postado em 26/04/2013 15:00
Luciane Pereira de Cerqueira Braga conseguiu, na Justiça, o direito de concorrer a uma vaga no curso de medicina na Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) pelo sistema de cotas sociais. A instituição teria negado a inscrição da estudante na seleção por ela não ter cursado os ensinos fundamental e médio em escolas públicas do Distrito Federal ; segundo determina a Lei Distrital n; 3.361/2004.A 2; Turma Recursal dos Juizados Especiais do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) julgou o recurso de Luciane em março. Ela conta ter estudado do 1; ao 7; ano no Colégio Estadual Dr. Quintiliano da Silva, na cidade de Natividade (TO); concluído o 8; no Centro Educacional Setor Leste, em Brasília, em 1990; e finalizado o ensino médio em supletivo da Secretaria do Estado do Tocantins, em 1998. Todos são estabelecimentos estatais.
[SAIBAMAIS]O relator da ação, Aiston Henrique de Sousa, e os dois integrantes do colegiado avaliaram que Lei n; 3.361/2004 é inconstitucional. ;Não obstante seja legítima a reserva de vagas em ensino superior para alunos da rede pública de ensino, a norma local não pode restringir tal benefício aos alunos do Distrito Federal, sob pena de violar o princípio que veda a criação de distinções entre brasileiros. Além disso, a restrição contraria alguns princípios constitucionais do sistema de educação, como o pluralismo e a regra que exige colaboração entre os entes federativos no campo do ensino;, diz o texto.
A faculdade mantida pelo GDF ainda pode recorrer da decisão. O Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), responsável pelo processo seletivo, não é citado na ação. Procurada pela reportagem, a ESCS afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que ainda não foi notificada pela Justiça sobre o caso. A instituição aguarda um comunicado oficial para decidir quais providências tomar. Se a decisão for mantida após o prazo para apresentação de recursos, a entidade terá que aceitar a inscrição da candidata.
Apesar de valer apenas para Luciane, a medida abre precedente para casos semelhantes. Das 80 vagas oferecidas pela ESCS, 32 são reservadas a estudantes da rede pública local ; o correspondente a 40%. No último Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), a instituição teve o quarto melhor rendimento entre todos os cursos de medicina do país. A escola alcançou a nota 4,48 (em um índice que varia de 1 a 5), a Universidade de Brasília ficou com 3,84, e a Universidade Católica de Brasília, com 2,11. Desde então, o certame para ingresso nos cursos de medicina e enfermagem tem sido mais concorrido.
Luis Claudio Megiorin, presidente da Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa), reconhece a importância da decisão e ressalta que a capital sempre acolheu pessoas de diferentes regiões. ;Estávamos cientes da inconstitucionalidade do dispositivo, porque fere o princípio da isonomia. Os estados não podem criar leis que geram desigualdade. Entendemos a decisão dos juízes, o DF é uma unidade autônoma, mas faz parte de uma federação;, defende.
O professor da Faculdade de Direito da UnB Evandro Piza Duarte, especialista em ações afirmativas, alega que uma lei como essa pode até ser constitucional, se bem fundamentada. ;A ideia de restrição regional aparece em alguns programas e não é absurda. Mas ela precisa de uma justificação concreta. Se no Norte, por exemplo, há uma carência de médicos e, ensino adequado, e o poder público cria um programa para atender a demanda e a população local, isso é plausível. Mas qual seria a justificativa aqui?;
Além disso, Piza observa se a palavra ;integralmente; não vai contra o propósito da regra de garantir aos habitantes do DF acesso à universidade. Um aluno que veio para a capital no 7; ano e permaneceu até encerrar o ensino médio não poderia se beneficiar das cotas porque não cursou o 5; e 6; anos aqui. ;Ainda que essa restrição fosse adequada, ela esbarra no modo como se define. É o problema da razoabilidade, esse padrão exclui uma porção de moradores, e a ideia aparente da lei é evitar que pessoas de fora venham estudar aqui;, questiona.
Megiorin afirma que a Câmara Legislativa do DF possui um histórico de leis em desacordo com a Constituição. Na opinião dele, que também coordena a Confederação Nacional das Associações de Pais e Alunos, um possível aumento da concorrência, mas prefere ser cauteloso. ;Nós vemos que o funil está apertando para os alunos de escolas privadas e para os cotistas da escola pública. Talvez só não aperte tanto porque a pessoa terá de entrar com uma ação judicial a tempo de fazer a inscrição. Não acredito que haverá uma avalanche de recursos porque o aluno de outra unidade da Federação tem uma série de gastos e preocupações;, conclui.
O professor da UnB explica que o STF já julgou constitucional a reserva de vagas pelo histórico em escola pública, além da condição racial e socioeconômica. Porém, a obrigatoriedade de ter estudado na região onde está instalada a universidade não foi debatida em última instância.
Normas
A Lei Distrital n; 3361, de 15 de junho de 2004, estabeleceu que as universidades e faculdades públicas do DF, como a ESCS, são obrigadas a reservar no mínimo 40% das vagas por curso e turno para os alunos que cursaram integralmente os ensinos fundamental e médio em escolas públicas do DF. Nas instituições federais de educação superior, como a UnB, é a lei n; 12.711, de 29 de agosto de 2012, que define as cotas sociais. Segundo o dispositivo, cada curso e turno terão, no mínimo, 50% das vagas reservadas para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas de qualquer estado do