada e mãe de três filhos, Thamis herdou a dedicação do pai e acompanha de perto todas as etapas da produção do Café Fontenelle. De segunda a sexta-feira, ela fica no escritório da empresa no Setor de Indústria e Abastecimento (SIA) - ponto físico na cidade para receber os clientes e mostrar as possibilidades da bebida - e, uma vez por semana, visita a fazenda para certificar o que sai dali. O trabalho e essa energia, que Thamis brinca dizer que vem do café, rendeu diferentes resultados para a marca.
Além do produto gourmet, eles disponibilizam no mercado o café Nosso Cerrado e abriram uma marca específica de máquinas de café ; Tazzamaq. ;Meu pai sempre foi um visionário. Acho que está orgulhoso de tudo o que construímos. Estamos atingindo as metas da empresa;, afirma a filha.
A Fazenda Santa Rosa e os Fontenelle produzem uma bebida 100% arábico e 100% brasiliense e só mandam para o mercado os melhores grãos. No Distrito Federal, o café é vendido em mais de 150 restaurantes, cafeterias, docerias e mercados. O objetivo é mostrar aos empresários da cidade que vale a pena tomar um café produzido aqui e de qualidade. ;Nosso produto não perde para nenhum outro e, ao associar duas empresas brasilienses, fortalecemos a capital;, comenta Thamis.
Pela internet, o Café Fontenelle já foi exportado para outras regiões e estados, como Nordeste, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso. Até para a França Thamis conta que enviou uma remessa. ;Uma família de lá com o mesmo sobrenome que o nosso nos achou e fez o pedido;, lembra.
A administradora e barista ressalta que o setor tem dificuldades e obstáculos. ;Mas, hoje, as pessoas têm dado mais valor;, acrescenta. O aumento de cafeterias em diferentes pontos da cidade é vantajoso, porque aumenta o padrão de consumo. ;O paladar do brasiliense é exigente, requintado e curioso. São pessoas que viajam e veem coisas novas;, descreve. E Thamis, assim como o pai, sempre confiou no valor do seu produto. ;Café é como vinho. Você não vai ter o melhor café, são tipos diferentes. Nós levantamos a bandeira da nossa terra, da nossa região e do frescor do café produzido aqui;, afirma. Por fim, ela brinca: ;Minha avó costuma dizer que o melhor café é aquele que você gosta e eu adoro o café que fazemos aqui;.

Alta qualidade

A cultura do consumo da bebida e das charmosas cafeterias brasilienses despertaram o faro empreendedor de dois jovens amantes do café: João Pedro Lopes de Freitas, 27 anos, e Bebel Silva Hamu, 31. Há menos de um ano, os dois abriram o AHA! Cafés, uma microtorrefação artesanal do grão no início da Asa Norte. Nada de grandes galpões e muitas máquinas.
A empresa tem um único equipamento que João Pedro aprendeu a dominar com a prática. O que toma conta do espaço são as sacas de café especial ; café com características sensoriais, classificados positivamente pelo aroma, corpo, acidez, equilíbrio e sabor. ;Trabalhamos com grãos do Brasil inteiro. Recebemos amostras de vários produtores e selecionamos pela qualidade. Aqui tem café da Bahia, do Espírito Santo e das regiões de Mococa e da Alta Mogiana, em São Paulo;, explica.
Os dois escolheram o seguimento da torra artesanal e mais minuciosa por várias razões. Para aproximar o estilo das cafeterias de Brasília, para ser o elo entre a venda e o produtor, algo que faltava no Distrito Federal, além de ser o setor que tem contato com toda a cadeia produtiva do café.
O AHA! Cafés também foca nos pequenos produtores e nos orgânicos. ;Meu maior sonho é quanto a qualidade do café. Queremos que todo o potencial dos produtores seja reconhecido e que tenha um reconhecimento da nossa terra, quanto ao trabalho dessas pessoas. Queremos contar as histórias deles por meio da qualidade que tanto prezam;, conta João. Por isso, os jovens querem crescer devagar e com calma.
Nem Bebel nem João são brasilienses de sangue. No entanto, os dois adotaram a cidade como casa. ;Me considero mais brasiliense que outra coisa. Gosto muito daqui e me identifico mais com a cidade;, comenta João. Ele já trabalhava com a produção do fruto e também passou a infância correndo no meio das plantações de café do pai. Diferentes gerações da família plantam o grão há anos no interior de São Paulo. ;Apesar da minha região, da Alta Mogiana, ser mais desenvolvida na produção, não tem um consumo ou desenvolvimento na cultura da ponta do café. O público e o estilo de Brasília são mais propícios para isso;, justifica. Foi Brasília também que apresentou o café especial para João, quando ele trabalhou como barista em uma cafeteria brasiliense.
Pela experiência, ele conta que o pai nunca quis trabalhar com a plantação de cafés especiais por desconhecer o mercado e esse receio os sócios também notaram entre alguns produtores do Planalto Central. Bebel tem desenvolvido um trabalho junto com os cafeicultores da região a procura da produção artesanal do DF e dado um retorno para aprimorar o plantio. ;Brasília tem potencial por ser um espaço mais novo. Os produtores são mais novos e o fato de não ter tradição ajuda a começar a fazer algo diferente;, avalia.

Pai e filha

O gaúcho Waldemar Cenci, 59 anos, saiu de Putinga para plantar sonhos em território brasiliense. Chegou em 1984 e decidiu investir na agricultura. Primeiro, apostou nas lavouras de soja e arroz, na área rural de Planaltina. Há cinco anos, trouxe o sabor e o cheiro do café. Da plantação, o agricultor colheu duas safras até agora. A primeira em 2014 e a segunda em 2016. Na média, foram 75 sacas por hectare. Para Waldemar, o grão é um ciclo. Em um ano, a produção é boa, no outro é ruim. Contudo, destaca a produtividade do cultivo como ponto forte e afirma que só não planta mais por causa da falta de água.
O café produzido por Waldemar na Fazenda Yanoama é vendido a negociadores do grão e segue para outras unidades da Federação, onde é torrado e vendido com cafés de várias partes do país. Uma das marcas que usa o fruto do agricultor é a Estrela Dalva, de Formosa (GO). Mas o gaúcho almeja, ainda sem prazo, fazer todo o processo dentro da própria fazenda. Na empreitada, conta com a ajuda da filha e agrônoma, Camila Cenci Baron Quevedo, 27. A ideia de Camila é criar uma marca da família, por isso contratou um consultor que ajuda com dicas para o grão ser cada vez mais puro.

Orgânicos

Foi no quintal de casa, um terreno localizado no Lago Oeste, que uma plantação experimental de 300 pés cresceu para 5 mil e se transformou no café 100% orgânico Lote 17B. Há 10 anos, o médico José Adorno, 57 anos, deixou o amor pelo fruto falar mais alto e começou, na chácara onde mora com a família, o cultivo do grão. No início, nada sabia sobre a bebida, mas encarou o desafio e estudou bastante. Hoje, produz um grão orgânico, arábico, da variedade IAPAR, sombreado por bananeiras e outras árvores frutíferas.
O processo desde a plantação até a embalagem ocorre na chácara. A colheita e a seleção são manuais e a secagem, híbrida, em terreiro suspenso e estufa. Tudo sob o olhar minucioso e apaixonado do médico, que aos finais de semana toca a lavoura. Para o futuro, Adorno quer passar esse encantamento aos outros. Ele pretende transformar a propriedade em um ponto de encontro dos amantes da bebida, onde possam conhecer todo o processo e degustar o café fresquinho.
Após participar da Feira Internacional do Café, em Belo Horizonte (MG), em 2014, o matemático Márcio Jório teve a ideia de embalar o café que produzia há quase 20 anos para máquinas de expresso. No evento, ele conheceu o trabalho de uma empresa portuguesa que trata o pó de cafés orgânicos. Márcio passou, então, a enviar o produto à unidade da multinacional europeia em Ribeirão Preto (SP). Ele é o primeiro produtor de café orgânico do DF certificado vendido em cápsulas.
A bebida entrou em sua vida, após o início da aposentadoria, em 1997. Márcio pediu ajuda a um agrônomo para investir na produção e agregar valor ao produto. Comprou uma máquina que permitia torrar e descascar todos os grãos, e ainda providenciou as embalagens. Da lavoura do matemático, nasce o Café Serrazul, bebida gourmet, com aroma e sabor suaves, além de saudável, produzida também no Lago Oeste. São mais de 2 mil pés, em uma área de 1,5 hectare. Márcio não se preocupa tanto com a produtividade do cultivo ; a plantação rende 20 sacas por hectares -, ele presa por tirar do solo o melhor resultado possível.
A poda dos pés e a casca do café são moídos e voltam para o solo. A escolha do grão a ser processado é manual, como se cata o feijão. Só vão para a torra os de primeira qualidade. Para garantir um sabor diferenciado, o agricultor investe ainda em outra técnica: a do descansado. Ele ensaca os grãos com casca, após a secagem, por um ano. Nesse período, o grão absorve os açúcares naturais presentes na poupa e reduz a acidez da bebida.

EXPERIMENTE

Café Fontenelle

Produzido na Fazenda Santa Rosa, a 70km do Plano Piloto, na região do Programa de Assentamento Dirigido do DF (PAD-DF)
Onde encontrar: O show-room fica no SIA Sul, Quadra 4C, Lote 56, Ed. SIA Center I, Sala 314. Lá, o cliente pode degustar e comprar os produtos da marca. Também é vendido em diversos restaurantes e cafeterias do DF. Informações: 3234-5133 e 3234-5458

AHA! Cafés

CLN 204 Bloco B Loja 59, Asa Norte
Produção mensal: 4 ou 5 sacas de 60 kg cada uma
https://www.instagram.com/ahacafes/
Onde encontrar: Em diferentes cafeterias do DF

Lote 17B

Produzido no quintal de uma chácara do Lago Oeste
Plantação com 5 mil pés de café
Orgânico, 100% arábico e da variedade IAPAR
Onde encontrar: vendido diretamente pelo produtor, por meio do WhatsApp (99983-8310), e-mail (chacara17b@cafelote17b.com) ou pelo site oficial (lote17b.com.br). O pacote sai a R$ 40.

Café Serrazul

Produzido em uma chácara no Lago Oeste
Plantação com 2 mil pés, em uma área de 1,5 hectare
Produção de 20 sacas por hectare
Orgânico
Onde encontrar: no varejo, é possível comprar os produtos da marca no Mercado Orgânico da Ceasa, às quintas e sábados, das 7h às 12h. Mais informações: jean.diferencial@hotmail.com. Os cafés de Márcio Jório podem ser encomendados pelos telefones 3264-3997 e 99988-9257. Preços: 1kg de grãos de café torrado custa R$ 45; 500g de café moído saem a R$ 12; uma caixa com 10 cápsulas, R$ 20.

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