Ser Sustentável

Planeta esperança

Fotógrafo inaugura a exposição Gênesis, resultado de oito anos de trabalho percorrendo o planeta em busca da vida que ainda permanece intocada e preservada

Nahima Maciel
postado em 02/09/2014 11:27

Aos 70 anos, Sebastião Salgado está convencido de que, se o homem não se reconectar com a natureza, ele vai caminhar rumo à extinção. Mas isso não angustia mais o fotógrafo. Depois de oito anos a percorrer os quatro cantos do mundo em busca das paisagens, dos bichos e das pessoas que ainda vivem em profundo diálogo com o planeta, Salgado não tem mais medo de imaginar o fim da própria espécie. A ideia o deixou triste e doente quando terminou Êxodos, o ensaio que o levou a acompanhar as migrações e a reformulação do que chama de família humana.

Mas Gênesis foi como uma cura. ;Quando terminei de fazer o Êxodos, eu não estava bem. Começamos aquele projeto ambiental no Vale do Rio Doce e me motivei tanto em direção à natureza, que estava vivendo a natureza. Então, quando quis fazer Gênesis, eu estava todo preparado. Fui procurar o planeta;, contou o fotógrafo, em entrevista ao Correio, enquanto verificava, ao lado da mulher, Lélia, a montagem da exposição que o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) inaugura amanhã.

Gênesis tem cinco módulos que circulam pelo mundo e já foram vistos, segundo as contas de Salgado, por 2 milhões de visitantes. Foram, em média, oito meses de trabalho por ano com a produção de quatro reportagens anuais. ;Passei praticamente cinco anos e meio só fotografando. Esse tempo é necessário. Não digo que você não faça fotografia com menos tempo, você faz, mas as oportunidades são bem menores;, conta. Na bagagem, o fotógrafo incluiu as câmeras digitais. Em vez dos 35kg de filme que transportava ao redor do mundo, ele carrega hoje 800 gramas de cartões de memória. ;Diminuí a poluição de maneira drástica, porque a gente usava aqueles reveladores. Na realidade, continuo quase que da mesma forma. Arranjei uma fórmula: fotografo com digital e meus assistentes me fazem uma prancha de contato que edito com uma lupa porque não sei editar no computador;, revela.

No CCBB, a exposição tem 245 imagens nas duas galerias e 52 nos painéis externos, ao ar livre. A montagem é de Lélia Wanick Salgado, mulher do fotógrafo e curadora responsável por todas as exposições e pela edição dos livros. Quando lançado, no ano passado, Gênesis, que é editado pela Taschen, vendeu 250 mil exemplares em quatro meses.

A exposição está dividida em capítulos que Lélia chamou de Planeta sul, Santuários, África, Terras do norte e Amazônia e Pantanal. Ao final, uma pequena sala consagrada ao Instituto Terra explica como o casal Salgado recuperou um pedaço da Mata Atlântica em uma fazenda herdada do pai de Sebastião no interior de Minas Gerais. Abaixo, o fotógrafo conta como Gênesis é, ao mesmo tempo, um sopro de esperança e um alerta para o futuro do homem na Terra.

ENTREVISTA / Sebastião Salgado

Gênesis é um respiro, uma cura depois da devastação que você viu e viveu com Êxodos?

Tudo que fiz em fotografia foi uma forma de vida e o Gênesis correspondeu a esse momento da minha vida. Diversas variáveis me levaram a fotografar o Gênesis. É uma etapa da minha vida, mais que qualquer outra coisa. Essas fotografias hoje participam de um movimento de informação em torno do planeta. Ela hoje tem uma função e você tem a impressão de que ela foi feita para isso, mas na realidade não foi. Foi um momento em que só poderia fazer isso. Cumpri uma etapa.

O tempo de fotografar as paisagens, os animais, os povos autóctones é diferente do tempo de fotografar os movimentos humanos pelo mundo?
Não é diferente. Para fotografar qualquer coisa, você precisa de um tempo. Existe um tempo da fotografia. Pode ser que as coisas aconteçam para você no pouco tempo que você teve para elas, mas é necessário você dar muito tempo para que as coisas aconteçam. O tempo da fotografia é um tempo muito mais lento do que a gente está acostumado, é um tempo muito longo, muito lento se a gente comparar com a velocidade das coisas que a gente faz. Você vive fotografia 24 horas por dia. Você dorme com ela, você acorda com ela, acorda com a luz, com a imagem na cabeça, você acorda totalmente integrado no que você vai fazer. Você sabe que vai chegar, que as coisas vão acontecer, e você capta essas coisas naquela fração de segundos. Às vezes, as coisas não acontecem durante um momento muito longo, então você tem que estar completamente dentro do fenômeno para saber que o fenômeno chegou no ápice e que você vai fazer, mas para isso precisa de tempo.

O tempo em que a fotografia acontece é ínfimo em relação à logística necessária para chegar até ele?
É ínfimo. Se você considera o tempo que passei para fotografar nesses oito anos não é 1% do tempo que dediquei a esse projeto. O tempo de preparação, o tempo de edição, o tempo das outras pessoas que também trabalhavam no projeto, o tempo da Lélia, que me ajudou a conceber, o tempo que os laboratoristas levaram para criar os filmes na edição principal. O tempo que dediquei realmente fotografando foi muito pequeno em relação ao total. Mas mesmo assim, você precisa desse tempo, que é o de grande dedicação.

Você terminou o Êxodos descrente da espécie humana. Com Gênesis, você voltou a acreditar no homem?
Mudou a minha percepção. Eu tinha uma preocupação com as coisas do ser humano e achava que só ele tinha importância. Eu estava completamente mergulhado na minha espécie. A grande transformação na minha vida foi que descobri, através do Instituto Terra e depois do Gênesis, que a minha espécie é tão importante quanto todas as outras. E são milhares de espécies que compõem essa unidade que é o nosso universo. Não estou seguro de que o ser humano vai sobreviver, mas não tenho mais uma preocupação se ele vai sobreviver ou não. Não tenho mais essa decepção que eu tive quando terminei o Êxodos, em que eu estava totalmente concentrado só no ser humano. O importante é que o planeta vai se refazer das mazelas que criamos nele, vai reconstituir o desequilíbrio que nossa espécie provocou. O equilíbrio vai voltar a existir, mesmo que a gente não tome a decisão de participar dele. Porque nós saímos do equilíbrio. Não sabemos mais o ciclo das águas, a vida dos pássaros, não conhecemos mais o movimento das nuvens, não somos capazes de prever uma catástrofe ecológica. Os outros animais são. E nós éramos. Perdemos essa parte do nosso instinto. Mas eu descobri que nós não somos importantes.

Com toda essa destruição causada pelo homem, foi difícil encontrar as paisagens de Gênesis?
Não. Mais ou menos 46% do planeta ainda está como no dia do Gênesis. Destruímos uma boa metade, a metade mais fácil de destruir, destruímos, a mais plana, com temperaturas mais clementes. Agora, os grandes desertos ainda estão aí em mais de 95%, as grandes extensões de terra realmente frias estão na Antártica, preservadas em 99%, as terras acima de 3 mil metros estão quase todas aí, ainda existe uma grande quantidade de floresta tropical no Brasil, a gente sabe que existe. Destruímos, talvez, 25% da Amazônia, mas na Venezuela eles não usaram a Floresta Amazônica porque tinham petróleo e ela está lá em mais de 90%, a Colômbia ainda tem. Ainda tem uma grande parte na Ásia. As florestas frias na Sibéria estão lá. Não foi difícil achar. Foi difícil fazer, porque é de difícil acesso, extremamente frio, extremamente quente, extremamente seco, extremamente úmido, extremamente alto. Mas existe e está aí. O que tenho aqui é um corte representativo de uma coisa que existe.

Essas fotos são parte da tentativa de mudar uma mentalidade, de criar um movimento e uma consciência?
Eu tenho esperança. Acho que essas fotografias sozinhas não são nada, mas dentro do seu texto, do que está se passando hoje no departamento das Nações Unidas de denúncia da aquecimento global, dentro das organizações ambientalistas brasileiras, pode fazer parte desse despertar. Eu não era ecologista quando recebemos um pedaço de terra no interior de Minas Gerais e a Lélia teve a ideia de replantar a floresta. Começamos a replantar e hoje já sequestramos quase 100 mil toneladas de carbono. Calculamos porque estamos vendendo nosso carbono para a Taschen, a maior editora de livros de arte do planeta e que faz uma emissão de 12 mil toneladas por ano. Temos árvore suficiente para capturar toda a emissão de carbono da Taschen. É fantástico. E é pequenininho.

A tecnologia não mudou sua forma de trabalhar, mas você não tem medo que, daqui a 50 anos, a tecnologia mude e não se possa mais ler essas imagens?

Medo não, mas a fotografia está mudando drasticamente. Hoje, todo mundo fotografa com o telefone, com a câmera digital, é um arquivo, você mostra, todo mundo vê, mas aquela imagem está entre tantas! É uma diarreia de imagens, ninguém imprime mais, ninguém mais tem um álbum de fotografia. A fotografia desapareceu para a grande massa que existia antigamente e hoje é só para os fotógrafos. A fotografia hoje é uma obra de arte. Então você tem, por exemplo, o Paris Photo, que é uma grande reunião de agências e galerias que, em uma semana, vende centenas de milhões de dólares em fotografias. Quando você vai lá dentro, 90% daquelas fotografias foram feitas sem muita emoção, como um objeto de arte, e não contam mais a história da memória que elas tinham. Um albinho de fotografia que sua mãe fez quando você era bebê tem muito mais emoção que as fotografias lindas que estão dentro da galeria. Eu acredito que, em alguns anos, a fotografia passe a outra coisa.

Gênesis
Exposição de Sebastião Salgado. Curadoria: Lélia Wanick Salgado. Visitação até 20 de outubro, de quarta a segunda, das 9h às 21h.

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