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Muito além da cevada e do trigo

Projeto de pesquisa do Instituto Federal de Brasília desenvolve cervejas artesanais adicionadas de frutos como seriguela e umbu. Iniciativa partiu de três professores e, hoje, conta com o apoio de duas alunas

Jéssica Gotlib
postado em 06/12/2015 12:41

Ramon, Tatiana e Adriano, professores do IFB, estão à frente do projeto e produziram, até agora, sete tipos de cerveja

O acaso aproximou a professora Tatiana Rotolo, 39 anos, da chance de trabalhar com o hobby favorito dela: a produção artesanal de cervejas, assunto que ela estuda de maneira independente há cinco anos. Tatiana foi selecionada para dar aulas de filosofia para o ensino médio no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília (IFB). A instituição tem 10 unidades, e ela foi alocada no câmpus Riacho Fundo, onde é ministrado o curso técnico em cozinha. Lá, conheceu outros dois professores: Adriano Pereira Tavares, 25, e Ramon Garbin, 26, gastrônomos e responsáveis por conteúdos de barismo. Trocando experiências, os três perceberam a oportunidade de fazer experimentos com a bebida fermentada. ;A adição de frutas à cerveja não é algo novo: na idade média e na antiguidade clássica, faziam isso. Nossa singularidade é combinar produtos típicos do cerrado, como o doce de buriti, a receitas tradicionais de cerveja;, explica Tatiana.

No início, os três professores se reuniam, experimentavam sabores e debatiam sobre os arranjos que poderiam fazer. As cervejas produzidas até o momento são a pale ale, com seriguela; a blond ale, com umbu, a irish red ale, com pimenta-pé-de-bode; a dubbel, com doce de buriti; a amber ale, com mangaba; e, ainda em processo de maturação, a wit beer, com limão-cravo e favacão, espécie de manjericão com folhas graúdas. ;Às vezes, um de nós provava algo no fim de semana com a família ou se lembrava de algum sabor regional do qual gostava e trazia para o grupo como sugestão;, recorda Tatiana. A base para todos os experimentos eram as receitas tradicionais de cerveja ; que podem variar de acordo com o tipo de fermentação, a cor, o teor alcoólico, a quantidade, o tipo do extrato (se é de trigo ou cevada, por exemplo). As mais conhecidas são pilsen, ale, stout e bock, diferentes entre si por, pelo menos, duas dessas características.

Tipos de malte usados nas receitas

Recursos
O trio inscreveu a iniciativa no concurso Fábrica de Ideias Inovadoras (Fabin) ; promovido pelo IFB para estimular a criatividade entre os servidores ; e recebeu recursos para adquirir o equipamento e os primeiros insumos para iniciar a produção das amostras em novembro de 2014. Ao longo dos testes, os professores selecionaram as fórmulas que seriam usada e testaram a inserção de novos ingredientes. ;O início foi bem complicado em termos de estrutura. Mesmo com a verba do Fabin, tivemos que tirar dinheiro do nosso salário para comprar equipamentos necessários. No entanto, é um projeto do qual gostamos tanto que preferimos ficar no prejuízo financeiro a deixar de fazer as pesquisas;, revela Adriano.

;Algumas experiências deram muito certo, como na cerveja de favacão (erva aromática muito utilizada para fazer chás contra gripe). O resultado foi uma bebida muito leve e fresca. A combinação perfeita para o que queríamos;, conta Tatiana. Em outros casos, o resultado foi o oposto. ;A cerveja de mangaba foi uma grande decepção. A fruta sumiu, não dava para sentir na bebida;, relata. Selecionadas as primeiras fórmulas, o projeto começou a ser divulgado no início deste ano para avaliar a aprovação entre o público em geral. Primeiramente, foram feitos testes de aceitação e eventos de degustação com alunos e funcionários do IFB, depois os professores levaram as amostras para a Feira de Saberes e Culturas do instituto, em agosto. Em seguida, participaram de eventos nacionais como a Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro, e a Semana de Produção Científica dos Institutos Federais, em setembro deste ano.

As dificuldades, no entanto, foram compensadas com os primeiros resultados. ;Demorou um pouco porque precisávamos de tempo para que a cerveja fermentasse e ficasse pronta. Quando começamos a apresentar para o público, foi incrível, fomos superbem recebidos. Os sabores favoritos foram os mais refrescantes, pois estão mais próximos do paladar habitual brasileiro;, comemora Adriano. Não foram só os leigos em cerveja que se interessaram: membros do grupo Acerva Candanga, que reúne interessados e estudiosos em cervejas especiais no Distrito Federal, experimentaram algumas receitas e mostraram interesse. ;Eles elogiaram, especialmente, a cerveja de pimenta-pé-de-bode. Ela é bastante aromática e permite que você sinta o ardor só no fim, ao engolir a bebida;, explica.

Institucionalização da pesquisa

Jacqueline e Marina, bolsistas do projeto, ajudam nas pesquisas

A boa recepção do público estimulou o desdobramento da proposta inicial, os pesquisadores começaram a elaborar um livro sobre a importância da cerveja para a gastronomia. Essa etapa rendeu a criação do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos da Cerveja e a contratação de duas estudantes bolsistas com financiamento do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Pibic/CNPq). ;Os professores tinham comentado em aula sobre o projeto, e eu estava muito interessada porque amo cerveja e comida;, contou a bolsista Jacqueline Ferreira, aos risos.

;Além de ser um estudo muito prazeroso, existe um mercado consumidor gigantesco e pouco explorado. Então, é uma excelente oportunidade de emprego;, acrescenta a estudante Marina Lopes. Ambas têm 22 anos e estão no primeiro semestre do curso técnico em cozinha, com duração de dois anos. ;A maior vantagem de termos instituído um projeto de pesquisa foi a possibilidade de oferecer workshops sobre o tema para a comunidade, porque essa é a finalidade do instituto: divulgar conhecimento;, observa Ramon. O próximo workshop será em dezembro (veja Quer ser cervejeiro?).

Quer ser cervejeiro?

Confira onde encontrar opções de aulas sobre o assunto

Oportunidades no DF

IFB

Promove workshop sobre cerveja artesanal de 17 a 19 de dezembro, no câmpus Riacho Fundo. Carga horária: seis horas. Gratuito. As inscrições devem ser feitas na secretaria. Endereço: Avenida Cedro, AE 15, QS 16, Riacho Fundo 1. Informações: 2103-2154 / www.ifb.edu.br.

Candango Brau Oficina de Cerveja
Oferece curso de produção de cerveja em várias datas sob demanda. Carga horária: 14 horas. Investimento: R$ 500. Inscrições: www.candangobrau.com.br. SHIN CA 2, Lote 14, Lago Norte. Informações: 3468-4318.

Associação Brasileira de Sommelier

Abrirá vagas para o curso de sommelier de servejas a partir de fevereiro de 2016. Carga horária: 360 horas. Investimento: R$289,80 / mês. Inscrições na secretaria da instituição. Endereço: SRTV Sul, Quadra 701, Conj. L, Bloco 2, Sala 127 - Edifício Assis Chateaubriand. Telefone: 3323-5321.

Para viajar e estudar

Instituto da Cerveja

Já a capacitação em tecnologia cervejeira (138 horas) vai de 12 de dezembro a 20 de março (aos sábados e domingos), pelo custo de R$ 4 mil. O curso de sommelier de cervejas (104 horas) será ministrando em 19, 21, 26 e 28 de janeiro de 2016; o investimento é de R$ 3.350. Inscrições pelo site: www.institutodacerveja.com.br. Endereço: Av. dos Carinas, 417 ; Moema, São Paulo. Informações: (11) 5097-9497.

Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de São Paulo (Senac-SP)
O curso de sommelier de cervejas será promovido em várias datas a partir de janeiro de 2016. Carga horária: 130 horas. Investimento: R$ 3.650. Inscrições pelo site: www.sp.senac.br. Endereço: Rua 24 de Maio, 208, 1; Andar, Centro, São Paulo. Telefone: (11) 2187-4482.

Comercialização

; Apesar do bom desempenho nos testes com o público, a bebida fabricada no IFB ainda não pode ser comercializada, já que, para distribuir bebidas no Brasil, os produtores precisam obter registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) Toda a produção que não é usada nas mostras e seminários é consumida em confraternizações do próprio Instituto Federal de Brasília. A obtenção das licenças envolve um processo burocrático complexo, e a rentabilidade do negócio não é garantida, uma vez que as cervejas artesanais são afetadas pela mesma carga tributária que as grandes marcas, o que diminui a margem de lucro do produto.

; De acordo com o cadastro da Anvisa, só existem 300 micro-cervejarias no país, mas o setor cresce, em média, 20% por ano. ;A comercialização não é o foco do projeto, mas, nos congressos e nas feiras a que fomos, muita gente nos perguntou onde encontrar, pois se interessam pela combinação da bebida com os frutos do cerrado. Por isso, estamos pensando em como viabilizar a venda;, revela Ramon Garbin.

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