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Sudão: conflito aumenta o risco de separação

Batalha pelos lucros do petróleo faz a população sulista sonhar com a independência. Confrontos que destruíram a cidade de Abyei, na divisa das regiões, são ofuscados pela crise em Darfur

postado em 16/07/2008 09:33
A esperança acabou. A ganância pelo petróleo pode rasgar um acordo de paz que demorou 21 anos para ser assinado. No Sudão, a situação é mais delicada do que se imagina. As diferenças entre o sul negro e cristão e o norte árabe não acabaram. Casas são queimadas, famílias mortas, sobram feridos e refugiados. Enquanto o mundo volta suas atenções para Darfur e a possível prisão do presidente Omar Al-Bashir pelo genocídio na região, o Correio investigou uma outra crise no maior país do continente africano.

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Em uma noite de maio, Achol Jill, 73 anos, começou a ouvir os tiros. Ela correu para fora de sua cabana e viu a cidade inteira em chamas. Procurou pela filha, os sobrinhos e fugiu. As igrejas e casas de Abyei, o maior centro petrolífero no sul do Sudão, foram totalmente destruídas, 95% da cidade está queimada. O lugar tinha começado a receber os refugiados da guerra civil havia pouco tempo. A devastação foi causada pelos recentes conflitos entre o Exército governista e o Exército de Libertação do Povo Sudanês, que deixaram mais de 50 mil desabrigados. Em Londres, Julie Biong, 33 anos, viu a notícia na TV. Só duas semanas depois, ela conseguiu localizar a mãe, Achol, em um abrigo da Organização das Nações Unidas (ONU). ;Dois dos meus primos morreram. Minha mãe perdeu tudo, mas pelo menos ela está viva;, disse Julie, por telefone, ao Correio. Ela nasceu em Abyei e aos 8 anos e teve de se separar da mãe por causa da guerra. As duas ficaram em lugares diferentes do Sudão. Em 1991, ela fugiu para o Egito, e quatro anos depois, conseguiu asilo no Reino Unido com o irmão. Julie só reencontrou a mãe em 2003. De longe, ela sofre pelos que ficaram no país e sonha com a paz. ;A comunidade internacional, inclusive o Brasil, tem de juntar as mãos e fazer alguma coisa pelo Sudão, precisamos de ajuda;, afirmou. O problema é antigo. A guerra civil entre norte e sul durou duas décadas e deixou cicatrizes no país. O petróleo está concentrado no sul, região com pouca infra-estrutura e população tribal. Do lado oposto, está o poder árabe e o governo. Depois de anos de luta, eles assinaram um tratado de paz em 2005, pressionados por sanções impostas pelos Estados Unidos. O acordo dividia os lucros do petróleo, que chegam a US$ 7 bilhões por ano, mas na prática não foi o que ocorreu. Entre os protocolos assinados, estava o de Abyei, que pertence ao norte, mas tem população sulista. Há algumas semanas, os dois lados conseguiram dialogar e organizaram um força conjunta para delimitar as terras em Abyei. Porém, nada de concreto foi feito. O médico radicado no Reino Unido Justin Ambago Ramba, 49 anos, é pessimista. ;Nunca nenhum tratado entre sul e norte funcionou. Porque os nortistas sempre acham que têm a maior vantagem no acordo;, afirmou, por e-mail. A desvantagem dos sulistas causa insatisfação da população e, conseqüentemente, conflitos. Sem nenhuma resolução em três anos de tratado, o sudanês criou um partido político para defender o sul mesmo de longe. O médico acha que o governo não quer que a situação seja resolvida. ;O norte está ganhando tempo e, com a indefinição, continua extraindo petróleo. Eles precisam do dinheiro para comprar armas e combater o sul;, revelou Justin. O brasileiro Adriel Dutra Amaral, 32 anos, foi se aventurar no Sudão como voluntário da ONU em 2003. Ele ficou na montanha Nuba, em uma área conhecida como de transição entre o norte e o sul. O que ele encontrou foram tribos vazias, cidades destruídas pelo fogo e uma nação quase sem povo. ;A parte do país que não foi dizimada fugiu. Então, as pessoas voltavam para o nada e tinham de reconstruir tudo.; Na época em que ele estava lá, o acordo de paz foi assinado. ;O que eu pude ver é que não havia ódio religioso e a população não queria aquela guerra.; No ano que vem, o Sudão passará por eleições presidenciais e, em 2011, um referendo poderá trazer a independência para o sul. Justin pretende voltar ao país em breve, trabalhar na reconstrução em sua região e fazer campanha pela separação. Para ele, o mapa político do Sudão mudará nos próximos três anos. ;As frustrações do sul são muitas. A relação com um norte arrogante não sobreviverá no futuro. Na primeira chance que tiver, o povo vai pedir a independência.; Leia mais no Correio Braziliense

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