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Esperança nas cordas musicais

Maestro brasiliense de 31 anos monta orquestra com 10 alunos entre 11 e 17 anos no Guará. Os instrumentos são doados e o grupo precisa de ajuda para levar o projeto social a outras cidades do DF

postado em 27/09/2012 08:00
Criada há dois meses por Ricardo Castro, seguindo um modelo adotado com sucesso na Venezuela, a Orquestra Juvenil do Guará tem ambição técnica: curso intensivoEla havia ouvido música clássica duas vezes na vida, uma delas grudando o ouvido na tevê. Ele, por sua vez, seguia a batida do rap. Nem sequer sabia o que era uma orquestra. Os irmãos Larissa Aparecida dos Santos Barbosa, 15 anos, e Alyson Cosme dos Santos, 11, moradores do Guará 2, nunca tiveram contato direto com instrumentos eruditos e, por pertencerem a uma família humilde, jamais puderam comprá-los. Hoje, porém, ambos fazem parte da Orquestra Juvenil do Guará ; projeto encampado pelo maestro brasiliense Ricardo Castro, dedicado ao resgate social de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Atualmente, 10 alunos entre 11 e 17 anos participam das aulas realizadas duas vezes por semana, das 18h às 21h, em uma sala do Centro Socioeducativo Santo Aníbal, na QE 40.

Com dois meses de funcionamento, a iniciativa conquistou o olhar de colaboradores. Parte dos instrumentos foram doados pela comunidade. Três, em especial, conseguidos por meio de uma campanha em uma rede social. O restante foi comprado com dinheiro arrecadado de outros músicos. Além de violinos, foram adquiridos violas, violoncelos e percussão clássica. Todos eles emprestados aos estudantes. ;Eles não levam para casa, deixam no Santo Aníbal. Isso porque, se desistirem das aulas, abrimos vagas para outros interessados;, explicou o maestro.

Ricardo foi proprietário, durante 10 anos, de uma escola de música em Brasília. Ele observa a diferença no aproveitamento dos dois públicos. ;A pessoa carente chega a demonstrar mais interesse do que quem paga pelo curso;, compara. ;No Guará, por exemplo, eles têm aprendido bem rápido.;

Para a diretora e representante legal do Centro Socioeducativo Santo Aníbal, Diane Galdino Morais Silva, acolher o projeto foi como realizar um sonho. ;Queria fazer um centro de aprendizado para esporte, arte e cultura. Pegar um adolescente sem esperança e colocar nas mãos dele um instrumento como um violino é algo lindo, vê-lo ler uma partitura é emocionante;, completa. Entre os aprendizes, estão ex-alunos e parentes de estudantes da instituição que atende, atualmente, 320 crianças de um a 10 anos.

Aula após aula, Alysson trabalha a intimidade com o violino, objeto distante da realidade do menino. Após um teste vocal, o instrumento foi o mais compatível com o timbre do garoto. ;É complicado apertar a corda e também posicionar o arco. Estou aprendendo ainda;, esclarece o estudante de 11 anos.

A irmã, de 15 anos, por sua vez, tenta se equilibrar agarrada ao corpo do violoncelo. ;É bem grande. Ultrapassa a minha cabeça, mas tem uma base onde posso apoiá-lo;, percebe. Diferentemente do irmão, que sonha em ser ator, Larissa pretende se profissionalizar na música e fantasia tocar para um grande público na Itália, país do qual ouviu falar muito bem. Os irmão completam um total de nove filhos. Sete deles moram com a mãe e o padrasto.

Exemplo da Venezuela

Ricardo Castro, de 31 anos, se divide entre Brasília e Caracas, na Venezuela, onde faz mestrado em regência orquestral na Universidade Simón Bolívar. Lá ele conheceu o El Sistema, nome popular do projeto que tem tirado jovens da marginalidade e levado-os às salas de concerto. A ação ; que existe há 37 anos ;proporciona ensino musical a mais de 300 mil alunos, em cerca de 400 orquestras espalhadas pelo país. ;Eu tive contato com a ideia deles e decidi começar algo parecido aqui;, conta Ricardo. ;Buscamos criar uma orquestra em cada região administrativa, além de formar multiplicadores;, completa.

A metodologia do projeto se difere das já existentes no Brasil e enfoca o aperfeiçoamento técnico. ;Normalmente, quando é feita essa ligação entre cultura e trabalho social, pensa-se, simplesmente, em colocar aquela pessoa em contato com determinada atividade. Na Venezuela, as pessoas assistem aos concertos já sabendo que se trata de profissionais com alto nível de performance;, sinaliza.

As vagas na Orquestra Juvenil do Guará, por ora, são limitadas. Isso ocorre proporcionalmente à quantidade de instrumentos arrecadados. A expectativa, entretanto, é formar grupos de 40 a 50 pessoas em cada localidade do DF. ;Temos submetido as pessoas que nos procuram a testes musicais. As que demonstram mais afinidade com a música estão sendo priorizadas. Essa, no entanto, não é a nossa meta. Procuramos abrir espaço para todos os que quiserem participar;, antecipa.

A inclusão dos jovens no mercado de trabalho é outra bandeira da ação. No futuro, os envolvidos na iniciativa pretendem pleitear auxílio do Governo do Distrito Federal (GDF) e de particulares para manutenção do projeto. Aguardam apenas o registro formal como pessoa jurídica.

Expectativa

A partir da semana que vem, os alunos passarão por um curso intensivo de duas semanas ; para elevar o nível técnico dos aprendizes ; com o maestro José Carmelo Calabrese, de 26 anos, da Venezuela. Ele é diretor artístico da Orquestra do Conservatório de Música do Estado de Carabobo e violista da Orquestra Sinfônica Estadual de Carabobo.

Ele chegou a Brasília na semana passada. ;A ação tem tentado salvar a juventude do país. Afinal, elimina-se o tempo de ócio daquelas crianças e daqueles adolescentes, inserindo esses meninos em teatros, em conservatórios. Isso os sensibiliza e os educa;, acredita.

Calabrese fala sobre a turma do Guará: ;Minhas expectativa para esse curso é que ele alcance pessoas que ainda não conhecem o projeto e, por sua vez, alcance Brasília como um todo e as demais regiões que a circundam;, conclui.

Embora os alunos não possam contribuir na manutenção da iniciativa com quantias em dinheiro, o maestro Ricardo Castro afirma que a mobilização da sociedade é grande. ;Por um lado, não temos como arrecadar nenhum recurso dessas famílias, mas, por outro, recebemos ajuda da comunidade e acabamos conseguindo maior envolvimento de empresas e governo;, justifica.

Personagem da notícia
Regente orquestral

Vencedor do concurso Jovens Compositores, da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre em 2012, o brasiliense Ricardo Castro é graduado em regência pela Universidade de Brasília (UnB). Participou de classes de regência orquestral na Itália, na República Tcheca, na Argentina, na Venezuela e no Brasil, com maestros, como Helmuth Rilling, Kirk Trevor, Sergio Feferovich e Lanfranco Marcelletti. Castro foi aluno de Emílio de César, entre 2009 e 2010, e regeu orquestras no Brasil e no exterior, entre elas a Orquestra Sinfônica Rossini (Itália), a Orquestra Sinfônica Estadual de Carabobo (Venezuela), a Ensamble Contemporâneo Simón Bolívar (Venezuela), e a Orquestra de Câmara Municipal de Lanús (Argentina). Também conduziu produções das óperas La Forza Del Destino, Orfeu e Eurídice e Cena Musical ; que compôs e estreou em 2004. Fundou o Coro de Câmara de Brasília, em 2001; a Orquestra Filarmônica do Sudoeste, em 2012, e o Centro de Música Ricardo Castro, onde desenvolveu projetos didáticos e artísticos de 2003 a 2010.


Para ajudar / A Orquestra Juvenil do Guará precisa de instrumentos musicais novos ou usados. Também aceitam-se contribuições em dinheiro. Os interessados podem entrar em contato pelo e-mail: maestro.ricardo.castro@hotmail.com. Para se ter uma ideia, um violino custa R$ 180; uma viola, R$ 380; um violoncelo, R$ 800; e uma estante para partitura, R$ 65.

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