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Cotas raciais sofrem revés no Supremo

Decisão permite que unidades da federação revertam a política de favorecer o ingresso nas universidades com base em critérios étnicos

postado em 23/04/2014 15:00

Fila diante da Suprema Corte no início do exame da medida anticotas aprovada pelos eleitores em Michigan

A Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu ontem que as universidades estaduais de Michigan poderão banir o uso de critérios raciais nos processos de admissão de alunos. A determinação, aprovada por seis votos a dois, considera que abolir as cotas raciais não representa violação à Constituição Federal, que consagra a igualdade entre os cidadãos. A interpretação da lei, porém, segue direção oposta à pregada pelos movimentos em prol dos direitos civis dos anos 1960, e abre o precedente para que outros estados adotem medidas semelhantes. Segundo o juiz Anthony Kennedy, que votou com a maioria, a sentença ;não trata de como se deve resolver o debate sobre as preferências raciais, mas de quem deve resolvê-lo;.

A bordo do Air Force One, o avião presidencial dos EUA, o porta voz da Casa Branca, Jay Carney, afirmou a jornalistas que o presidente Barack Obama ;se opõe às cotas e acredita que a ênfase em programas universais, e não especificamente raciais, é uma boa política;.

Os magistrados determinaram que é constitucional uma medida aprovada em Michigan, em 2006, quando 58% da população votou pelo fim das cotas raciais nas universidades públicas, uma política batizada de ação afirmativa. O resultado do referendo, contudo, foi anulado pelo Tribunal de Apelações de Cincinnati, em 2012, sob a alegação de que a medida violava uma cláusula da Constituição. Kennedy afirmou a jornalistas que os eleitores haviam decidido eliminar as cotas raciais por as considerarem imprudentes, mas ponderou que não havia impedimento constitucional nem precedentes jurídicos que pudessem justificar a anulação do plebiscito.

As juízas Ruth Ginsburg e Sonia Sotomayor votaram contra a manutenção da medida. Sotomayor, de origem hispânica, lembrou que a decisão desconsidera determinações anteriores, em que a Suprema Corte considerou que as políticas de cotas poderiam ser constitucionalmente permitidas nos estados que desejassem utilizá-las. A magistrada afirmou que a Constituição ;não dá à maioria liberdade para retirar barreiras que protegem minorias raciais;.

Precedente
Outros sete estados ; Califórnia, Florida, Washington, Arizona, Nebraska, Oklahoma e New Hampshire ; adotaram medidas semelhantes e devem se apoiar na decisão de ontem para mantê-las. Embora os defensores da ação afirmativa argumentem que as cotas estimulam o ingresso de estudantes negros, asiáticos e hispânicos, os adversários sustentam que o favorecimento a eles descaracteriza a seleção por mérito acadêmico.

Liliana Garces, pesquisadora do Centro de Estudos para Educação Superior da Universidade Estadual da Pensilvânia, observa que a decisão da Suprema Corte não tem efeitos imediatos nos estados que não propuseram a derrubada das cotas. Ela considera necessário garantir que políticas do tipo não avancem. ;É lamentável que ocorra um retrocesso em termos de igualdade racial em instituições de educação superior;, lamenta Garces.

O fator da inclusão social
A decisão da Suprema Corte norte-americana de permitir que os estados decidam sobre o recurso à ação afirmativa em benefício de determinados grupos étnicos ; como negros, latinos e asiáticos ; foi anunciada no mesmo mês em que a Universidade de Brasília, pioneira na implementação do sistema de cotas raciais no Brasil, limita de 20% para 5% o número de vagas reservadas para estudantes negros e pardos. A nova política reduz as cotas raciais, mas aumenta para 50% a reserva para cotas sociais. O posicionamento da Justiça dos Estados Unidos, apontado por muitos como exemplo para as políticas brasileiras, não deve, no entanto, influenciar a implantação de ações de inclusão no país, segundo especialistas consultadas pelo Correio.

Uma das principais diferenças entre os EUA e o Brasil é o estágio de inclusão social já alcançado pelos americanos, destaca a doutora em psicologia social Jaqueline Gomes, ex-coordenadora do Centro de Convivência Negra da UnB. ;Há uma classe média negra mais consolidada lá, onde o nível de integração é bem maior;, diz Gomes, ressaltando que trabalhos afirmativos são implementados nos EUA desde a década de 1960.

A coordenadora do Laboratório Interdisciplinar de Culturas e Literaturas Africanas e da Diáspora Negra (Licafro) da Universidade Federal Fluminense (UFF), Iris Amâncio, reforça a ideia e destaca o caráter provisório das cotas raciais. ;O fim delas não significa que não exista mais racismo nem que o problema esteja resolvido em absoluto, porque o sistema de cotas, como política pública, tem o objetivo de regularizar o fluxo;, diz. ;Agora, fica o desafio para a sociedade de manter a inclusão sem a ferramenta legal.;

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