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Uma chance para o talento

O professor Falk Moreira, surdo, é o primeiro docente a buscar o mestrado em educação, com base no ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras). Hoje, ele estará diante de uma banca na Universidade Católica para defender uma didática inclusiva

postado em 15/08/2014 12:03
"Basta dar uma brecha para que a gente escancare tudo" Falk Moreira, 39 anos.


Nas mãos de Falk Moreira, 39 anos, a dificuldade primordial se torna inspiração para o trabalho de uma vida. Surdo, o professor com nome de ator ; o americano Peter Falk, cego de um olho ; ensina a Língua Brasileira de Sinais (Libras) a alunos ouvintes e lança para longe as barreiras da comunicação. O mais recente gesto da luta pela igualdade de direitos é feito, hoje, quando ele defende a dissertação de mestrado em educação, pela Universidade Católica de Brasília (UCB). No DF, Falk é o primeiro aluno surdo da área a tentar o título de mestre e pretende, com o projeto, mostrar que basta uma oportunidade para que profissionais como ele mostrem a capacidade que têm.

Nascido em uma família de ouvintes, Falk desenvolveu surdez bilateral profunda quando tinha um ano e sete meses. A meningite que consumiu seu aparelho auditivo não foi capaz de calar sua força de vontade. Estudante em um período em que as famílias eram orientadas a não ensinar Libras aos filhos surdos, ele encarou a escola regular e as aulas ministradas por meio da fala. Ele fazia leitura labial e pedia para que os colegas emprestassem os cadernos para que ele completasse as lacunas deixadas pela educação vocalizada. ;Era muito difícil porque eu tinha que ler o que o professor dizia e não conseguia copiar. Ou copiava e perdia o que ele estava explicando;, lembra. Falk concluiu o ensino técnico em contabilidade, com menção honrosa. Os obstáculos da aprendizagem, ao longo de toda a vida o incentivaram, anos mais tarde, a estudar pedagogia e a desenvolver a didática que aplica em sala de aula, desde 2008, quando entrou na UCB.

A dissertação que produziu investiga as aplicações e os efeitos das políticas públicas de inclusão e o cotidiano de cinco professores surdos na educação superior. São histórias de enfrentamento do preconceito, da subvalorização profissional e pessoal. Ele também questiona o modelo neoliberal nesse processo e batalha pelo respeito e pela noção de cidadania que os docentes têm direito. Dito de forma menos técnica, o objetivo de Falk é incentivar o conhecimento e afirmar, categoricamente, que as adaptações para garantir a acessibilidade são necessárias e possíveis. ;Quero que os surdos se sintam estimulados a estudar. Minha proposta mostra que somos viáveis, que somos capazes. Basta dar uma brecha para que a gente escancare tudo;, define. Ele compõe um grupo que soma cerca de 50 mil pessoas deficientes auditivas, somente no DF, e que são silenciadas pela falta de acessibilidade em todos os setores.

O orgulho com que a orientadora dele no mestrado, a professora doutora Ranilce Mascarenhas Guimarães, se refere ao trabalho é inquestionável. ;A pesquisa dele está entre as melhores dentre as dos meus orientandos ouvintes. Eu me sinto realizada. Vejo o crescimento de meu aluno e o meu, como orientadora;, diz. O processo de criação do projeto teve de ser adaptado. ;No início, eu tive um pouco de dificuldade porque a redação dele é diferente de um aluno ouvinte. Ele precisou revisar o texto dele e adaptar para as normas técnicas e para os critérios acadêmicos;, relata. Até mesmo a comunicação foi uma descoberta para ambos. ;Em algumas reuniões, não tínhamos a intérprete. Uma vez, com três meses de orientação, eu olhei bem nos olhos dele e disse: ;Falk, a gente vai ter que se comunicar. Vamos olhar um no olho do outro, fazermos leitura labial e vamos nos comunicar;. Deu certo. Os dois encontraram um diálogo próprio e bastante proveitoso.

Popularidade

Pelo menos 6 mil estudantes foram guiados pelas mãos de Falk no universo de Libras. ;Nas primeiras aulas, eles ficam assustados, meio ansiosos. Procuro mostrar aos alunos ouvintes a necessidade de se comunicarem com os surdos. É uma quebra de conceito;, acredita. Apesar do desafio, a receptividade não poderia ser melhor. ;No fim do semestre, eles ficam à vontade. As pessoas têm vontade de se comunicar;, afirma. A popularidade do professor é tamanha que, pelos corredores da universidade, os alunos o cumprimentam. A disciplina tem fila de espera e mesmo quem já a cursou pede para voltar. ;Eles me pedem para dar continuidade à disciplina. Já reencontrei alunos até mesmo em viagem para os Estados Unidos;, brinca. O segredo para o sucesso das aulas é a colaboração. ;O convívio é bem intenso. A gente (alunos e professor) fica muito próximo. É uma troca, eles me ajudam quando há dificuldade com alguma palavra;, explica.

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