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Os desafios do tempo integral

Sociedade civil organizada estima em R$ 24 bilhões a injeção de recursos para chegar a 25% de alunos no ensino intensivo, conforme prevê meta do governo. Em um ponto, todos concordam: obstáculos passam por arquitetura e mão-de-obra preparada

postado em 22/12/2014 12:55 / atualizado em 16/11/2020 10:36
Ismael, Paulo Eduardo e Erick aproveitam o tempo a mais na escola para se divertir na sala de robótica.  
 

Ismael, Paulo Eduardo e Erick aproveitam o tempo a mais na escola para se divertir na sala de robótica.

 

Governo e oposição, especialistas de todas as matizes e qualquer profissional da área concordam: expandir a educação em tempo integral é passo fundamental para um verdadeiro salto de desenvolvimento do país. Apesar da unanimidade em relação à medida, não se sabe quanto, exatamente, custaria ter 25% dos alunos nessa modalidade — meta que o Brasil precisa atingir em 2024, conforme preconiza o Plano Nacional de Educação. Hoje, só 4,5% dos estudantes de ensino médio têm a jornada estendida. Entre os de nível fundamental, são 10,9%. Em meio a estimativas de investimento necessário calculadas por organizações da sociedade civil e estudos sobre experiências que deram certo, fica a certeza de que, antes mesmo de dispor de alguns bilhões a mais para manutenção de um sistema educacional intensivo, é preciso ter uma estrutura prévia para que a empreitada dê resultados efetivos.

Essa estrutura não se refere apenas a espaços adequados, alertam especialistas. Diz respeito, também, à formação de docentes e de pessoal de apoio, além da elaboração de um projeto pedagógico para alunos que ficam sete horas — parâmetro de tempo mínimo que define a educação em tempo integral — ou mais na escola. A falta desses elementos já é uma realidade em escolas de jornada estendida do Brasil, afirma Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. “Muitas vezes, não há professores, não há monitores. Os profissionais que trabalham com as crianças atuam na base do improviso, são bolsistas ou voluntários. Isso acontece no Programa Mais Educação, do governo federal, que deveria servir de modelo para induzir outras experiências. Não é à toa que o projeto tem o apelido de Mais Ocupação, porque mantém o estudante ocupado, mas não em processo de aprendizagem, como deveria ser.”

Secretária da educação básica do MEC, Maria Beatriz Luce reconhece os problemas, mas faz ressalvas. “A crítica, em muitos casos, é pertinente. Mas temos de pensar que os voluntários são, muitas vezes, pessoas de referência na comunidade na área da arte, da dança. E são bem-vindos. Há momentos em que não dá para fazer sem eles. Mas é claro que voluntários não substituem os professores. É importante garantir um quadro de docentes com vínculos que não sejam precários”, destaca a gestora. Ela explica que o Mais Educação repassa, ao ano, a 62 mil escolas cerca de R$ 1 mil por aluno matriculado em tempo integral. Do valor, R$ 400 vão para a conta da unidade de ensino e o restante é repassado via Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). No entanto, Maria Beatriz diz que a pasta não tem cálculos sobre quanto custaria manter 25% dos alunos matriculados em tempo integral.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação tem uma estimativa. Seriam necessários R$ 24 bilhões adicionais ao que se gasta, anualmente, com o ensino básico — neste ano, os investimentos devem chegar a R$ 117 bilhões. “É um cálculo levando em consideração uma boa educação integral. É mais do que simplesmente colocar o estudante para ficar 7 horas na escola”, explica Daniel Cara. Maria Beatriz não comenta a estimativa. “A gente respeita o dado, porque sabemos da seriedade das instituições envolvidas com a luta pela educação, mas como um ponto de partida. Realmente não temos condição de fazer uma avaliação mais fina para dizer quanto custará essa expansão”, diz a secretária do MEC.

Professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação, José Marcelino de Rezende Pinto propõe um cálculo “grosseiro”, mas que pode dar uma ideia da necessidade de recursos. “Se você considerar que a média de tempo dos alunos na escola no Brasil é de quatro horas por dia e que, na educação integral, isso tem que ser no mínimo 7 horas, temos aí um acréscimo significativo no tempo de permanência, o que implica em muitas demandas”, afirma. Segundo ele, é preciso aumentar as matrículas no período intensivo sem abrir mão de qualidade. “Educação de tempo integral, verdadeiramente, têm as crianças e os adolescentes da classe média, que chegam da escola, almoçam, à tarde vão para o inglês, o judô, a natação”, diz Marcelino. Para Maria Beatriz, do MEC, no ritmo atual, o Brasil poderá até extrapolar a meta em 2024. “Se dará naturalmente pelo interesse das famílias, das comunidades”, diz.

Demanda
Filândia Braga Sena, vice-diretora da Escola Classe 413 Sul, em Brasília, não tem tanta certeza. Na unidade de ensino fundamental, que oferece tempo integral a todos os 217 estudantes, a procura é intensa. “Abrimos uma lista de espera. Em três meses, havia 300 nomes. Cancelamos a fila”, diz. Ingrid Hanna de Oliveira Nóbrega, 10 anos, considera-se sortuda por estudar no local, das 7h30 às 17h30. “É bem cansativo, porque temos muitas atividades, mas é melhor do que ficar em casa ou na rua”, diz. Entre as aulas complementares favoritas, estão o xadrez, a dança e a leitura. “Já li A cabana, A menina que roubava livros”, conta Ingrid.

Os amigos Ismael Sampaio Barros, Erick Cardoso Mendes e Paulo Eduardo Alves da Silva, 7 anos, preferem a sala de robótica, onde se divertem com jogos de montar. “O Lego treina a gente, deixa a memória esperta, rápida”, diz Erick. Mostrando um carro feito com as peças coloridas, Ismael fala da rotina. “Eu gosto de ficar na escola”, afirma. Quando ouve Erick dizendo que a “mãe vai ficar impressionada” vendo-o no jornal, Ismael emenda: “A gente vai ser famoso!” Logo em seguida, as atenções se voltam, novamente, para helicópteros, caminhões, pessoas e outras criações em cima da mesa abarrotada de Lego.

Gerente de educação da Fundação Itaú Social, Patrícia Mota Guedes enumera os desafios do tempo integral: infraestrutura, formação dos profissionais e monitoramento de resultados. “Não é oferecer mais do mesmo, mais tempo de reforço escolar. Tem que ter currículo diversificado, pessoal qualificado e arquitetura adequada. Há questões de logística importantes, como acesso a banho, merenda escolar”, destaca Patrícia, que faz pesquisas e auxilia secretarias de educação em projetos de implantação do período estendido. De acordo com ela, a escola precisa descobrir parcerias importantes, seja com entidades da sociedade civil ou universidades, além de explorar equipamentos públicos, tais como parques e ginásios. A aferição de metas, defende, tem de ser constante. “Se não, corremos o risco de oferecer atividades pulverizadas, que não fazem diferença.”

“Não é à toa que o projeto tem o apelido de Mais Ocupação, porque mantém o estudante ocupado, mas não em processo de aprendizagem, como deveria ser”
Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

“Educação de tempo integral, verdadeiramente, têm as crianças e os adolescentes da classe média, que chegam da escola, almoçam, à tarde vão para o inglês, o judô, a natação”

José Marcelino, presidente da Associação Nacional de Pesquisadores em Financiamento da Educação

 

Sociedade civil organizada estima em R$ 24 bilhões a injeção de recursos para chegar a 25% de alunos no ensino intensivo, conforme prevê meta do governo. Em um ponto, todos concordam: obstáculos passam por arquitetura e mão-de-obra preparada 

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