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O medo ronda as escolas

Série de reportagens do Correio mostra o perigo que alunos, professores e funcionários de colégios públicos e particulares do DF correm todos os dias. Comandante do Batalhão Escolar afirma que pais, docentes, diretores, funcionários e o próprio governo precisam também fazer sua parte no combate ao crime

Adriana Bernardes
postado em 31/03/2014 10:25

Segundo levantamento do Batalhão Escolar, casos ocorrem, principalmente, às quintas, sextas e segundas-feiras

Nas mochilas, revólveres, facas e estiletes dividem espaço com os livros. Adolescentes são baleados no pátio da escola. Professores recebem ameaças de morte de alunos. Quando não protagonizam atos de violência, os estudantes são vítimas dela. O ataque de criminosos a caminho do colégio é rotineiro e assombra toda a comunidade escolar. Essas são algumas amostras das mazelas, em escolas públicas ou privadas do DF, que serão relatadas em uma série de reportagens sobre a insegurança nas instituições publicada pelo Correio Braziliense a partir de hoje.

Os relatos obtidos são fruto de entrevistas realizadas ao longo de duas semanas com professores, diretores, alunos, pais e policiais civis e militares. A reportagem percorreu escolas em oito regiões: Brasília, Ceilândia, Paranoá, Guará, Taguatinga, Arapoanga e Planaltina. Em algumas delas, enfrentou a resistência dos profissionais em falar sobre o assunto.

A delegada Mônica Ferreira, da DCA I, diz que as ocorrências são diárias

Pela gravidade dos fatos ocorridos recentemente, o Centro Educacional Caseb, no Plano Piloto, e o Centro de Ensino Fundamental 209 (CEF 209), em Santa Maria, foram as primeiras instituições procuradas. Em 28 de fevereiro, João*, 14 anos, levou um tiro nas costas no pátio do Caseb, localizado em área nobre de Brasília, na 909 Sul. Ninguém de fora invadiu o estabelecimento. Os disparos foram efetuados por dois alunos que queriam se vingar da vítima. Em Santa Maria, Pedro*, de 15 anos, foi baleado no pé dentro do CEF 209 por dois homens que entraram pela porta da frente. As marcas estão evidentes no corpo dos dois, mas as cicatrizes estão em todo um sistema.

Nem mesmo a unidade do Batalhão Escolar, dentro da instituição, impediu a tentativa de assassinato contra João. Para Miriam Abromovay, especialista em violência escolar, isso é uma prova de que apenas a polícia não é solução para problema. ;A escola se tornou desinteressante para os alunos. Eles precisam se sentir parte da construção do saber para zelar por ele.;

Armada, essa parcela de estudantes ; alguns deles com histórico de atos infracionais ; quer mais do que apenas se exibir. Os autores intimidam colegas de classe e funcionários de todos os escalões. ;Precisamos fazer um pacto pela educação. Cada um deve assumir a responsabilidade que é sua: os pais, os alunos, a direção, a polícia, a Secretaria de Educação e todos os demais órgãos governamentais que atuam de forma interdisciplinar;, defende o tenente-coronel Fábio Aracaqui de Sousa Lima, comandante do Batalhão Escolar.

Além disso, segundo especialistas, há a necessidade de os pais enxergarem a escola como uma aliada na formação do filho. ;Os pais devem tomar as rédeas da educação dos filhos e entender que ela começa em casa. Vemos um excesso de liberdade e, quando a escola repreende, os pais condenam professores. Isso corrobora o mau comportamento. Chega uma hora que os atos são tão graves que o adolescente precisa ser internado;, alerta Sousa Lima.

Rotina
Quando o comportamento atinge fisicamente outra pessoa, vira caso de polícia. Se o ato é praticado por menores de 18 anos, acaba na Delegacia da Criança e do Adolescente (DCA). No DF são duas unidades, uma na Asa Norte e outra em Ceilândia. Em ambas, todos os dias é registrado, pelo menos, um caso envolvendo a comunidade escolar.

A quantidade de boletins de ocorrência seria ainda maior se todos os episódios fossem denunciados. Mas há diretores que não têm interesse em prestar queixa por entender que isso mancha a imagem da instituição de ensino. Por outro lado, muitos procuram as delegacias para solucionar problemas administrativos e disciplinares. Nesses casos, são orientados a resolver a questão internamente.

A demanda envolvendo escolas é tão grande na DCA I (Asa Norte) que a delegada-chefe, Mônica Ferreira, transformou o setor de informática em seção de escola e de casos com menor potencial ofensivo. O novo departamento não está oficializado na estrutura da Polícia Civil, mas há um estudo para torná-lo parte do organograma. ;Chegam diariamente casos de ameaça entre os estudantes e contra os professores, de bullying, cyberbullying, injúria, difamação, lesões corporais e vias de fato;, resume Mônica.

Na DCA II (Ceilândia), os registros mais comuns são as lesões corporais, as injúrias e os roubos. ;O tráfico e uso de drogas são muito comentados, mas quase não há registros. Se isso ocorre nas imediações das escolas, o diretor precisa denunciar. Quando sabemos, imediatamente designamos uma equipe para fazer a investigação;, garante o delegado titular, Amado Pereira.

* Nomes fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente


Memória

7 de maio de 2003

Um estudante do Centro de Ensino Fundamental 11, em Taguatinga, baleou um colega da mesma classe dentro de um banheiro do colégio. O autor do disparo, de 15 anos, entrou pelo portão no começo da manhã, entregou a carteirinha para o controle de entrada e se juntou à turma. No intervalo entre as aulas, ele e o aluno de 14 anos foram ao banheiro. O tiro atingiu a coluna vertebral do rapaz. O autor admitiu à polícia que atirou por ter confundido a vítima com um desafeto causado por uma paquera.

7 de Outubro de 2002
Quatro tiros mataram Danilo Evangelista dos Santos, 17 anos, nas proximidades do Colégio Caseb. Dois alunos do Caseb iniciaram a briga que acabou em disparos. Um homem de 22 anos ficou ferido durante o tiroteiro. De acordo com a polícia, o crime ocorreu durante um confronto entre grupos rivais.

1; de junho de 2001
Diego dos Reis, 13 anos, morreu ao ser esfaqueado, ao lado da escola onde estudava, no Pedregal. O autor do crime foi um colega de 15 anos.

13 de dezembro de 2000
Um garoto de 15 anos perdeu a vida em frente à Escola Classe 24, no Gama, durante uma troca de tiros com adolescente da mesma idade.

11 de junho de 1997

Um estudante morreu baleado na porta da escola. Fernando Humberto da Silva, 19 anos, decidiu sair da sala de aula, no Centro Educacional 10, P Sul, para ir ao lado de fora. Na porta do colégio, foi abordado por um grupo de rapazes dentro de um Uno. Fernando conversou com eles e, quando virou de costas, os homens no carro atiraram. Fernando não resistiu aos ferimentos.

Série de reportagens do Correio mostra o perigo que alunos, professores e funcionários de colégios públicos e particulares do DF correm todos os dias. Comandante do Batalhão Escolar afirma que pais, docentes, diretores, funcionários e o próprio governo precisam também fazer sua parte no combate ao crime


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