Trabalho e Formacao

Família S.A.

Empreendimentos mantidos por pais e filhos têm grande fatia do mercado no Brasil. No entanto, falta de organização do grupo pode comprometer a continuidade do negócio

postado em 08/07/2013 09:35
O empresário Abdalla Jarjour com os filhos: Trabalhei a vida inteira para que eles tivessem uma herançaO objetivo da maior parte dos pioneiros das empresas familiares é que os herdeiros dediquem suas futuras carreiras a desenvolver o negócio que os pais conseguiram colocar no mercado. Dados do Serviço Nacional de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) revelam que 90% das pequenas e médias empresas são familiares. Apesar disso, a cada 100 empresas, 30 conseguem chegar às mãos da segunda linhagem e apenas cinco à quarta geração. Estudo feito este ano pela escola de educação executiva B.I. International mostra que o número de empreendimentos familiares que conseguem sobreviver à sucessão de gerações não passa de 40%.
Segundo Anna Maria Guimarães, coordenadora do programa Masters da B.I. International, a implantação da governança corporativa ; prática que promove a segurança e a estabilidade do negócio para os acionistas ; é uma forma de garantir a sobrevivência das empresas familiares. ;Muitas organizações que hoje são centenárias passaram por um processo de estruturação. Elas tiveram um papel importante na industrialização brasileira em 1960;, comenta a coordenadora. No entanto, para que essas empresas se desenvolvessem, foi preciso separar família e negócios, principalmente na parte financeira.

Algumas firmas do Distrito Federal sentiram a importância de fazer essa separação. É o caso do grupo Gravia. Fundado em 1961 pelos irmãos Carlos e José Gravia, hoje é o maior do Centro-Oeste no segmento de metais e perfilados. ;Desde a época do meu pai, o grupo estabeleceu que, para trabalhar aqui, tem que dar duro: não importa se a pessoa é da família. Assumir a empresa como herdeiro é um plano de vida, não uma condição;, afirma a superintendente, Rosângela Gravia, 50 anos. Desde 2007, a empresa adota a estrutura de holding ; sociedade criada para gerir um grupo de empresas. Para o setor executivo, são indicados dois herdeiros de cada fundador e há aqueles que são apenas sócios, e não trabalham diretamente na firma.

Estruturação

Professor do curso empresa familiar e seus desafios, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Eduardo Najjar explica que existem três conselhos que organizam a separação entre empresa e família: o conselho consultivo, formado por executivos, acionistas e profissionais externos; o conselho administrativo, que maneja a transparência e a auditoria da empresa; o conselho familiar, responsável por discutir os assuntos da família.
;É preciso que a governança se desenvolva respeitando a cultura da família, mantendo um fórum de ;comunicação sem emoção;. O que pode estragar uma empresa são as desavenças;, comenta. Autor de Empresa familiar: construindo equipes vencedoras na família empresária (Editora Integrare / 176 páginas / R$ 25,94), o professor afirma que, em contrapartida às desavenças, o espírito das empresas de família faz com que as pessoas se empenhem mais no trabalho. ;O nível de investimento que a família faz no negócio é maior e o desempenho dessas empresas fica acima da média. Eles querem ver a empresa progredir;, acrescenta.

Para José Fagundes Maia Neto, 65 anos, fundador da rede de supermercados Supermaia, o processo de modernização da empresa fará com que ele se sinta mais seguro ao deixar o comando da rede. Com a divisão de funções e o surgimento do conselho, diminuem as disputas para ficar à frente do negócio. ;Eu geralmente sou o juiz e decido quando há diferença de opiniões, mas quero poder saber que o barco vai navegar sozinho;, comenta Fagundes. A rede, que começou com a padaria Santo Antônio, há 40 anos, hoje é composta por 15 supermercados e uma indústria de papel. A empresa já passou por uma consultoria que orientou e modernizou a equipe.

Além de serem os novos comandantes da empresa, os herdeiros devem ser a principal ponte entre a herança da marca e a modernidade. Para isso, cada vez mais, as empresas familiares têm exigido não só formação superior mas também conhecimento sobre o negócio.
Na família Jarjour, dona de postos de gasolina em Brasília, todos os cinco herdeiros começaram a trabalhar cedo, aos 16 anos. ;Eu comecei abastecendo carros, ajudando a calibrar pneu. Depois, passei pela limpeza, auxiliar na administração, até conseguir assumir um cargo na presidência;, enumera Wonder Jarjour, 24 anos, herdeiro caçula do grupo. ;Meu pai sempre disse que para um filho assumir a empresa é preciso subir degrau por degrau, conhecendo bem todos os andares.;
O grupo Jarjour Pai está na terceira geração. Desde sua fundação, em 1958, pelos sírios Aziz e Munia Jarjour, a empresa é comandada pelos herdeiros. Com a divisão do grupo, em 1970, o empresário Abdalla Jarjour, 66 anos, investiu na área de postos de gasolina. Hoje, ele exige que seus filhos tenham ensino superior, desde que isso não atrapalhe o vínculo com a empresa. ;Trabalhei a vida inteira para que eles tivessem uma herança. Se eu não deixar o comércio para eles, vou deixar para quem?;, salienta Abdalla.

Para a herdeira da rede de supermercados Supermaia Nádia Bismarck, conhecer a empresa é uma forma de se preparar para a pressão. ;Trabalhar em família tem aspectos positivos e negativos. Um dos negativos é a cobrança. Você é filho e funcionário, é cobrado como os dois. Nós temos que servir de exemplo para toda a equipe;, comenta.

Experiência


Segundo a coach Richelli Sachetti, especialista em formação de líderes e empresas de família pela Sociedade Brasileira de Coaching, o herdeiro deve buscar formação superior e até mesmo experiências externas. ;As vivências fora da empresa podem trazer uma visão a longo prazo do empreendimento. Quando o herdeiro trabalha fora do grupo familiar, ele conhece o mercado e, com essa perspectiva, o filho pode trazer um modelo de gestão mais atualizado;, explica Richelli.
Para o consultor Domingos Ricca, especialista em sucessão familiar, o principal problema da transferência dos empreendimentos é dar continuidade aos cinco pilares que sustentam as empresas de família: palavra, cultura, perseverança, carisma e liderança. ;O processo de sucessão não significa tirar o dono da empresa, mas tê-lo presente para ensinar aos filhos. Não adianta uma empresa ter governança, ser sólida no mercado, se há disputas internas;, observa.

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