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Entre golpes e escaramuças

Jango foi o último presidente que teve o poder abatido pelos militares. Mas a vida do Brasil republicano tem sido marcada pela participação das Forças Armadas no poder, ora em apoio ao governo de plantão, ora conspirando contra

postado em 27/03/2014 16:00
De volta ao Brasil para assumir a Presidência após a renúncia de Jânio, Jango (C) recebe o abraço de Leonel Brizola  (Antônio Ronek/O Cruzeiro/Arquivo EM/D.APress)
De volta ao Brasil para assumir a Presidência após a renúncia de Jânio, Jango (C) recebe o abraço de Leonel Brizola

São só 29 anos, mas o Brasil vive atualmente o maior período democrático de sua história republicana. Antes do golpe militar que derrubou o então presidente João Goulart e iniciou mais um ciclo ditatorial, em 1964, o país passou por um longo período de instabilidade política, não raro com ameaças de tomada do poder por militares (veja ao lado). Para especialistas, no entanto, a queda de Jango, como o presidente era conhecido, não está necessariamente entrelaçada às tentativas anteriores de golpe.

;Havia militares que tinham projeto de poder antes (do golpe de 1964), mas eram grupos minoritários, marginais do sistema político. Basta ver que, em 1961, não conseguiram impedir a posse de Jango. Em 64, porém, tiveram apoio de outros setores da sociedade e, por isso, emplacaram;, avalia Rodrigo Patto Sá Motta, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor de vários estudos sobre a ditadura.

As desavenças entre Jango e os militares antecedem a sua posse como presidente. Ministro do Trabalho no segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), ele era acusado pelas Forças Armadas de tramar a revolução comunista no país. Em 1954, Vargas cedeu e demitiu Jango, mas acatou uma das propostas mais radicais do ex-ministro: dobrar o valor do salário mínimo. ;(Depois disso), coronéis divulgaram o Manifesto, redigido pelo general Golbery do Couto e Silva, que considerava um ultraje um trabalhador braçal ganhar quase o mesmo que um tenente;, diz Adriano Codato, professor de ciência política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

A relação entre Vargas e os militares azedou. Com pouco apoio político, o presidente decidiu aceitar uma licença provisória em agosto de 1954, depois de seu maior opositor, o jornalista Carlos Lacerda, supostamente sofrer um atentado, atribuído a getulistas. Em meio à tentativa de militares linha-dura de transformar sua licença em afastamento definitivo, Vargas acabou se matando em 24 de agosto.

[SAIBAMAIS]Eleito em 1955, Juscelino Kubitschek também foi alvo de escaramuças militares. Em 1956, por exemplo, o major Haroldo Coimbra Velloso liderou a Revolta de Jacareacanga. Com o capitão José Chaves Lameirão, Velloso saiu do Rio em um avião da Aeronáutica e foi para a Base Aérea de Jacareacanga, no sul do Pará. A ideia era cooptar aliados para derrubar JK. O governo, porém, conseguiu conter os rebeldes com facilidade. Em 1959, nova tentativa: a Revolta de Aragarças. Com os mesmos objetivos de Jacareacanga, militares rumaram para o município goiano. A revolta foi controlada em apenas 36 horas, e os líderes fugiram para Bolívia, Argentina e Paraguai.

Renúncia
Jango voltou aos holofotes como vice do presidente Jânio Quadros, eleito em 1961. Para a maioria dos historiadores, esse foi o momento em que começou realmente a caminhada para o golpe de 1964. ;De alguma maneira, desde 1961, militares, conservadores, liberais, empresários, setores da Igreja Católica e da grande imprensa começaram a se articular;, diz Nashla Dahás, pesquisadora da Revista História da Biblioteca Nacional.

Mas Jânio Quadros decidiu renunciar em 25 de agosto daquele ano. Carregando a fama de comunista desde que era ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, Jango estava na China quando o presidente renunciou. ;Ele foi (à China) a convite do líder Mao Tse Tung. Jânio aproveitou a viagem do vice para renunciar e, assim, abrir espaço para os três ministros militares, signatários do famoso Manifesto dos Coronéis divulgado quando Jango era ministro;, diz João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, que tinha sete anos na época.

Os militares tentaram impedir a posse de Jango, mas cederam quando o Congresso propôs a adoção do parlamentarismo. O governo passou a ser chefiado pelo primeiro-ministro, Tancredo Neves. Em 1962. fortalecido, Jango consegue reinstalar o presidencialismo. ;Mas a crise continuou em função da instabilidade econômica do país e, também, dos aliados de Goulart na esquerda;, comenta Rodrigo Patto.

O acadêmico diz que a aliança do então presidente com grupos da esquerda, que pressionavam o governo para promover mudanças sociais no Brasil, acabou aumentando o engajamento político dos militares. ;O grande tema da derrubada de Goulart foi esse medo de que o poder dele poderia abrir caminho para mudanças;, analisa Patto, acrescentando que o golpe só se viabilizou porque teve apoio ;muito além dos militares, mas de empresários, da Igreja, da imprensa, entre outros;. Em 1964, os militares chegaram ao poder.

;Havia militares que tinham projeto de poder antes (do golpe de 1964), mas eram grupos minoritários, marginais do sistema político. Basta ver que, em 1961, não conseguiram impedir a posse de Jango. Em 64, porém, tiveram apoio de outros setores da sociedade e, por isso, emplacaram;
Rodrigo Patto Sá Motta, professor de história da UFMG

Linha do tempo
Golpes de Estado (e algumas tentativas) desde a Proclamação da República

1924
; Descontentes com o sistema político que dominava o país desde a Proclamação da República em 1889, jovens oficiais do Exército lideraram a Revolta Paulista. O poder no Brasil estava nas mãos de oligarquias rurais, especialmente cafeeiras, que se revezavam no comando do governo. Cerca de 1 mil homens participaram do levante, que tentou derrubar o presidente, Artur Bernardes. Sem apoio popular, a revolta não prosperou.

1930

 (João de Almeida/O Cruzeiro/EM/D.A Press - 3/11/30)

; Depois de ser derrotado em eleição para a Preseidência da República, recheada de denúncias de fraudes, o gaúcho Getúlio Vargas (C) lidera um golpe de Estado com apoio de militares, e assume o poder, encerrando o período oligárquico. Vargas se torna chefe do Governo Provisório. A Constituição de 1891 é revogada e ele governa por meio de decretos.

1937
; A Constituição de 1934 previa eleição para a Presidência da República em 1938. Diante da possibilidade de perder o poder, Vargas articula novo golpe político, em 1937. O Congresso é fechado e tem início o Estado Novo. O ditador outorga uma Constituição que lhe garante poder pleno.

1954
; No segundo período à frente da Presidência da República (1951-1954), dessa vez eleito democraticamente, Getúlio Vargas se mata em 24 de agosto de 1954. Ele enfrentava militares, que queriam derrubá-lo. Uma das implicâncias das Forças Armadas era com a presença de João Goulart no governo, na pasta do Trabalho. Ele era apontado pelos militares como comunista.

1956
; Juscelino Kubitschek é alvo da Revolta de Jacareacanga, armada por militares. Um grupo tentou articular um golpe a partir de base aérea, no Sul do Pará, mas não conseguem apoio e são contidos.

1959
; Com o mesmo objetivo da anterior, ocorre a Revolta de Aragarças. Militares se concentraram no município em Goiás para tentar tirar o poder de JK. Mas a revolta é combatida em apenas 36 horas.

1961

 (Erno Schneider/Reprodução)

; Depois da renúncia do presidente Jânio Quadros (foto), militares tentam impedir a posse do vice, João Goulart. Mas, em acordo com Congresso, aceitam mudar o regime para o parlamentarismo.

1964
; Apoiado por diversos setores da sociedade, militares derrubam Jango e assumem o poder.


HÁ 50 ANOS
27 DE MARÇO DE 1964
; ;Entre a defesa da disciplina, que o ministro Sílvio Mora procurou fazer, e o motim, o presidente João Goulart escolheu o motim.; A frase de Adauto Lúcio Cardoso, líder da UDN na Câmara dos Deputados, demonstra que, além de ter irritado os militares, o apoio de Jango aos marinheiros e cabos amotinados no Sindicato dos Metalúrgicos teve impacto na oposição. A Revolta dos Marinheiros também ganhou forte repercussão fora do Brasil. Na França, a ;espetacular rebelião;, como noticiou a agência France-Presse, era vista como prova do apoio das camadas inferiores das Forças Armadas às reformas propostas por Jango.

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